
CARTA ENCÍCLICA
DOMINUM ET VIVIFICANTEM
DO SUMO PONTÍFICE
JOÃO PAULO II
SOBRE O ESPÍRITO SANTO
NA VIDA DA IGREJA E DO MUNDO
Veneráveis Irmãos
e Amados Filhos e Filhas
Saúde e Bênção Apostólica!

O Divino
Espírito Santo.
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INTRODUÇÃO
1. A
Igreja professa a sua fé no Espírito
Santo, como n'Aquele «que é Senhor e dá a vida».
É o que ela proclama no Símbolo da Fé, chamado
Niceno-Constantinopolitano, do nome dos dois Concílios - de
Niceia (a. 325) e de Constantinopla (a. 381) - nos quais foi
formulado ou promulgado. Nele se acrescenta também que o
Espírito Santo «falou pelos Profetas».
São
palavras que a Igreja recebe da própria fonte da sua fé,
Jesus Cristo. Com efeito, segundo o Evangelho de São João, o
Espírito Santo é-nos dado com a vida nova, como Jesus
anuncia e promete no dia solene da festa dos Tabernáculos:
«Quem tem sede, venha a mim; e beba quem crê em mim. Como
diz a Escritura, do seu seio fluirão rios de água viva»1.
E o Evangelista explica: «Jesus dizia isso referindo-se
ao Espírito, que haveriam de receber os que n'Ele
acreditassem»2. É a mesma
analogia da água usada por Jesus no diálogo com a
Samaritana, quando fala de «uma nascente de água a jorrar
para a vida eterna»3, e no
colóquio com Nicodemos, quando anuncia a necessidade de um
novo nascimento «pela água e pelo Espírito» para
«entrar no Reino de Deus»4.
A
Igreja, portanto, instruída pelas palavras de Cristo, indo
beber à experiência do Pentecostes e da própria «história
apostólica», proclama desde o início a sua fé no Espírito
Santo, como n'Aquele
que dá a vída, Aquele no
qual o
imperscrutável Deus
uno e trino se comunica aos homens, constituindo neles a
nascente da vida eterna.
2.
Esta fé, professada ininterruptamente pela Igreja, precisa
de ser incessantemente reavivada e aprofundada na
consciência do Povo de Deus. Neste último século isso
aconteceu por mais de uma vez: desde Leão XIII, que publicou
a Carta Encíclica
Divinum illud munus (a.
1897), inteiramente dedicada ao Espírito Santo, a Pio
XII, que na Encíclica Mystici
Corporis (a.
1943) se referiu de novo ao Espírito Santo como sendo
princípio vital da Igreja, na qual opera conjuntamente com a
Cabeça do Corpo Místico, Cristo5,
até ao Concílio
Ecuménico Vaticano II, que fez notar a necessidade de
uma renovada atenção à doutrina sobre o Espírito Santo, como
acentuava o PapaPaulo VI: «À cristologia e
especialmente à eclesiologia do Concílio deve seguir-se um
estudo renovado e um culto renovado do Espírito Santo,
precisamente como complemento indispensável do ensino
conciliar»6.
Na
nossa época, portanto, mais uma vez somos chamados
pela fé da Igreja, fé antiga e sempre nova, a
aproximar-nos do Espírito Santo como Aquele
que dá a vida. Neste ponto, podemos contar com a ajuda e
serve-nos também de estímulo a herança comum com as Igrejas
orientais; estas preservaram cuidadosamente as riquezas
extraordinárias do ensino dos Padres sobre o Espírito Santo.
Também por isso podemos dizer que um dos mais importantes
acontecimentos eclesiais dos últimos anos foi o XVI
centenário do I Concílio de Constantinopla, celebrado
contemporaneamente em Constantinopla e em Roma na solenidade
do Pentecostes de 1981. OEspírito Santo, tendo-se
meditado na altura sobre o mistério da Igreja, apareceu
então mais nitidamente como Aquele que indica os caminhos
que levam à união dos cristãos, ou melhor, como afonte
suprema desta unidade, que provém do próprio Deus e à
qual São Paulo deu uma expressão particular, com aquelas
palavras que se usam frequentemente para dar início à
Liturgia eucarística: «A graça de Nosso Senhor Jesus Cristo,
o amor de Deus Pai e a comunhão do Espírito Santo estejam
convosco»7.
Nesta
exortação tiveram o seu ponto de partida e inspiração, em
certo sentido, as precedentes Encíclicas Redemptor
hominis e Dives
in misericordia, as quais celebram o acontecimento da
nossa salvação, que se realizou no Filho, mandado pelo Pai
ao mundo, «para que o mundo seja salvo por seu intermédio»8 e
«toda a língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para
glória de Deus Pai»9. Dessa
mesma exortação nasce agora a presente
Encíclica sobre o Espírito Santo, que procede do Pai e
do Filho e com o Pai e o Filho é adorado e glorificado:
Pessoa divina, Ele está no coração da fé cristã e é a fonte
e a força dinâmica da renovação da Igreja10.
Ela foi haurida, ademais, das
profundezas da herança do Concílio. Os textos
conciliares, efectivamente, em virtude do seu ensino sobre a
Igreja em si mesma e sobre a Igreja no mundo, estimulam-nos
a perscrutar cada vez mais o mistério trinitário do próprio
Deus, seguindo o itinerário evangélico, patrístico e
litúrgico: ao Pai — por Cristo — no Espírito Santo.
Deste
modo, a Igreja responde também a certos apelos profundos,
que julga ler no coração dos homens de hoje: uma nova
descoberta de Deus na sua transcendente realidade de
Espírito infinito, como foi apresentado por Jesus à
Samaritana; a necessidade de adorá-lo «em espírito e
verdade»11; a esperança de
encontrar nele o segredo do amor e a força de uma «nova
criação»12: sim, precisamente Aquele
que dá a vida.
A
Igreja sente-se chamada para esta missão de anunciar o
Espírito, ao mesmo tempo que, juntamente com toda a família
humana se aproxima do
final do segundo Milénio depois de Cristo. Tendo como
cenário um céu e uma terra que «passarão», ela sabe bem que
adquirem uma particular eloquência as «palavras que não
hão-de passar»13, São as
palavras de Cristo sobre o Espírito Santo, fonte inexaurível
da «água a jorrar para a vida eterna»14,
como verdade e graça salvadoras. A Igreja quer reflectir
sobre estas palavras; ela deseja chamar a atenção daqueles
que crêem e de todos os homens para essas mesmas palavras,
enquanto se vai preparando para celebrar - come se dirá mais
adiante - o grande Jubileu, com que se assinalará a passagem
do segundo para o terceiro Milénio cristão.
As
considerações que se seguem, naturalmente, não pretendem
perlustrar, de maneira exaustiva, toda a riquíssima doutrina
sobre o Espírito Santo, nem favorecer qualquer solução de
questões ainda em aberto. Elas têm como finalidade principal
desenvolver na Igreja aquela consciência com que ela «é
impelida pelo mesmo Espírito Santo a cooperar para que se
realize o desígnio de Deus, que constituiu Cristo princípio
de salvação para o mundo inteiro»15.
PRIMEIRA PARTE
O ESPÍRITO DO PAI E DO FILHO, DADO À IGREJA
1.
Promessa e revelação de Jesus durante a Ceia pascal
3.
Quando já estava iminente para Jesus Cristo o tempo de
deixar este mundo, ele anunciou aos Apóstolos «um outro
Consolador»16. O evangelista São
João, que estava presente, escreve que, durante a Ceia
pascal no dia anterior à sua paixão e morte, Jesus se
dirigiu a eles com estas palavras: «Tudo o que pedirdes em
meu nome, eu o farei, para que o Pai seja glorificado no
Filho ... Eu pedirei ao Pai, e Ele vos dará um outro
Consolador, para estar convosco para sempre, o Espírito da
verdade»17.
É
precisamente a este Espírito da verdade que Jesus chama o
Paráclito — e Parákletos quer
dizer «consolador», e também «intercessor», ou «advogado». E
diz que é «um outro» Consolador, o segundo, porque ele
mesmo, Jesus Cristo, é o primeiro Consolador18,
sendo o primeiro portador e doador da Boa Nova. O Espírito
Santo vem depois dele a graças a ele, para continuar no
mundo, mediante a Igreja, a obra da
Boa Nova da salvação. Desta continuação da sua obra por
parte do Espírito Santo, Jesus fala mais de uma vez durante
o mesmo discurso de despedida, preparando os Apóstolos,
reunidos no Cenáculo, para a sua partida, isto é, para a sua
paixão e morte na Cruz.
As
palavras, a que faremos aqui referência, encontram-se no
Evangelho de São João. Cada uma delas acrescenta um
certo conteúdo novo ao anúncio e à promessa acima referidos.
E, ao mesmo tempo, elas estão encadeadas intimamente entre
si, não só pela perspectiva dos mesmos acontecimentos, mas
também pela perspectiva do mistério do Pai, do Filho e do
Espírito Santo, o qual talvez em nenhuma outra passagem da
Sagrada Escritura tenha uma expressão tão relevante como
aqui.
4.
Pouco depois do anúncio acima referido, Jesus acrescenta:
«Mas o Consolador, o Espírito Santo, que o Pai enviará em
meu nome, ele vos
ensinará todas
as coisas e vos recordará tudo
o que eu vos disse»19. O
Espírito Santo será o Consolador dos Apóstolos e da Igreja,
sempre presente no meio deles — ainda que invisível — como
mestre da mesma Boa Nova que Cristo anunciou. Aquele
«ensinará» ... e «recordará» significa não só que Ele, da
maneira que lhe é própria, continuará a inspirar a
divulgação do Evangelho da salvação, mas também que ajudará
a compreender o significado exacto do conteúdo da mensagem
de Cristo; que Ele assegurará a continuidade e identidade de
compreensão dessa mensagem, no meio das condições e
circunstâncias mutáveis. Por conseguinte, o Espírito Santo
fará com que perdure sempre na Igreja a mesma
verdade, que os Apóstolos ouviram do seu Mestre.
5.
Para transmitirem a Boa Nova da salvação, os Apóstolos
estarão associados de uma maneira particular ao Espírito
Santo. Eis como Jesus continua a falar: «Quando vier o
Consolador, que eu vos enviarei da parte do Pai, o Espírito
da verdade que procede do Pai, ele
dará testemunho de mim. E também vós dareis testemunho
de mim, porque estais comigo desde o princípio»20.
Os
Apóstolos foram as testemunhas directas, oculares. Eles
«ouviram» e «viram com os próprios olhos», «contemplaram», e
até mesmo «tocaram com as próprias mãos» Cristo, como se
exprime numa outra passagem o mesmo evangelista São João21.
Este seu testemunho humano, ocular e «histórico» a respeito
de Cristo andará ligado ao testemunho do Espírito Santo:
«Ele dará testemunho de mim». É no testemunho do Espírito
da verdade que
o testemunho humano dos Apóstolosencontrará o seu mais
forte sustentáculo.
E, em seguida, encontrará nele também o recônditofundamento interior
da sua continuação entre as gerações dos discípulos e dos
confessores de Cristo, que se irão sucedendo ao longo dos
séculos.
Sendo
o próprio Jesus Cristo a suprema e mais completa revelação
de Deus à humanidade, é otestemunho do Espírito que
inspira, garante e convalida a sua fiel transmissão na
pregação e nos escritos apostólicos22,
enquanto o testemunho
dos Apóstolos lhe
proporciona a expressão humana na Igreja e na história da
humanidade.
6.
Isto é posto em evidência também pela estreita correlação de
conteúdo e de intenção com o anúncio e a promessa que
acabámos de mencionar, que se encontra nas palavras que vêm
a seguir no texto de São João: «Teria ainda muitas coisas
para vos dizer, mas por agora não estais em condições de as
comprender. Quando, porém, Ele vier, o Espírito da verdade, guiar-vos-á paratoda
a verdade; porque
Ele não falará por si mesmo, mas de tudo o que tiver ouvido
e anunciar-vos-á as coisas que estão para vir»23.
Com as
palavras precedentes Jesus apresenta o Consolador, o
Espírito da verdade, como Aquele que «ensinará e recordará»,
como Aquele que «dará testemunho» dele; agora diz: «Ele vos
guiará para toda a verdade». Este «guiar para toda a
verdade», em relação com aquilo que «os Apóstolos por agora
não estão em condições de compreender», está necessariamente
em ligação com
o despojamento de Cristo, por meio da sua paixão e morte
de Cruz, que então, quando ele pronunciava estas palavras,
já estava iminente.
Mas,
em seguida, torna-se bem claro que aquele «guiar para a toda
a verdade» está em ligação não apenas com o «scandalum
crucis» [o escandalo da cruz], mas também com tudo o que
Cristo «fez e ensinou»24. Com
efeito, o mysterium
Christi na
sua globalidade exige a fé, porquanto é ela que introduz o
homem oportunamente na realidade do mistério revelado. O
«guiar para toda a verdade» realiza-se, pois, na fé e
mediante a fé: é obra do Espírito da verdade e é fruto da
sua acção no homem. O Espírito Santo deve ser em tudo isso o
guia supremo do homem, a luz do espírito humano. Isto é
válido para os Apóstolos, as testemunhas oculares que devem
levar doravante a todos os homens o anúncio do que Cristo
«fez e ensinou» e, especialmente, da sua Cruz e da sua
Ressurreição. Numa perspectiva mais ampla e distante no
tempo, isto é valido também para todas as gerações dos
discípulos e dos confessores do Mestre, uma vez que deverão aceitar com
fé e confessar com
desassombro o mistério de Deus operante na história do
homem, o mistério revelado que explica o sentido dessa mesma
história.
7. Na
economia da salvação, portanto, entre o Espírito Santo e
Cristo subsiste uma ligação íntima, em virtude da qual o
Espírito da verdade opera na história do homem como «um
outro Consolador», assegurando de modo duradouro a
transmissão e a irradiação da Boa Nova revelada por Jesus de
Nazaré. Por isso, no Espírito Santo Paráclito, o qual
continua incessantemente no mistério e na actividade da
Igreja a presença histórica do Redentor sobre a terra e a
sua obra salvífica, resplandece a glória de Cristo, como
atestam as palavras de São João que vêm a seguir: «Ele (isto
é, o Espírito) glorificar-me-á, porque receberá
do que é meu para vo-lo anunciar»25.
Com estas palavras é confirmado, mais uma vez, tudo o que
disseram os enunciados precedentes: «ensinará ... recordará
..., dará testemunho». A suprema e completa auto-revelação
de Deus, que se realizou em Cristo — tendo dado testemunho
dela a pregação dos Apóstolos — continuará a ser manifestada
na Igreja mediante a missão do Consolador invisível, o
Espírito da verdade. Quanto esta missão (do Espírito) esteja
intimamente ligada com a missão de Cristo e quanto
plenamente ela vá haurir na mesma missão de Cristo —
consolidando e desenvolvendo na história os seus frutos
salvíficos — é expresso pelo verbo «receber»: «receberá do
que é meu para vo-lo anunciar». E Jesus, como que para
explicar a palavra «receber», pondo em evidência claramente
a unidade divina e trinitária da fonte, acrescenta: «Tudo
quanto o Pai tem é meu; por isso eu disse que Ele receberá
do que é meu para
vo-lo anunciar»26. Recebendo «do
que é meu», Ele vai, por isso mesmo, haurir «daquilo que é
do Pai».
Assim,
à luz daquele «receberá» podem ser explicadas ainda as
outras palavras sobre o Espírito Santo, pronunciadas por
Jesus no Cenáculo antes da Páscoa, que são palavras
significativas: «É melhor para vós que eu vá, porque se eu
não fôr, o Consolador não virá a vós; mas,
se eu for, ensiar-vo-lo-ei. E
quando Ele tiver vindo convencerá o mundo quanto ao pecado,
quanto à justiça e quanto ao juízo»27.
Será conveniente voltar a estas palavras, com uma reflexão à
parte.
2.
Pai, Filho e Espírito Santo
8. É
característica do texto joanino que o Pai, o Filho e o
Espírito Santo sejam nomeados claramente como Pessoas, a
primeira distinta da segunda e da terceira e estas também
distintas entre si. Jesus fala do Espírito Consolador,
usando por mais de uma vez o pronome pessoal «Ele». E, ao
mesmo tempo, em todo o discurso de despedida, torna
manifestos aqueles vínculos que unem reciprocamente o Pai, o
Filho e o Paráclito. Assim, «o Espírito ... procede do Pai»28 e
o Pai «dá» o Espírito29. O Pai
«envia» o Espírito em nome do Filho30,
o Espírito «dá testemunho» do Filho31.
O Filho pede ao Pai que envie o Espírito Consolador32;
mas, além disso, afirma e promete, em relação com a sua
«partida» mediante a Cruz: «Quando eu fôr, vo-lo enviarei»33.
Portanto, o Pai envia o Espírito Santo com o poder da sua
paternidade, como enviou o Filho34;
mas, ao mesmo tempo, envia-o, com o poder da Redenção
realizada por Cristo — e neste sentido o Espírito Santo é
enviado também pelo Filho: «enviar-vo-lo-ei».
Aqui
neste ponto, é preciso notar que, se todas as outras
promessas feitas no Cenáculo anunciavam a vinda do Espírito
Santo para depois da
partida de Cristo, a que é referida por São
João no
capítulo 16 vv. 7-8 inclui e acentua claramente a relação de
interdependência, que se poderia dizer causal, entre
as manifestações de um e de outro: «Quando eu fôr,
enviar-vo-lo-ei». O Espírito Santo virá na condição de
Cristo partir, mediante a Cruz: virá não só em
seguida, mas por
causa da
Redenção realizada por Cristo, por vontade e obra do Pai.
9.
Assim no discurso da Ceia pascal de despedida, atinge-se —
por assim dizer — o ápice
da revelação trinitária. Ao
mesmo tempo, encontramo-nos no limiar de eventos definitivos
e de palavras supremas, que por fim se traduzirão no grande
mandato missionário, dirigido aos Apóstolos e, mediante
eles, à Igreja: «ide, portanto, e ensinai todas as gentes»,
mandato que contém, em certo sentido, a fórmula trinitária
do Baptismo: «baptizando-as em nome do Pai e do Filho e
do Espírito Santo»35. A
fórmula reflecte o mistério íntimo de Deus, da vida divina,
que é o Pai, o Filho e o Espírito Santo, divina unidade da
Trindade. O discurso de despedida pode ser lido como uma
preparação especial para esta fórmula trinitária, na qual se
exprime o poder vivificante do Sacramento, que opera a participação
na vida de Deus uno e trino, porque confere a graça
santificante ao homem, como dom sobrenatural. Por meio dela
o homem é chamado e «tornado capaz» de participar na
imperscrutável vida de Deus.
10. Na
sua vida íntima Deus «é Amor»36,
amor essencial, comum às três Pessoas divinas: amor pessoal
é o Espírito Santo, como Espírito do Pai e do Filho. Por
isso ele «perscruta as profundezas de Deus»37,
como Amor-Dom
incriado. Pode dizer-se que, no Espírito Santo, a vida
íntima de Deus uno e trino se torna totalmente dom, permuta
de amor recíproco entre as Pessoas divinas; e ainda, que no
Espírito Santo Deus «existe» à maneira de Dom. O Espírito
Santo é a
expressão pessoal desse
doar-se, desse ser-amor38. É
Pessoa-Amor. É Pessoa-Dom. Temos aqui uma riqueza insondável
da realidade e um aprofundamento inefável do conceito de
pessoa em Deus, que só a Revelação divina nos dá a conhecer.
Ao
mesmo tempo, o Espírito Santo, enquanto consubstancial ao
Pai e ao Filho na divindade, é Amor e Dom (incriado) do qual
deriva como de uma fonte (fons vívus) toda
a dádiva em
relação às criaturas (dom criado): a doação da existência a
todas as coisas, mediante a criação; e a doação da graça aos
homens, mediante toda a economia da salvação. Como escreve o
Apóstolo São Paulo: «O amor de Deus foi derramado nos nossos
corações por meio do Espírito Santo, que nos foi dado»39.
5.
Jesus de Nazaré, «elevado» no Espírito Santo
19.
Embora Jesus não seja recebido como Messias na sua terra de
Nazaré, todavia, ao iniciar a sua actividade pública, a sua
missão messiânica no Espírito Santo foi revelada ao
Povo por
João Batista, filho de Zacarias e de Isabel. Ele
anuncia, junto do Jordão, a vinda do Messias e administra o
baptismo de penitência. Ele diz: «Eu baptizo-vos com água,
mas vai chegar quem é mais forte do que eu, a quem eu não
sou digno nem sequer de desatar as correias das sandálias: ele
baptizar-vos-á com o Espírito Santo e com o fogo»65.
João
Baptista anuncia o Messias — Cristo, não apenas como Aquele
que «vem» com o Espírito Santo, mas como Aquele que
também «é portador» do Espírito Santo, como seria
melhor revelado por Jesus no Cenáculo. João torna-se, quanto
a isto, o eco fiel das palavras de Isaías; palavras que,
proferidas pelo antigo Profeta, diziam respeito ao futuro,
ao passo que no seu ensino, nas margens do Jordão,
constituem a introdução imediata à nova realidade
messiânica. João é não só profeta, mas também mensageiro: é
o precursor de Cristo. Aquilo que ele anuncia realiza-se
diante dos olhos de todos. Jesus de Nazaré vem ao Jordão
para receber, também ele, o baptismo de penitência. A vista
do recém-chegado, João proclama: «Aí está o Cordeiro de
Deus, que vai tirar o pecado do mundo»66.
E diz isso por inspiração do Espírito Santo67 dando
testemunho do cumprimento da profecia de Isaías. Ao
mesmo tempo confessa a fé na missão redentora de Jesus de
Nazaré. Nos lábios de João Baptista as palavras «Cordeiro de
Deus» encerram uma afirmação da verdade quanto ao Redentor,
não menos significativa que as palavras usadas por Isaías:
«Servo do Senhor».
Deste
modo, com o testemunho de João junto do Jordão, Jesus de
Nazaré, rejeitado pelos próprios conterrâneos, é elevado
aos olhos de Israel como Messias, ou seja «Ungido» com o
Espírito Santo. E o testemunho de João Baptista é
corroborado por um outro testemunho de ordem superior,
mencionado pelos três Evangelhos Sinópticos. Com efeito,
quando todo o povo tinha sido baptizado e no momento em que
Jesus, recebido o baptismo, estava em oração, «abriu-se o
céu e o Espírito Santo desceu sobre ele em forma corporal,
como uma pomba»68; e,
simultaneamente, ouviou-se uma voz vinda do céu que dizia:
Este é o meu Filho muito amado, no qual pus as minhas
complacências»69.
É uma teofania
trinitária, que dá testemunho da exaltação de Cristo,
por ocasião do baptismo no Jordão. Ela não só confirma o
testemunho de João Baptista, mas revela uma dimensão ainda
mais profunda da verdade acerca de Jesus de Nazaré como
Messias. Ou seja: o Messias
é o Filho muito amado do Pai. A sua exaltação solene não
se reduz à missão messiânica do «Servo do Senhor». A luz da
teofania do Jordão, esta exaltação alcança o mistério da
própria Pessoa do Messias. Ele é exaltado porque é o Filho
da complacência divina. A voz do Alto diz: «o meu Filho».
20. A
teofania do Jordão ilumina somente de modo fugaz o mistério
de Jesus de Nazaré, cuja actividade será toda ela
desenvolvida com a presença do Espírito Santo70.
Este mistério viria a ser gradualmente desvendado e
confirmado por Jesus, mediante tudo o que «fez e ensinou»71.
Atendo-nos à linha deste ensino e dos sinais messiânicos
realizados pelo mesmo Jesus, antes do discurso de despedida
no Cenáculo, encontramos acontecimentos e palavras que
constituem momentos particularmente importantes dessa
revelação progressiva. Assim o evangelista São Lucas, que já
tinha apresentado Jesus «cheio de Espírito Santo» e
«conduzido pelo Espírito ao deserto»72.
faz-nos cientes de que, após o regresso dos setenta e dois
discípulos da missão que lhes fora confiada pelo Mestre73,
enquanto eles cheios de alegria lhe relatavam os frutos do
seu trabalho, nesse mesmo «momento Jesus
exultou de alegria sob a acção do Espírito Santo e
disse: «Eu te dou graças, ó Pai, Senhor do céu e da terra,
porque escondeste estas coisas aos sábios e aos inteligentes
e as revelaste aos pequeninos. Sim, ó Pai, porque isto foi
do Teu agrado»74. Jesus exulta
pela paternidade divina: exulta porque lhe foi dado revelar
esta paternidade; exulta, por fim, por uma como que
irradiação especial da mesma paternidade divina sobre os
«pequeninos». E o Evangelista qualifica tudo isto como uma
«exultação no Espírito Santo».
Esta
«exultação» impele Jesus, em certo sentido, a dizer ainda
algo mais. Ouçamos: «Todas as coisas me foram entregues por
meu Pai e ninguém conhece quem é o Filho senão o Pai,
nem quem é o Pai senão o Filho e
aquele a quem o Filho o quiser revelar»75.
21.
Aquilo que durante a teofania do Jordão veio, por assim
dizer, «do exterior», do Alto, aqui provém «do interior»,
isto é, do
mais íntimo do ser que é Jesus. É uma outra revelação do
Pai e do Filho, unidos no Espírito Santo. Jesus fala só da
paternidade de Deus e da própria filiação; não fala
directamente do Espírito que é Amor e, por isso, união do
Pai e do Filho. Não obstante, aquilo
que ele diz do Pai e de Si-Filho brota daquela plenitude
do Espírito que
está nele mesmo e se derrama no seu coração, impregna o seu
próprio «Eu», inspira e vivifica, a partir da profundeza do
que Ele é, a sua acção. Daqui esse seu «exultar no Espírito
Santo». A união de Cristo com o Espírito Santo, da qual Ele
tem uma consciência perfeita, exprime-se nessa «exultação»,
que torna «perceptível», de certa maneira, a sua fonte
recôndita. Dá-se assim uma especial manifestação e exaltação
próprias do Filho do Homem, de Cristo-Messias, cuja
humanidade pertence à Pessoa do Filho de Deus,
substancialmente uno com o Espírito Santo na divindade.
Na
magnífica confissão da paternidade de Deus, Jesus de Nazaré
manifesta-se também a si mesmo, o seu «Eu» divino: Ele é
efectivamente, o Filho «da mesma substância»
(consubstancial); e, por isso, «ninguém conhece quem é o
Filho senão o Pai, nem quem é o Pai senão o Filho, aquele
Filho que «por nós, homens, e para nossa salvação» se fez
homem, «por obra do Espírito Santo» e nasceu de uma
virgem, cujo nome era Maria.
6.
Cristo: Ressuscitado disse: «Recebei o Espírito Santo»
22. É
São Lucas que, graças à sua narração, nos leva a
aproximar-nos, o máximo que é possível, da verdade contida
no discurso do Cenáculo. Jesus de Nazaré, «elevado» no
Espírito Santo, ao longo desse discurso e colóquio,
manifesta-se como Aquele
que é «portador» do Espírito, como Aquele que o deve
trazer e «dar» aos Apóstolos e à Igreja à custa da sua
«partida» mediante a Cruz.
Com o
verbo «trazer», aqui, quere-se dizer, primeiro
que tudo, «revelar». No
Antigo Testamento, desde o Livro
do Génesis, o Espírito de Deus foi dado a conhecer, de
alguma maneira, antes de mais como «sopro» de Deus
que dá a vida, como «um sopro vital» sobrenatural. No Livro
de Isaíasé apresentado como um «dom» para a
pessoa do Messias, como Aquele que repousa sobre ele, para
ser, de dentro, o guia de toda a sua actividade salvífica.
Junto do Jordão, o anúncio de Isaías revestiu-se de uma
forma concreta: Jesus de Nazaré é aquele que
vem com o Espírito Santo e
o «traz» como dom peculiar da sua própria Pessoa,
para efundi-lo através da sua humanidade: «Ele vos baptizará
no Espírito Santo». 76 No
Evangelho de São Lucas é confirmada e enriquecida esta
revelação do Espírito Santo, como
fonte íntima da
vida e da acção messiânica de Jesus Cristo.
À luz
daquilo que o mesmo Jesus diz no discurso do Cenáculo, o
Espírito Santo é revelado de um modo novo e mais amplo. Ele
é não só o dom
à Pessoa (à
Pessoa do Messias), mas é também uma Pessoa-Dom!
Jesus anuncia a sua vinda como a de «um outro Consolador», o
qual, sendo o Espírito da verdade, guiará os Apóstolos e a
Igreja «a toda a verdade». 77 Isto
realizar-se-á em virtude da particular comunhão entre o
Espírito Santo e Cristo: «há-de receber do que é meu para
vo-lo anunciar». 78 Esta
comunhão tem a sua fonte
primária no Pai: «Tudo quanto o Pai tem é meu; por isso
eu vos disse que Ele há-de receber do que é meu para vo-lo
anunciar». 79 Provindo
do Pai, o Espírito Santo é enviado de junto do Pai. 80 O
Espírito Santo foi enviado, primeiro,
como dom para o Filho que
se fez homem, para se cumprirem as profecias messiânicas. Depois
da «partida»de Cristo, do Filho, segundo o texto joanino,
o Espírito Santo «virá»
directamente —
é a sua nova missão — para consumar a obra do Filho. Deste
modo, será Ele quem levará à realização plena a nova era da
história da salvação.
23.
Encontramo-nos no limiar dos acontecimentos pascais. Vai
completar-se a nova e definitiva revelação do Espírito Santo
como Pessoa que é o Dom, precisamente neste momento. Os eventos
pascais — a
paixão, a morte e a ressurreição de Cristo — são também o tempo
da nova vinda do
Espírito Santo, como Paráclito e Espírito da verdade. Eles
constituem o tempo do «novo princípio» da comunicação de Si
mesmo da parte de Deus uno e trino à humanidade, no Espírito
Santo por obra de Cristo Redentor. Este novo princípio é a
Redenção do mundo: «Com efeito, Deus amou de tal modo o
mundo que lhe deu o Seu Filho unigénito». 81 Ao
«dar» o Filho, no
dom do Filho, já se exprime a essência mais profunda de
Deus, o qual, sendo Amor, é a fonte inexaurível da dádiva.
No dom concedido
pelo Filho completam-se
a revelação e a dádiva do Amor eterno: o
Espírito Santo, que nas profundezas imperscrutáveis da
divindade é uma Pessoa-Dom, por obra do Filho, isto é,
mediante o mistério pascal de Cristo, é dado de uma maneira
nova aos Apóstolos e à Igreja e, por intermédio deles, à
humanidade e ao mundo inteiro.
24. A
expressão definitiva deste mistério dá-se no dia
da Ressurreição. Neste dia, Jesus de Nazaré, «nascido da
descendência de David segundo a carne» — como escreve o
apóstolo São Paulo — é «constituído Filho de Deus com todo o
poder, segundo o Espírito de santificação, mediante a
ressurreição dos mortos». 82 Pode
dizer-se, assim, que a «elevação» messiânica de Cristo no
Espírito Santo atingiu o seu auge na Ressurreição, quando
ele se revelou como Filho
de Deus, «cheio de poder». E este poder, cujas fontes
jorram da imperscrutável comunhão trinitária, manifesta-se,
antes de mais nada, pelo duplo feito de Cristo Ressuscitado:
realizar, por um lado, a promessa de Deus já expressa pela
boca do Profeta: «Dar-vos-ei um coração novo ... porei
dentro de vós um espírito novo, o meu espírito»; 83 e
cumprir, por outro lado, a sua própria promessa, feita aos
Apóstolos com estas palavras: «Quando eu for, vo-lo
enviarei». 84 É
Ele: o Espírito da verdade, o Paráclito enviado por Cristo
Ressuscitado para nos transformar e fazer de nós a sua
própria imagem de Ressuscitado. 85
Sucedeu que «na tarde desse dia, que era o primeiro da
semana, depois do sábado, estando fechadas as portas do
lugar onde se encontravam os discípulos, por medo dos
judeus, veio Jesus, colocou-se no meio deles e disse-lhes:
"A paz seja convosco". Dito isto, mostrou-lhes as mãos e o
lado. E os discípulos ficaram cheios de alegria ao verem o
Senhor. Jesus disse-lhes de novo: "A paz seja convosco!
Assim como o Pai me enviou, também eu vos envio a vós". Dito
isso, soprou sobre eles e disse-lhes: "
Recebei o Espírito Santo"». 86
Todos
os pormenores deste texto-chave do Evangelho
de São João têm
o seu significado, especialmente se os relermos em conexão
com as palavras pronunciadas por Cristo no mesmo Cenáculo,
no início dos acontecimentos pascais. Estes eventos — o triduum
sacrum de
Jesus, que o «Pai consagrou com a unção e enviou ao mundo» —
tiveram a sua consumação. Cristo, que «tinha entregado o
espírito» sobre
a Cruz, 87 como
Filho do homem e Cordeiro de Deus, uma vez ressuscitado, vai
ter com os Apóstolos para «soprar sobre eles» com
aquele poder de que fala a Carta aos Romanos. 88 A
vinda do Senhor enche de alegria os presentes: «A sua
tristeza converte-se em alegria», 89 como
Ele já lhes tinha prometido antes da sua paixão. E sobretudo
verifica-se o anúncio principal do discurso de despedida:
Cristo ressuscitado, como que dando início a uma nova
criação, «traz» aos
Apóstolos o Espírito Santo. Trá-lo à custa da sua
«partida»; dá-lhes o Espírito como que através das feridas
da sua crucifixão: «mostrou-lhes as mãos e o lado». É em
virtude da mesma crucifixão que Ele lhes diz: «Recebei o
Espírito Santo».
Estabelece-se assim uma íntima ligação entre o
envio do Filho e o do Espírito Santo. Não
existe envio do Espírito Santo (depois do pecado original)
sem a Cruz e a Ressurreição: «Se eu não for, não virá a vós
o Consolador». 90 Estabelece-se
também uma
íntima ligação entre a missão do Espírito Santo e a missão
do Filho na
Redenção. Esta missão do Filho, num certo sentido, tem o seu
«cumprimento» na Redenção. A missão do Espírito Santo «vai
haurir» algo da Redenção: «Ele receberá do que é meu para
vo-lo anunciar». 91 A Redenção
é totalmente operada pelo
Filho, como o Ungido, que veio e agiu com o poder do
Espírito Santo, oferecendo-se por fim em sacrifício supremo
no madeiro da Cruz. E esta Redenção, ao mesmo tempo, é constantemente operada nos
corações e nas consciências humanas — na história do mundo —
pelo Espírito Santo, que é o «outro Consolador».
7. O
Espírito Santo e o tempo da Igreja
25.
«Consumada a obra que o Pai tinha confiado ao Filho sobre a
terra» (cf. Jo 17,
4), no dia do
Pentecostes foi enviado o Espírito Santo para santificar
continuamente a Igreja, e, assim, os que viessem a
acreditar tivessem, mediante Cristo, acesso ao Pai num só
Espírito» (cf. Ef 2,
18). Este é o Espírito da vida, a fonte de água que jorra
para a vida eterna (cf. Jo 4,
14; 7, 38-39); é Aquele por meio do qual o Pai dá novamente
a vida aos homens, mortos pelo pecado, até que um dia
ressuscite em Cristo os seus corpos mortais (cf.Rom 8,
10-11)». 92
É
deste modo que o Concílio Vaticano II fala do
nascimento da Igreja no
dia de Pentecostes. Este acontecimento constitui a
manifestação definitiva daquilo que já se tinha realizado no
mesmo Cenáculo no
Domingo da Páscoa. Cristo Ressuscitado veio e foi «portador»
do Espírito Santo para os Apóstolos. Deu-lho dizendo:
«Recebei o Espírito Santo». Isso que aconteceu então no
interior do Cenáculo, «estando as portas fechadas», mais
tarde, no dia do Pentecostes, viria a manifestar-se
publicamente diante dos homens. Abrem-se as portas do
Cenáculo e os Apóstolos dirigem-se aos habitantes e
peregrinos, que tinham vindo a Jerusalém por ocasião da
festa, para dar testemunho de Cristo com o poder do Espírito
Santo. E assim se realiza o anúncio de Jesus: «Ele dará
testemunho de mim: e
também vós dareis
testemunho de mim, porque estivestes comigo desde o
princípio». 93
Num
outro documento do Concílio Vaticano II lemos: «Sem dúvida
que o Espírito Santo estava já a operar no mundo, antes
ainda que Cristo fosse glorificado. Contudo, foi no dia de
Pentecostes que ele desceu sobre os discípulos, para
permanecer com eles eternamente (cf. Jo 14,
16); e a Igreja apareceu publicamente diante da multidão e
teve o seu início a difusão do Evangelho entre os pagãos,
através da pregação».94
O tempo
da Igreja teve
início com a «vinda», isto é, com a descida do Espírito
Santo sobre os Apóstolos, reunidos no Cenáculo de Jerusalém
juntamente com Maria, a Mãe do Senhor. 95 O
tempo da Igreja teve início no momento em que as
promessas e os anúncios, que tão explicitamente se
referiam ao Consolador, ao Espírito da verdade, começaram a
verificar-se sobre os Apóstolos, com potência e com toda a
evidência, determinando assim o nascimento da Igreja. Disto
falam em muitas passagens e amplamente os Actos
dos Apóstolos, dos quais nos resulta que, segundo a
consciência da primitiva comunidade — da qual São Lucas
refere as certezas — o
Espírito Santo assumiu a orientação invisível —
mas de algum modo «perceptível» — daqueles que, depois da
partida do Senhor Jesus, sentiam profundamente o terem
ficado órfãos. Com a vinda do Espírito eles sentiram-se
capazes de cumprir a missão que lhes fora confiada.
Sentiram-se cheios de fortaleza. Foi isto precisamente que o
Espírito Santo operou neles; e é isto que Ele continua a
operar na Igreja, mediante os seus sucessores. Com efeito, a
graça do Espírito Santo, que os Apóstolos, pela imposição
das mãos, transmitiram aos seus colaboradores, continua a
ser transmitida na Ordenação episcopal. Os Bispos, por sua
vez, depois tornam participantes desse dom espiritual os
ministros sagrados, pelo sacramento da Ordem; e providenciam
ainda para que, mediante o sacramento da Confirmação, sejam
fortalecidos com ele todos os que tiverem renascido pela
água e pelo Espírito Santo. E assim se perpetua na Igreja de
certo modo, a graça do Pentecostes.
Como
escreve o Concílio, «o Espírito Santo habita na Igreja e
nos corações dos fiéis como num templo (cf. 1 Cor 3,
16; 6, 19); e neles ora e dá testemunho da sua adopção
filial (cf. Gál 4,
6; Rom8,
15-16. 26). Ele introduz a
Igreja no conhecimento de toda
a verdade (cf. Jo 16,
13), unifica-a na comunhão e no ministério, edifica-a e
dirige-a com os diversos dons hierárquicos e carismáticos e
enriquece-a com os seus frutos (cf. Et 4,
11-12; 1 Cor 12,
4; Gál 5,
22). Faz ainda com que a
Igreja se mantenha sempre
jovem, com a força do Evangelho, renova-a continuamente
e leva-a à
perfeita união com o seu Esposo». 96
26. As
passagens que acabamos de recordar, da Constituição
Conciliar Lumen
Gentium, dizem-nos que, com a vinda do Espírito Santo,
começou o tempo da Igreja. Dizem-nos ainda que este tempo, o
tempo da Igreja, continua. Perdura através
dos séculos e das gerações. No nosso século, neste
período em que a humanidade se tem vindo a aproximar do
termo do segundo Milénio depois de Cristo, este «tempo da
Igreja» teve uma sua particular expressão no Concílio
Vaticano II, como Concílio do nosso século. Sabe-se, com
efeito, que ele foi, de maneira especial, um Concílio
«eclesiológico»: um Concílio
sobre o tema da Igreja. Ao mesmo tempo, porém, o ensino
deste Concílio é essencialmente «pneumatológico»: impregnando
da verdade sobre o Espírito Santo, como alma da Igreja.
Podemos dizer que no seu rico magistério o Concílio Vaticano
II contém praticamente tudo o «que o Espírito diz às
Igrejas» 97 em
função da presente fase da história da salvação.
Seguindo como guia ao Espírito da verdade e dando testemunho
juntamente com Ele, o Concílio ofereceu uma especial
confirmação da presença do Espírito Santo Consolador.
Tornou-o, em certo sentido, novamente «presente» na nossa
época difícil. A luz desta convicção, compreende-se melhor a
grande importância de todas as iniciativas que têm em vista
a actuação do Concílio Vaticano II, do seu magistério e da
sua linha pastoral e ecuménica. É neste sentido que devem
ser bem consideradas e avaliadas as Assembleias
do Sínodo dos Bispos que
se foram sucedendo e que tiveram em vista fazer com que os
frutos da Verdade e do Amor — os frutos autênticos do
Espírito Santo — se tornem um bem duradouro do Povo de Deus
na sua peregrinação terrena ao longo dos séculos. É
indispensável este trabalho da Igreja, visando a avaliação e
a consolidação dos frutos salvíficos do Espírito, doados
generosamente no Concílio. Para alcançar este objectivo é
necessário saber «discerni-los» com atenção de tudo aquilo
que, contrariamente, possa provir sobretudo do «príncipe
deste mundo». 98 Este
discernimento é tanto mais necessário, na realização da obra
do Concílio, quanto é um facto que este se abriu
de modo muito amplo ao mundo contemporâneo, como o
demonstram claramente as importantes Constituições
conciliares Gaudium
et spes e Lumen
gentium.
Lemos,
com efeito, na Constituição pastoral: «Eles (os discípulos
de Cristo) são uma comunidade de homens, congregados em
Cristo e que são guiados pelo Espírito Santo na sua
peregrinação para o Reino do Pai; e são portadores de uma
mensagem de salvação, que devem comunicar a todos. É por
isso que a mesma comunidade dos cristãos se sente real e
intimamente solidária
com o género humano e com a sua história». 99 «A
Igreja sabe muito bem que só Deus, a quem ela serve,
satisfaz os desejos mais profundos do coração humano, o qual
nunca se sacia plenamente só com os bens terrestres». 100 «O
Espírito de Deus... dirige com admirável providencia, o
curso dos tempos e renova a face da terra». 101
SEGUNDA PARTE
O
ESPÍRITO QUE CONVENCE O MUNDO QUANTO AO PECADO
1.
Pecado, justiça e juízo
27.
Quando Jesus, durante o discurso de despedida no Cenáculo,
anuncia a vinda do Espírito Santo «à custa» da própria
partida e promete: «Quando eu for, vo-lo enviarei»,
precisamente nesse contexto, acrescenta: «E Ele, quando
vier, convencerá o mundo quanto ao pecado, quanto à justiça
e quanto ao juízo». 102 O
mesmo Consolador e Espírito da verdade — que fora prometido
como Aquele que «ensinará» e «recordará», como Aquele que
«dará testemunho» e como Aquele que «guiará para toda a
verdade» — é anunciado agora, com as palavras citadas, como
Aquele que «convencerá o mundo quanto ao pecado, quanto à
justiça e quanto ao juízo».
Parece
ser também significativo o contexto.
Jesus relaciona este anúncio do Espírito Santo com as
palavras que indicam a própria «partida», mediante a Cruz, e
que, mais ainda, realçam a necessidade da mesma «partida»:
«É melhor para vós que eu vá; porque, se eu não for, o
Consolador não virá a vós». 103
Mas o
que conta mais é a
explicação que Jesus acrescenta a
estas três palavras: pecado, justiça e juízo. Com efeito,
diz assim: «Ele convencerá o mundo quanto ao pecado, quanto
à justiça e quanto ao juízo. Quanto ao pecado, porque não
crêem em mim; quanto à justiça, porque eu vou para o Pai e
não me vereis mais; e quanto ao juízo, porque o príncipe
deste mundo já está juIgado». 104 No
pensamento de Jesus, o pecado, a justiça e o juízo têm um sentido
bem preciso, diverso daquele que alguém pretendesse,
porventura, atribuir a tais palavras, independentemente da
explicação de Quem fala. Esta explicação indica também como
deve ser entendido aquele «convencer o mundo», que é próprio
da acção do Espírito Santo. Aqui têm importância: quer o
significado de cada palavra, quer o facto de Jesus as ter
unido entre si na mesma frase.
«O
pecado», nesta passagem, significa a incredulidade que
Jesus encontrou no meio dos «seus», a começar pelos próprios
conterrâneos de Nazaré. Significa a rejeição da sua missão,
que levará os homens a condená-lo à morte. Quando fala, em
seguida, da «justiça», Jesus parece ter em mente
aquela justiça definitiva, que o Pai lhe fará, revestindo-o
da glória da ressurreição e da ascensão ao céu: «Vou para o
Pai». No contexto do «pecado» e da «justiça» assim
entendidos, «o juízo» significa, por sua vez, que o
Espírito da verdade demonstrará a culpa do «mundo» na
condenação de Jesus à morte de Cruz. No entanto, Cristo não
veio ao mundo somente para o julgar e condenar: Ele
veio para o salvar. 105 O
convencer quanto ao pecado e quanto à justiça tem como
finalidade a salvação do mundo, a salvação dos homens. É
esta verdade, precisamente, que parece ser acentuada pela
afirmação de que «o juízo» afecta somente o «príncipe
deste mundo», isto é, Satanás, aquele que, desde o
princípio explora a obra da criação contra a salvação,
contra a aliança e a união do homem com Deus: ele «já está
julgado» desde o princípio. Se o Espírito Consolador deve
convencer o mundo, exactamente quanto ao juízo, é para
continuar nele a obra salvífica de Cristo.
28.
Queremos agora concentrar a nossa atenção principalmente
nesta missão do Espírito Santo, qual é a de «convencer o
mundo quanto ao pecado», mas respeitando, ao mesmo
tempo, o contexto geral das palavras de Jesus no Cenáculo. O
Espírito Santo, que assume do Filho a obra da Redenção do
mundo, assume por isso mesmo a função de o «convencer quanto
ao pecado» em ordem à salvação. Este convencer realiza-se em
constante referência à «justiça», isto
é, à salvação definitiva em Deus, à efectivação da economia
que tem como centro Cristo crucificado e glorificado. E esta economia
salvífica de
Deus subtrai, em certo sentido, o homem ao «juízo, isto
é, à condenação, com que foi punido o pecado de Satanás,
«príncipe deste mundo», aquele que, por causa do seu pecado,
se tornou «dominador deste mundo tenebroso». 106 É
assim que, mediante esta referência ao «juízo», se
patenteiam vastos horizontes para a compreensão do «pecado»,
bem como da «justiça». O Espírito Santo, mostrando o pecado na
economia da salvação, tendo como fundo a Cruz de Cristo,
(dir-se-ia «o pecado salvado»), leva também a compreender
como a sua missão é a de «convencer» mesmo quanto ao pecado
que já foi definitivamente julgado («o pecado condenado»).
29.
Todas as palavras pronunciadas pelo Redentor no Cenáculo,
nas vésperas da sua Paixão, se
inscrevem no tempo da Igreja. Em primeiro lugar, as
palavras que se referem ao Espírito Santo, como Paráclito e
Espírito da verdade: elas inscrevem-se, de um modo sempre
novo, em cada geração e em cada época. Isto é confirmado,
quanto ao nosso século, pelo conjunto dos ensinamentos do
Concílio Vaticano II, especialmente na Constituição
pastoral «Gaudium et spes». Muitas passagens deste
documento indicam claramente que o Concílio, abrindo-se à
luz do Espírito da verdade, se apresenta como o depositário
autêntico dos
anúncios e das promessas feitas por Cristo aos Apóstolos e à
Igreja no discurso da despedida; de modo particular, daquele
anúncio segundo o qual o Espírito Santo deve «convencer o
mundo quanto ao pecado, quanto à justiça e quanto ao juízo».
Isto é
indicado já no texto em que o mesmo
Concílio explica como entende o «mundo»: ele «tem diante
dos olhos o mundo dos homens, ou seja, a inteira familia
humana, no contexto de todas aquelas realidades no meio das
quais ela vive; o mundo que é teatro da história do género
humano, marcado pelos esforços do homem, pelas suas derrotas
e pelas suas vitórias; o mundo que os cristãos acreditam ser
criado e conservado pelo amor do Criador; mundo caído, sem
dúvida, sob a escravidão do pecado, mas libertado
por Cristo crucificado
e ressuscitado, com a derrota do Maligno, a fim de ser
transformado e poder alcançar, segundo os desígnios de Deus,
a própria realização». 107 Em
conexão com este texto, muito sintético, é necessário ler na
mesma Constituição as outras passagens em que se procura
mostrar, com
todo o realismo da fé, a situação do pecado no mundo
contemporâneo e também explicar a sua essência, partindo de
diversos pontos de vista.108
Quando
Jesus, nas vésperas da Páscoa, fala do Espírito Santo como
d'Aquele que «convencerá o mundo quanto ao pecado», por um
lado, deve dar-se a esta sua afirmação o alcance
mais vasto possível, uma vez que ela abrange todo o
conjunto dos pecados na história da humanidade; mas, por
outro lado, quando Jesus explica que este pecado consiste no
facto de que «não crêem» n'Ele, tal alcance parece limitar-se àqueles
que rejeitaram a sua missão messiânica de Filho do homem,
condenando-o à morte de Cruz. Entretanto, é difícil deixar
de notar como este alcance, mais «reduzido» e circunscrito
historicamente do significado do pecado, se alarga até
assumir uma amplidão universal, em
virtude da universalidade da
obra da Redenção que
se realizou por meio da Cruz. A revelação do mistério da
Redenção abre os caminhos para uma compreensão assim, na
qual todos os
pecados que
se cometeram, em qualquer lugar e em qualquer momento, são
referidos à Cruz de Cristo, incluindo indirectamente,
portanto, também o pecado dos que «não acreditaram n'Ele»,
condenando o mesmo Jesus Cristo à morte de Cruz.
É a
partir deste indispensável ponto de vista que nos importa
voltar agora ao acontecimento do Pentecostes.
2. O
testemunho do dia de Pentecostes
30. No
dia de Pentecostes, teve a sua mais exacta e directa confirmação
aquilo que fora anunciado por Cristo no
discurso da despedida; em particular, o anúncio de
que estamos a tratar «O Consolador ... convencerá o mundo
quanto ao pecado». Nesse dia, sobre os Apóstolos congregados
no mesmo Cenáculo em oração, juntamente com Maria, Mãe de
Jesus, desceu
o Espírito Santo prometido, como lemos nos Actos
dos Apóstolos: «Todos ficaram cheios de Espírito Santo e
começaram a falar em outras línguas, segundo o Espírito lhes
concedia que se exprimissem» 109 «reconduzindo
desse modo à unidade as raças dispersas e oferecendo ao Pai
as primícias de todas as nações». 110
Aparece clara, aqui, a relação entre o anúncio feito por
Cristo e este acontecimento. Entrevemos nele o primeiro e
fundamental cumprimento da promessa do Paráclito. Este,
enviado pelo Pai, vem «depois» da partida de Cristo, «à
custa» da
mesma. Trata-se de uma partida, primeiro, mediante a morte
de Cruz; e depois, passados quarenta dias após a
ressurreição, mediante a ascenção ao Céu. Nesse momento da
ascensão, Jesus deu ainda aos Apóstolos ordem «de não se
afastarem de Jerusalém, mas de esperarem lá a realização da
promessa do Pai»; «sereis baptizados no Espírito Santo,
dentro de não muitos dias»; «recebereis uma força do
Espírito Santo, que descerá sobre vós, e sereis minhas
testemunhas em Jerusalém, por toda a Judeia e Samaria, e até
aos confins da terra».111
Estas
últimas palavras condensam um eco, ou uma recordação, do
anúncio feito no Cenáculo. E no dia de Pentecostes esse
anúncio realiza-se com toda a exactidão. Agindo sob o
influxo do Espírito Santo, recebido pelos Apóstolos quando
estavam em oração no Cenáculo, São
Pedro apresenta-se e fala diante
de uma multidão de pessoas de diferentes línguas, reunidas
para a festa. Proclama aquilo que, de certeza, não
teria tido a coragem de dizer anteriormente: «Homens de
Israel,... Jesus de Nazaré — homem acreditado por Deus junto
de vós, com milagres, prodígios e sinais, que Deus realizou
no meio de vós por seu intermédio... depois de vos ser
entregue, segundo o desígnio determinado e a presciência de
Deus, vós o pregastes na
Cruz, por mão de ímpios e o matastes. Mas Deus
ressuscitou-o, libertando-o das angústias da morte, pois não
era possível que Ele ficasse sob o seu domínio». 112
Jesus
tinha predito e prometido: «Ele (o Espírito Santo)... dará
testemunho de mim. E vós também dareis testemunho de mim».
No primeiro discurso de São Pedro em Jerusalém, de forma bem
claratem o seu início esse
testemunho: o testemunho a respeito de Cristo, crucificado e
ressuscitado. O testemunho do Espírito Paráclito e dos
Apóstolos. E no próprio conteúdo desse primeiro testemunho,
o Espírito da verdade, pela boca de São Pedro, «convence
o mundo quanto ao pecado»: convence-o, antes de mais,
quanto àquele pecado que é a rejeição de Cristo, até à sua
condenação à morte, até à Cruz no Gólgota. Repetir-se-ão as
proclamações de conteúdo análogo, segundo o texto dos Actos
dos Apóstolos, noutras ocasiões e em diversos lugares. 113
31. A
partir deste primeiro testemunho do Pentecostes, a acção do
Espírito da verdade, que «convence o mundo quanto ao pecado»
da rejeição de Cristo, anda
ligada de
modo orgânico com o testemunho
que deve ser dado do
mistério pascal: do
mistério do Crucificado e do Ressuscitado. E nesta
conexão o mesmo «convencer quanto ao pecado» revela a
própria dimensão salvífica. Trata-se, de facto, de um
«convencimento» que tem como finalidade não a mera
acusação do mundo nem, menos ainda, apenas a sua condenação;
Jesus Cristo veio ao mundo não para o julgar e condenar, mas
sim para o
salvar. 114 Isto
é bem salientado já neste primeiro discurso, quando São
Pedro exclama: «Saiba toda a casa de Israel, com absoluta
certeza, que Deus constituiu como Senhor e Messias, esse
Jesus que vós crucificastes». 115 E,
em seguida, quando as pessoas presentes perguntaram a São
Pedro e aos Apóstolos: «que havemos de fazer, irmãos?», o
mesmo São Pedro respondeu-lhes: «Convertei-vos e
peça cada um o Baptismo em nome de Jesus Cristo,para a
remissão dos seus pecados; recebereis, então, o dom do
Espírito Santo». 116
Deste
modo, o «convencer quanto ao
pecado» torna-se conjuntamente um convencer quanto à
remissão dos pecados, pelo poder do Espírito Santo. São
Pedro, no seu discurso em Jerusalém, exorta à conversão,
como Jesus exortava os seus ouvintes no início da sua
actividade messiânica. 117
A conversão exige a convicção
do pecado e
contém em si o juízo interior da consciência; e este, sendo
uma comprovação da acção do Espírito da verdade no íntimo do
homem, torna-se ao mesmo tempo o novo princípio da generosa
dádiva da graça e do Amor: «Recebei o Espírito Santo». 118
Assim, neste «convencer quanto ao pecado», descobrimos uma
dupla dádiva: o dom da verdade da consciência, com o dom da
certeza da redenção. O Espírito da Verdade é o Consolador.
O
convencer quanto ao pecado, mediante o ministério do anúncio
apostólico na Igreja nascente, é referido —
sob o impulso do Espírito derramado no Pentecostes — ao poder
redentor de
Cristo crucificado e ressuscitado. Assim se verifica a
promessa relativa ao Espírito Santo, feita antes da Páscoa:
«Ele receberá do que é meu, para vo-lo anunciar». Por
conseguinte, durante o evento do Pentecostes, quando São
Pedro fala do
pecado daqueles que «não acreditaram» 119 e
entregaram a uma morte ignominiosa Jesus de Nazaré, ele dá
testemunho da vitória sobre o pecado; uma vitória que se
consumou, em certo sentido, mediante o maior pecado que o
homem podia cometer: a
morte de Jesus, Filho de Deus, consubstancial ao Pai! De
modo análogo, pois, como a morte do Filho de Deus vence a
morte humana: «Ero mors tua, o mors» [ó morte, eu hei-de ser
a tua morte], 120assim
o pecado de ter crucificado o Filho
de Deus «vence» o pecado humano! Vence
aquele pecado que se consumou em Jerusalém, na Sexta-feira
Santa, como também cada pecado do homem. Com efeito, ao
maior pecado da parte do homem corresponde, no coração do
Redentor, aoblação do supremo amor, que supera o mal
de todos os pecados dos homens. Com base nesta certeza, a
Igreja, na Liturgia romana, não hesita em repetir todos os
anos, durante a Vigília pascal,«O felix culpa!» [Ó
ditosa culpa!], no anúncio da Ressurreição que o diácono faz
com o canto do «Exultet».
32.
Ninguém pode,
todavia, «convencer o mundo», o
homem e a consciência humana quanto a esta verdade inefável a
não ser Ele mesmo, o Espírito da Verdade. Ele é o
Espírito, que «perscruta as profundezas de Deus». 121 Diante
do mistério do pecado, é preciso perscrutar «as profundezas
de Deus» até
onde for possível. Não basta perscrutar a consciência
humana, como mistério íntimo do homem; mas é imprescindível
penetrar no mistério íntimo de Deus, naquelas «profundezas
de Deus» que se resumem na síntese: «ao Pai — no Filho —
por meio do Espírito Santo». É exactamente o Espírito
Santo que as «perscruta»; e a elas vai buscar a resposta
de Deus ao
pecado do homem. Com essa resposta encerra-se o processo de
«convencer quanto ao pecado», como o acontecimento do
Pentecostes põe em evidência.
Convencendo o «mundo» do pecado do Gólgota, da morte do
Cordeiro inocente, como aconteceu no dia do Pentecostes, o
Espírito Santo convence também de todos os pecados cometidos
em qualquer lugar e em qualquer momento na história do
homem: Ele, com efeito, fez
ver a sua conexão com a Cruz de Cristo. O «convencer» é
a demonstração do mal do pecado, de qualquer pecado, em
relação com a Cruz de Cristo. O pecado, quando mostrado com
esta relação, é
reconhecido em toda dimensão do mal que
lhe é própria, como «mysterium iniquitatis» [o
mistério da iniquidade] 122 que
em si mesmo contém e esconde. O homem não conhece esta
dimensão — não a pode conhecer absolutamente, separando-a da
Cruz de Cristo. Por isso, não pode ser «convencido» quanto a
ela se não
pelo Espírito Santo: Espírito da verdade, mas também
Consolador.
O
pecado, de facto, mostrado em relação com a Cruz de Cristo,
é identificado
simultaneamente na plena dimensão do «mysterium pietatis» [mistério
da piedade], 123 como
foi indicado na Exortação Apostólica pós-sinodal Reconciliatio
et Paenitentia. 124 O
homem também não conhece, de maneira nenhuma, esta dimensão
do pecado fora da Cruz de Cristo. E também não pode ser dela
«convencido» se não pelo
Espírito Santo: por Aquele que «perscruta as profundezas
de Deus».
3. O
testemunho do princípio: a realidade original do pecado
33. A
dimensão do pecado a que acabamos de aludir é a mesma que
encontramos no testemunho do «princípio» anotado no Livro
do Génesis: 125 no
pecado que, segundo a Palavra de Deus revelada, constitui o princípio
e a raiz de todos os outros. Encontramos-nos perante a
realidade original do pecado na história do homem, ao mesmo
tempo que na globalidade da economia da salvação. Pode
dizer-se que nesse pecado tem início o «mistério da
iniquidade»; mas que o mesmo é também o pecado em
relação ao qual o poder redentor do «mistério da piedade»
se torna particularmente transparente e eficaz. É o que
exprime São Paulo, quando contrapõe
à «desobediência»
do primeiro Adão a «obediência» de Cristo, o segundo
Adão: «a obediência até à morte». 126
Atendo-nos ao testemunho do princípio, o pecado na sua
realidade original verifica-se na vontade — e na consciência
— do homem, primeiro que tudo como «desobediência»; isto é,
como oposição da vontade do homem à vontade de Deus. Esta
desobediência original pressupõe a
rejeição ou,
pelo menos, o
afastamento da verdade contida na Palavra de Deus, que
cria o mundo. Esta Palavra é o próprio Verbo, que estava «no
princípio junto de Deus», que «era Deus» e sem o qual «coisa
alguma foi feita de tudo o que existe», porque o «mundo foi
feito por meio d'Ele». 127 É
o Verbo, que é também Lei eterna, fonte de toda a lei, que
regula o mundo e especialmente os actos humanos. Portanto,
quando Jesus Cristo, na véspera da sua Paixão, fala do
pecado daqueles que «não acreditam n'Ele», nestas
suas palavras, repassadas de sofrimento, há como
que uma alusão longínqua àquele pecado que,
na sua forma original, se inscreve obscuramente no próprio
mistério da criação. Aquele que fala é, de facto, não só o
Filho do homem, mas também Aquele que é «o Primogénito de
toda a criatura», «porque n'Ele foram criadas todas as
coisas: ... criadas por Ele, para Ele estão orientadas todas
as coisas». 128 À
luz desta verdade, compreende-se que a «desobediência», no
mistério do princípio, pressupõe, em certo sentido, a mesma
«não-fé», aquele mesmo «não acreditaram», que se
repetirá em relação ao mistério pascal. Como dizíamos,
trata-se da rejeição ou, pelo menos, do afastamento da
verdade contida na Palavra do Pai. Esta rejeição exprime-se,
na prática, como «desobediência», por um acto realizado como
efeito da tentação, que provém do «pai da mentira». 129 Na
raiz do pecado humano está, portanto, a mentira como radicalrejeição
da verdade contida
no Verbo do Pai, mediante o qual se exprime a omnipotência
amorosa do Criador: a omnipotencia e conjuntamente o amor
«de Deus Pai, Criador do céu e da terra».
34. «O
Espírito de Deus», que segundo a descrição bíblica da
criação, «adejava sobre as águas»,130 indica
o mesmo «Espírito que perscruta as profundezas de Deus»: perscruta
as profundezas do Pai e do Verbo-Filho no
mistério da criação. Não é somente a testemunha directa do
seu recíproco amor, do qual deriva a criação, mas Ele
próprio é esse Amor. Ele mesmo, como Amor, é o eterno Dom
incriado. N'Ele está a
fonte e o início de toda a boa dádiva para as criaturas.
O testemunho do princípio, que encontramos em toda a
Revelação, começando pelo Livro
do Génesis, é unânime quanto a este ponto. Criar quer
dizer chamar do nada à existência; portanto, criar quer
dizer doar a
existência. E se o mundo visível foi criado para o homem, é
ao homem, portanto, que o mundo é doado. 131 E,
simultaneamente, o mesmo homem recebe na sua própria
humanidade, como dom, uma especial «imagem e semelhança»
de Deus. Isto significa estar dotado não só de racionalidade
e liberdade, como propriedade constitutiva da natureza
humana, mas também de capacidade, desde o princípio, para
uma relação
pessoal com
Deus, como «eu» e «tu» e, por conseguinte, capacidade
de aliança, que se verificará com a comunicação
salvífica de Deus ao homem. Com este pano de fundo da
«imagem e semelhança de Deus», «o dom do Espírito»
significa, afinal, chamamento
à amizade, na qual as transcendentes «profundezas de
Deus», são abertas, de algum modo, à participação por parte
do homem. O Concílio Vaticano II ensina: «Deus invisível
(cf. Col 1,
15; 1Tim 1,
17), na riqueza do seu amor, fala aos homens como a amigos
(cf. Ex 33,
11; Jo 15,
14-15) e conversa com eles (cf. Bar 3,
38), para os convidar e os admitir à comunhão com Ele». 132
35.
Por conseguinte, o Espírito, que «perscruta todas as coisas,
até mesmo as profundezas de Deus», conhece desde o princípio
«os segredos do homem». 133 Exactamente
por isto, só
Ele pode plenamente «convencer quanto ao pecado» que se
verificou no princípio, aquele pecado que é raiz de
todos os outros e o foco de irradiação da pecaminosidade do
homem na terra, que jamais se extingue. O Espírito da
verdade conhece a realidade originária do pecado, causado na
vontade do homem por obra do «pai da mentira» — daquele que
já «está julgado». 134 O
Espírito Santo convence, pois, o mundo quanto ao pecado em
relação com este «juízo»; mas constantemente orientando
no sentido da «justiça», que
foi revelada ao homem juntamente com a Cruz de Cristo:
mediante a «obediência até à morte». 135
Somente o Espírito Santo pode convencer do pecado dos
primórdios do ser humano, exactamente Ele que é o Amor do
Pai e do Filho, Ele que é Dom, enquanto o
pecado do princípio humano consiste na mentira e na recusa
do Dom e do Amor, os quais decidem do princípio do mundo
e do homem.
36.
Segundo o testemunho do princípio — que encontramos na
Escritura e na Tradição, em continuidade com a primeira (e
também mais completa) descrição no Livro
do Génesis —
o pecado na sua forma originária é entendido como
«desobediência», o que significa simples e directamente
transgressão de uma proibição feita por Deus. 136 Mas,
à luz de todo o contexto, é também evidente que as raízes
desta desobediência devem ser procuradas em profundidade na
real situação do homem, globalmente considerada. Chamado à
existência, o ser humano — homem e mulher — é uma criatura.
A «imagem de Deus», que consiste na racionalidade e na
liberdade, denota a grandeza e a dignidade do sujeito
humano, que é pessoa. Mas este sujeito
pessoal, não obstante isso, é sempre uma
criatura: na sua existência e essência depende do
Criador. Segundo o Livro
do Génesis, «a árvore do conhecimento do bem e do mal»
devia exprimir e lembrar constantemente ao homem o «limite»
intransponível para um ser criado. É neste sentido que deve
ser entendida a proibição da parte de Deus: o Criador proíbe
ao homem e à mulher comerem os frutos da árvore do
conhecimento do bem e do mal. As palavras da instigação, ou
seja da tentação, como está formulada no texto sagrado,
induzem a transgredir essa proibição — isto é, a superar o
«limite»: «Quando o comerdes, abrir-se-ão os vossos olhos e
tornar-vos-eis como Deus ("como deuses"), conhecendo o bem e
o mal». 137
A
«desobediência» significa precisamente «passar além» daquele
«limite», que permanece intransponível para a vontade
e liberdade do homem, como ser criado. O Deus Criador é, de
facto, a única e definitiva fonte da ordem moral no mundo
por Ele criado. O homem não pode por si mesmo decidir o que
é bom e o que é mau — não pode «conhecer o bem e o mal, como
Deus». Sim, no mundo criado, Deus permanece
a primeira e soberana fonte para decidir
sobre o bem e o mal, mediante a íntima verdade do ser, a
qual é reflexo do
Verbo, eterno Filho, consubstancial ao Pai. Ao homem,
criado à imagem de Deus, o Espírito Santo concede como dom a consciência,
a fim de que nela a imagem possa reflectir fielmente o seu
modelo, que é, a um tempo, a própria Sabedoria e a Lei
eterna, fonte da ordem moral no homem e no mundo. A
«desobediência», como dimensão originária do pecado,
significa recusa
desta fonte, pela pretensão da parte do homem de se
tornar fonte autónoma e exclusiva para decidir sobre o bem e
o mal. O Espírito que «perscruta as profundezas de Deus» e
que, ao mesmo tempo, é para o homem a luz da consciência e a
fonte da ordem moral, conhece em toda a sua amplitude esta
dimensão do pecado, que se inscreve no mistério do princípio
humano. E não cessa de «convencer
o mundo» disso mesmo em
relação com a Cruz de Cristo no Gólgota.
37.
Segundo o testemunho do princípio, Deus na criação
revelou-se a si mesmo como omnipotência, que é Amor.
Simultaneamente, revelou ao homem que, como «imagem e
semelhança» do seu Criador, ele é chamado
a participar na verdade e no amor. Esta participação
significa uma vida em união com Deus, que é a «vida eterna». 138 Mas
o homem, sob a influência do «pai da mentira» afastou-se
desta participação. Em que medida? Não, certamente, na
medida do pecado de um espírito puro, na medida do pecado de
Satanás. O espírito humano é incapaz de atingir uma tal
medida. 139 Na
própria descrição do Génesis,
é fácil notar a diferença de grau entre
o sopro do mal por parte daquele que é pecador (ou seja,
permanece no pecado) «desde o princípio» 140 e
que já «está julgado», 141 e
o mal da desobediência da parte do homem.
Esta
desobediência, todavia, significa sempre um
voltar as costas a Deus e,
num certo sentido, o fechar-se da
liberdade humana em relação a Ele. Significa também certa
abertura desta liberdade — da consciência e da vontade
humanas — para com aquele que é o «pai da mentira». Este
acto de opção consciente não é só «desobediência», mas traz
consigo também uma certa
adesão à motivação contida
na primeira instigação ao pecado e incessantemente renovada
ao longo de toda a história do homem sobre a face da terra:
«Deus sabe que no dia, em que o comerdes, abrir-se-ão os
vossos olhos e vos tornareis como Deus, conhecendo o bem e o
mal».
Encontramo-nos aqui exactamente no centro do que poderia
chamar-se o «anti-Verbo», isto é, «a antiverdade». Com
efeito, é falseada
a verdade do homem: de quem é o homem e de
quais são os limites intransponíveis do
seu ser e da sua liberdade. Esta «antiverdade» é possível
porque é ao mesmo tempo «falseada» completamente a
verdade sobre quem é Deus. Deus criador passa a ser
colocado em estado de suspeição, ou, melhor dito, em estado
de acusação directamente, na consciência da criatura. Pela
primeira vez na história do homem, aparece o perverso «génio
da suspeição». Ele procura «falsear»
o próprio Bem, o Bem absoluto, que
exactamente na obra da criação se manifestou como o Bem que
se doa de modo inéfavel: como «bonum
diffusivum sui»,como Amor
criador. Quem poderia «convercer» plenamente «do
pecado» isto é, dessa motivação da desobediência originária
do homem, se não Aquele único que é o Dom e a fonte de toda
a dádiva, se não o Espírito, que «perscruta as profundezas
de Deus» e é o Amor do Pai e do Filho?
38.
Realmente, apesar de tudo o que testemunha a criação e a
economia salvífica a ela inerente, o espírito das trevas 142 é
capaz de mostrar Deus
como inimigo da
própria criatura; e, primeiro que tudo, como inimigo do
homem, como fonte
de perigo e de ameaça para o homem. Deste modo, é
enxertado por Satanás na psicologia do homem o gérmen da
oposição relativamente Aquele que, «desde o princípio»,
há-de ser considerado como inimigo do homem — e não como
Pai. O homem é desafiado para se tornar adversário de Deus!
A
análise do pecado na sua dimensão originária indica que, da
parte do «pai da mentira», ao longo da história da
humanidade irá
dar-se uma constante pressão para a rejeição de Deus por
parte do homem, até ao ódio: «amor sui usque ad
contemptum Dei» [amor de si mesmo até ao desprezo de Deus]
como se exprime Santo Agostinho. 143 O
homem será propenso a ver em Deus, antes de mais nada, uma
limitação para si próprio e não a fonte da sua libertação e
a plenitude do bem. Vemos isto confirmado na época moderna,
quando as ideologias ateias tendem a desarraigar
a religião, baseando-se no pressuposto de que ela
determinaria a «alienação» radical do homem,
como se este fosse expropriado da sua humanidade quando, ao
aceitar a ideia de Deus, lhe atribui a Ele aquilo que
pertence ao homem e exclusivamente ao homem! Daqui nasce um
processo de pensamento e de práxis histórico-sociológica, em
que a rejeição de Deus chegou até à declaração da sua
«morte», o que é um absurdo: conceitual e verbal! Mas a
ideologia da «morte de Deus» ameaça sobretudo o homem,
como indica o Concílio Vaticano II, quando, ao analisar a
questão da «autonomia das coisas temporais», escreve: «A
criatura sem o Criador perde o sentido... Mais ainda, o
esquecimento de Deus faz com que a própria criatura se
obscureça». 144 A
ideologia da «morte de Deus», pelos seus efeitos, facilmente
demonstra ser, tanto no plano da teoria como no de prática,
a ideologia da «morte do homem».
4. O
Espírito que transforma o sofrimento em amor salvífico
39. «O
Espírito, que perscruta as profundezas de Deus», foi chamado
por Jesus, no discurso do Cenáculo, o Paráclito.
Ele, de facto, desde
o princípio «é invocado» 145 para
«convencer o mundo quanto ao pecado».É invocado, de modo
definitivo, por meio da Cruz de Cristo. Convencer do pecado
quer dizer demonstrar o mal nele contido. Isto equivale a
desvendar o «mysterium iniquitatis» [mistério da
iniquidade]. Não é possível atingir o mal do pecado em toda
a sua dolorosa realidade sem «perscrutar as profundezas de
Deus». O obscuro mistério do pecado apareceu no mundo, desde
o princípio, no quadro da referência ao Criador da liberdade
humana. E apareceu como um acto da vontade da criatura-homem contrário à vontade
de Deus: contrário a vontade salvífica de Deus; ou
melhor, manifestou-se em oposição à verdade, com base na
mentira já definitivamente «julgada» — mentira que colocou
em estado de acusação, em estado de permanente suspeição o
próprio Amor criador e salvífico. O homem seguiu o «pai da
mentira», pondo-se contra o Pai da vida e o Espírito da
verdade.
O
«convencer quanto ao pecado», portanto, não deveria
significar também revelar
o sofrimento, revelar a dor, inconcebível e
inexprimível, que, por causa do pecado, o Livro Sagrado, na
sua visão antropomórfica, parece entrever nas «profundezas
de Deus» e, em certo sentido, no próprio coração da inefável
Trindade? A Igreja, inspirando-se na Revelação, crê e
professa que o pecado
é of ensa a Deus. O que é que, na imperscrutável
intimidade do Pai, do Verbo e do Espírito Santo, corresponde
a esta «ofensa», a esta recusa do Espírito que é Amor e Dom?
A concepção de Deus, como ser necessariamente perfeitíssimo,
exclui, por certo, em Deus, qualquer espécie de sofrimento,
derivante de carências ou feridas; mas nas «profundezas de
Deus» há um amor de Pai que, diante do pecado do homem,
reage, segundo a linguagem bíblica, até ao ponto de dizer:
«Estou arrependido de ter criado o homem». 146 «o
Senhor viu que a maldade dos homens era grande sobre a terra ...
E o Senhor arrependeu-se de ter criado o homem sobre a terra
... O Senhor
disse: "Estou
arrependido de os ter feito"». 147 Mas
o Livro Sagrado, mais frequentemente, fala-nos de um Pai que
experimenta compaixão pelo homem, como que compartilhando a
sua dor. Esta imperscrutável e indizível «dor»
de Pai, em definitivo, gerará sobretudo
a admirável economia
do amor redentorem Jesus Cristo, para que, através do «mistério
da piedade», o
amor possa revelar-se mais forte do que o pecado, na
história do homem. Para que prevaleça o«Dom»!
O
Espírito Santo, que, segundo as palavras de Jesus, «convence
quanto ao pecado», é o Amor do Pai e do Filho; e, como tal,
é o Dom trinitário e, simultaneamente, a eterna fonte de
toda a dádiva divina às criaturas. N'Ele, precisamente, nós
podemos conceber como que personificada e actuada de uma
maneira transcendente a virtude da misericórdia, que a
tradição patrística e teológica, na linha do Antigo e do
Novo Testamento, atribui a Deus. No homem, a misericórdia
inclui a dor e a compaixão pelas misérias do próximo. Em
Deus, o Espírito que é Amor faz com que a consideração do
pecado humano se traduza em novas dádivas do amor salvífico.
D'Ele, na unidade com o Pai e o Filho, nasce a economia da
salvação, que enche a história do homem com os dons da
Redenção. Se o pecado, rejeitando o amor, gerou o
«sofrimento» do homem que, de algum modo, se estendeu a toda
a criação, 148 o Espírito
Santo entrará
no sofrimento humano e cósmico com uma nova efusão de amor,
que redimirá o mundo. E nos lábios de Jesus Redentor, em
cuja humanidade se concretiza o «sofrimento de Deus»,
ressoará com frequência uma palavra em que se manifesta o
Amor eterno e cheio de misericórdia: «Misereor» (tenho
compaixão). 149 Assim,
«o convencer quanto ao pecado», por parte do Espírito Santo,
torna-se um manifestar diante da criação «submetida à
caducidade» e, sobretudo, no mais íntimo das conciências
humanas, que o pecado
é vencido pelo sacrifício do Cordeiro de Deus: este
tornou-se «até à morte» o servo
obediente que,
reparando adesobediência do homem, opera a redenção
do mundo. É deste modo, que o Espírito da verdade, o
Paráclito, «convence quanto ao pecado».
40. O
valor redentor do sacrifício de Cristo é expresso com
palavras muito significativas pelo autor da Epístola
aos Hebreus, o
qual, depois de ter recordado os sacrifícios da Antiga
Aliança, em que «o sangue dos cordeiros e dos touros ...
santifica quanto à pureza da carne», acrescenta: «Quanto
mais o sangue de Cristo, em
virtude de um Espírito eterno se ofereceu a si mesmo sem
mácula a Deus, purificará a nossa consciência das obras
mortas, para servir o Deus vivo!». 150 Embora
conscientes de que outras interpretações são possíveis, as
nossas considerações sobre a presença do Espírito Santo em
toda a vida de Cristo levam-nos a reconhecer neste texto
como que um convite a reflectir sobre a presença do mesmo
Espírito também no sacrifício redentor do Verbo Incarnado.
Reflictamos primeiro sobre as palavras iniciais que tratam
deste sacrifício; depois, separadamente, sobre a
«purificação da consciência» que ele opera. Trata-se de
facto, de um sacrifício oferecido «em virtude de» (=por
obra de) um Espírito eterno», que dele «recebe» a força
do «convencer quanto ao pecado» em ordem à salvação. É o
mesmo Espírito Santo de que Jesus
Cristo será
«portador» para os Apóstolos no dia da sua ressurreição,
segundo a promesa do Cenáculo, apresentando-se a eles com as
feridas da crucifixão, e que lhes «dará»
«para a remissão dos pecados»: «Recebei
o Espírito Santo. Aqueles a quem perdoardes os pecados,
ser-lhes-ão perdoados». 151
Nós
sabemos que «Deus ungiu com o Espírito Santo e com o poder a
Jesus de Nazaré», como dizia Simão Pedro em casa do
centurião Cornélio. 152 Conhecemos
o mistério pascal da sua «partida», segundo o Evangelho
de São João. As palavras da Epístola
aos Hebreus explicam-nos,
agora, de que maneira Cristo «se ofereceu a si mesmo sem
mácula a Deus», e como fez isto «em virtude de um Espírito
eterno». No sacrifício do Filho do homem, o Espírito Santo
está presente e age tal como agia na sua concepção, na sua
vinda ao mundo, na sua vida oculta e no seu ministério
público. Segundo a Epístola
aos Hebreus, na caminhada para a sua «partida», através
do Getsémani e do Gólgota, o próprio Jesus
Cristo se abriu totalmente na
sua humanidade à acção
do Espírito-Paráclito que,
do sofrimento, faz emergir o eterno amor salvífico. Ele,
portanto, foi «atendido pela sua piedade. Apesar de ser
Filho de Deus, aprendeu a obedecer pelos sofrimentos
suportados». 153
Deste modo, a Epístola demonstra
como a humanidade,
submetida ao pecado nos
descendentes do primeiro Adão, se tornou em Jesus Cristo perfeitamente
submetida a Deus e
a ele unida, e, ao mesmo tempo, cheia de misericórdia para
com os homens. Aparece assim uma
nova humanidade que, em Jesus Cristo, mediante o
sofrimento da Cruz, retornou ao amor, traído por Adão com o
pecado. Esta nova humanidade reencontra-se na mesma fonte
divina do dom original: no Espírito que «perscruta ... as
profundezas de Deus» e que é ele próprio Amor e Dom.
O
Filho de Deus, Jesus Cristo — como homem — , na oração
ardente da Sua paixão, permitiu ao Espírito Santo, que já
tinha penetrado até ao mais profundo a sua humanidade, transformá-la
num sacrifício perfeito mediante
o acto da sua morte, como vítima de amor na Cruz. Foi Ele,
sozinho, quem fez esta oblação. Como único Sacerdote,
«ofereceu-se a si mesmo sem mácula a Deus». 154
Na sua humanidade Ele era digno de se tornar um tal
sacrifício, porque Ele
só era «sem
mácula». Mas ofereceu-o «em virtude de um Espírito eterno»:
o que equivale a dizer que o Espírito Santo agiu de um modo
especial nesta autodoação absoluta do Filho do homem, para
transformar o sofrimento em amor redentor.
41. No
antigo Testamento, por mais de uma vez se fala do «fogo do
céu», que queimava as oferendas apresentadas pelos homens. 155 Por
analogia, pode dizer-se que o Espírito Santo é «fogo
do céu» que age no mais profundo do mistério da Cruz.
Provindo do Pai, Ele encaminha para o Pai o sacrifício do
Filho, introduzindo-o na divina realidade da comunhão
trinitária. Se o pecado gerou o sofrimento, agora o
sofrimento de Deus em Cristo crucificado adquire, pelo
Espírito Santo, a sua plena expressão humana. Encontramo-nos
assim diante de um mistério paradoxal de amor: em Cristo,
sofre um Deus rejeitado pela sua própria criatura: «Não
crêem em mim!»; mas, ao mesmo tempo, à
profundeza deste sofrimento —
e indirectamente à profundeza do próprio pecado «de não ter
acreditado» — o Espírito Santo vai
buscar uma nova medida do dom feito ao homem e à criação desde
o princípio. Nas profundezas do mistério da Cruz está
operante o Amor, que reconduz o homem a participar novamente
na vida, que está no próprio Deus.
O
Espírito Santo como Amor e Dom desce,
em certo sentido, ao próprio coração do sacrifício que é
oferecido na Cruz. Referindo-nos à tradição bíblica podemos
dizer: Ele
consuma este sacrifício com o fogo do Amor, que une o
Filho ao Pai na comunhão trinitária. E dado que o sacrifício
da Cruz é um acto próprio de Cristo, também neste sacrifício
Ele «recebe» o Espírito Santo. E recebe-o de tal modo, que
depois Ele mesmo — e Ele somente com Deus Pai — o pode«dar»
aos Apóstolos, à Igreja e à humanidade. Ele só o «envia»
de junto do Pai. 156 Ele
só se apresenta diante dos Apóstolos reunidos no Cenáculo,
«sopra sobre eles» e diz: «Recebei o Espírito Santo. Aqueles
a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados», 157 como
tinha preanunciado João Baptista: «Ele baptizar-vos-á com o
Espírito Santo e com O fogo». 158 Com
estas palavras de Jesus o Espírito Santo é
revelado e ao mesmo tempo é tornado presente como
Amor que está operante no mais profundo do mistério pascal,
como fonte do poder salvífico da Cruz de Cristo, como Dom da
vida nova e eterna.
Esta
verdade sobre o Espírito Santo é expressa quotidianamente
na Liturgia
romana, quando
o Sacerdote, antes da comunhão, profere estas palavras
significativas: «Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus vivo,
que, por vontade do Pai, cooperando
o Espírito Santo, destes vida ao mundo pela vossa morte
...». E na Oração Eucarística III, referindo-se à mesma
economia salvífica, o Sacerdote pede a Deus que o Espírito
Santo «faça de
nós uma oferenda permanente» que
lhe seja agradável.
5. «O
sangue que purifica a consciência»
42.
Dissémos que, no ponto culminante do mistério pascal, o Espírito
Santo é
definitivamente revelado e tornado presente de uma maneira
nova. Cristo ressuscitado diz aos Apóstolos: «Recebei o
Espírito Santo». Deste modo, é
revelado o
Espírito Santo, porque as palavras de Cristo constituem a
confirmação das promessas e dos anúncios do discurso do
Cenáculo. E por isso mesmo o Paráclito é tornado
presente de
uma maneira nova. Ele, na realidade, actuava já desde o
início no mistério da criação e ao longo de toda a história
da Antiga Aliança de Deus com o homem. A sua acção foi
plenamente confirmada pela missão do Filho do homem como
Messias, que veio pelo poder do Espírito Santo. No ápice da
missão messiânica de Jesus, o Espírito Santo torna-Se
presente no mistério pascal em
toda a sua subjectividade divina:
como Aquele que deve continuar agora a obra salvífica
radicada no sacrifício da Cruz. Esta obra, sem dúvida, foi
confiada por Jesus a homens: aos Apóstolos e à Igreja. No
entanto, nestes homens e por meio deles, o Espírito Santo
permanece o transcendente sujeito protagonista da realização
desta obra, no espírito do homem e na história do mundo:
Ele, o Paráclito invisível e, simultaneamente, omnipresente!
O Espírito que «sopra onde quer». 159
As
palavras pronunciadas por Cristo ressuscitado, no «primeiro
dia depois do sábado», dão
particular relevo à presença do Paráclito-Consolador,
como Aquele que «convence o mundo quanto ao pecado, quanto à
justiça e quanto ao juízo». Só com esta referência se
explicam, efectivamente, as palavras que Jesus põe em
relação directa com o «dom» do Espírito Santo aos Apóstolos.
Ele diz: «Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem
perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; àqueles a quem
os retiverdes, ser-lhes-ão retidos». 160 Jesus
assim confere aos Apóstolos o poder de perdoar os pecados,
para que eles o transmitam aos seus sucessores na Igreja.
Todavia, este poder, concedido aos homens, pressupõe e
inclui a acção salvífica do Espírito Santo. Tornando-Se «luz
dos corações» 161 —
isto é, das consciências — o Espírito Santo «convence quanto
ao pecado», ou seja, leva o homem
a conhecer o seu mal e,
ao mesmo tempo,orienta-o para o bem. Graças à
multiplicidade dos seus dons — pelo que Ele é invocado como
o «septiforme» — o poder salvífico de Deus pode atingir toda
a espécie de pecados do homem. Na realidade, como diz São
Boaventura, «todos os males são destruídos, ao mesmo tempo
que são proporcionados todos os bens». 162
Sob o
influxo do Consolador, realiza-se, portanto, a conversão
do coração humano, que é a condição indispensável para o
perdão dos pecados. Sem uma verdadeira conversão, que
implica uma contrição interior, e sem um sincero e firme
propósito de mudança, os pecados permanecem «não-perdoados»
(retidos), como diz Jesus e, com Ele, toda a Tradição da
Antiga e da Nova Aliança. Com efeito, as primeiras palavras
pronunciadas por Jesus no início do Seu ministério, segundo
o Evangelho de São Marcos, são as seguintes: «Convertei-vos
e acreditai no Evangelho».163 Temos
uma confirmação desta exortação no «convencer quanto ao
pecado» que o Espírito Santo empreende, de uma maneira nova,
em virtude da Redenção operada pelo Sangue do Filho do
homem. Por esta razão a Epístola
aos Hebreus afirma
que este «sangue purifica a consciência». 164
Portanto, este sangue abre
ao Espírito Santo, em certo sentido, o caminho para o
íntimo do homem, isto é, para o santuário das consciências
humanas.
43. O
Concílio Vaticano II recordou a doutrina católica sobre a
consciência, ao falar da vocação do homem e, em particular,
da dignidade da pessoa humana. É
a consciência, precisamente, que determina de modo
específico essa dignidade. Ela, efectivamente, é «o
centro mais secreto do homem, o santuário onde
ele se encontra a sós com Deus, cuja voz ressoa no seu
íntimo». Voz que, claramente ... «ressoa aos ouvidos do
coração: faz isto, evita aquilo». Tal capacidade de ordenar
o bem e proibir o mal, inserida pelo Criador no homem é a propriedade
principal do sujeito pessoal. Mas, ao mesmo tempo, «no
fundo da sua consciência o homem descobre a presença de uma
lei, que ele não impôs a si mesmo, mas à qual deve
obedecer». 165 A
consciência, portanto, não
é uma fonte autónoma e
exclusiva para decidir o que é bom e o que é mau; pelo
contrário, nela está inscrito profundamente um princípio
de obediência relacionado
com a norma
objectiva, que fundamenta e condiciona a conformidade
das suas decisões com os mandamentos e as proibições que
estão na base do comportamento humano, como já transparece
naquela página doLivro do Génesis, a que fizemos
referência. 166 Precisamente
neste sentido, a consciência é o «santuário íntimo» onde «a
voz de Deus se
faz ouvir». E é a «voz de Deus» sempre, mesmo quando o homem
reconhece exclusivamente nela o princípio da ordem moral de
que humanamente não se pode duvidar, eventualmente sem
referência directa ao Criador: a consciência encontra sempre
o seu fundamento e a sua justificação nesta referência.
O
«convencer quanto ao pecado», sob o influxo do Espírito da
verdade, de que fala o Evangelho, não pode realizar-se no
homem por outro meio que não seja o da consciência. Se a
consciência for recta, ela servirá «para resolver segundo
a verdade os
problemas morais, que se apresentam tanto na vida
individual, como na vida social». Então, «as pessoas e os
grupos sociais estarão longe da arbitrariedade cega e
procurarão conformar-se com as normas objectivas da
moralidade». 167
O
fruto da consciência recta é, primeiro que tudo, o
chamar pelo seu nome o bem e a mal, como faz, por
exemplo, a mesma Constituição pastoral a que acabámos de
aludir: «Tudo aquilo que se opõe à própria vida, como sejam
os homicídios de qualquer espécie, os genocídios, os
abortos, a eutanásia e mesmo o suicídio voluntário; tudo
aquilo que constitui uma violação da integridade da pessoa
humana, como sejam as mutilações, as torturas morais ou
físicas, as pressões psicológicas; tudo aquilo que ofende a
dignidade do homem, como sejam as condições infra-humanas de
vida, as prisões arbitrárias, as deportações, a escravatura,
a prostituição, o comércio de mulheres e de jovens, ou ainda
as condições de trabalho degradantes, que reduzem os
operários a meros instrumentos de lucro, sem ter em conta a
sua personalidade livre e responsável». E, depois de ter
chamado pelo seu nome os
múltiplos pecados tão frequentes e difundidos no nosso tempo,
acrescenta: «Todas estas coisas e outras semelhantes são, na
verdade, uma infâmia; ao mesmo tempo que corrompem a
civilização humana, desonram mais os que a elas se entregam
do que aqueles que sofrem a injúria; e ofendem gravemente a
honra devida ao Criador». 168
Ao
chamar pelo nome os pecados que mais desonram o homem, e
demonstrando que eles são um mal moral que influi
negativamente sobre qualquer balanço do progresso da
humanidade, o Concílio apresenta tudo isso como uma etapa
«de uma luta dramática entre o bem e o mal, entre a luz e as
trevas», que caracteriza «toda a vida humana, quer
individual quer colectiva». 169 A
Assembleia do Sínodo dos Bispos de
1983, sobre a reconciliação e a penitência, apresentou ainda
em termos mais precisos o significado pessoal e social do
pecado do homem. 170
44. No
Cenáculo, na véspera da sua Paixão, e depois na tarde da
Páscoa, Jesus Cristo apelou para o Espírito Santo como para
Aquele que testemunha que na
história da humanidade o pecado continua a existir.
Todavia, o pecado está submetido ao poder
salvífico da Redenção. O «convencer o mundo quanto ao
pecado» é algo que não pára pelo facto de ele ser chamado
com o seu nome e identificado por aquilo que é, em toda
extensão da sua natureza. Ao convencer o mundo quanto ao
pecado, o
Espírito da verdade encontra-se com a voz das consciências
humanas.
Dessa
maneira se chega a por à mostra
as raízes do pecado, que se encontram no íntimo do
homem, como também evidencia a Constituição pastoral já
citada: «Na verdade, os desequilíbrios de que sofre o mundo
contemporâneo estão ligados com un desequilíbrio mais
fundamental, que se enraíza no
coração do homem. São muitos os elementos que se
combatem no próprio homem. Por um lado, como criatura, ele
experimenta as suas múltiplas limitações; por outro lado,
sente-se ilimitado nos seus desejos e chamado a uma vida
superior. Atraído por muitas solicitações, ele vê-se a todo
o momento constrangido a escolher entre elas e a renunciar a
algumas. Mais ainda, fraco e pecador, faz muitas vezes o que
não quer e não faz o que desejaria fazer». 171
O texto conciliar faz aqui referência às palavras de São
Paulo que são bem conhecidas. 172
O
«convencer quanto ao pecado», que acompanha a consciência
humana todas as vezes que ela reflecte em profundidade sobre
si mesma , leva, pois, à descoberta das raízes do mesmo
pecado no homem, como também dos condicionamentos da própria
consciência no curso da história. Reencontramos assim a
realidade originária do pecado, da qual já falamos. O Espírito
Santo «convence quanto ao pecado» em
relação ao mistério do princípio, indicando o facto de que o
homem é um ser-criado e
que, portanto, está em total dependência ontológica e ética
do Criador, e recordando, ao mesmo tempo, a condição
pecadora hereditária da natureza humana. Mas o Espírito
Santo-Consolador «convence quanto ao pecado» sempre
em relação com a Cruz de Cristo. Nesta relação, o
cristianismo rejeita toda a «fatalidade» do pecado. «Um duro
combate contra os poderes das trevas atravessa, com efeito,
toda a história humana; começado nas origens do mundo,
durará, como diz o Senhor, até ao último dia», conforme
ensina o Concílio. 173 «Mas
o Senhor em pessoa veio para libertar o homem e dar-lhe a
força». 174 O
homem, portanto, longe de se deixar «enredar» na sua
condição de pecador, apoiando-se na voz da própria
consciência, «deve combater sem tréguas para aderir ao bem;
nem pode conseguir a sua unidade interior se não a preço de
grandes esforços e com a ajuda
da graça de
Deus». 175 O
Concílio justamente encara o pecado como factor
da ruptura, que pesa tanto sobre a vida pessoal como
sobre a vida social do homem; mas, ao mesmo tempo, recorda
vigorosamente a possibilidade da vitória.
45. O
Espírito da verdade, que «convence o mundo quanto ao
pecado», encontra-se com os esforços da consciência humana,
de que falam os textos conciliares de maneira muito
sugestiva. Estes esforços da consciência determinam
também os caminhos das conversões humanas: voltar as costas
ao pecado, para reconstruir a verdade e o amor no próprio
coração do homem. Sabe-se que aconsciência não
só manda ou proíbe, mas julga à
luz das ordens e proibições interiores. Ela é também a fonte
dos remorsos: o homem sofre interiormente por causa do
mal cometido. Não será este sofrimento como que um eco
longínquo daquele «arrependimento por ter criado o homem»,
que o Livro Sagrado, com uma linguagem antropomórfica,
atribui a Deus? Um eco daquela «reprovação» que,
inscrevendo-se no «coração» da Santíssima Trindade, se
traduz na dor da Cruz, na obediência de Cristo até à morte,
em virtude do amor eterno? Quando o Espírito da verdade, que
«convence o mundo quanto ao pecado», permite à consciência
humana participar
naquela dor, então a dor da consciência torna-se
particularmente profunda, mas também particularmente
salvífica. E assim, mediante um acto de contrição perfeita,
opera-se a conversão autêntica do coração: é a «metánoia»
evangélica.
Os
esforços do coração humano, os esforços da consciência,
graças aos quais se opera esta «metánoia» ou conversão, são
o reflexo do
processo pelo qual a reprovação
é transformada em amor salvífico, que sabe sofrer. O
dispensador escondido desta força de salvação é o Espírito
Santo: Ele, que é chamado pela Igreja «luz das
consciências», penetra e enche as «profundezas dos corações»
humanos. 176 Mediante
esta conversão no Espírito Santo, o homem
abre-se ao perdão e à remissão dos pecados, como
testemunham as palavras pronunciadas por Jesus na tarde da
Páscoa. E em todo este admirável dinamismo da
conversão-remissão, é consumada a verdade daquilo que
escreve Santo Agostinho sobre o mistério do homem, ao
comentar as palavras do Salmo: «Um
abismo chama outro abismo». 177 É
exactamente em relação a esta «profundidade abissal» do
homem, da consciência humana, que se cumpre a missão do
Filho e do Espírito Santo. O Espírito Santo «vem»
em virtude da «partida» de Cristo no mistério pascal; vem em
cada caso
concreto de conversão-remissão, em virtude do sacrifício
da Cruz: nele, realmente, «o sangue de Cristo... purifica a
nossa consciência das obras mortas, para servir o Deus
vivo». 178
Cumprem-se assim, continuamente, as palavras sobre o
Espírito Santo apresentado como «um outro Consolador», as
palavras dirigidas no Cenáculo aos Apóstolos e
indirectamente a todos: «Vós o conheceis porque Ele habita
entre vós e
em vós estará». 179
6. O
pecado contra o Espírito Santo
46.
Tendo em conta tudo o que temos vindo a dizer até agora,
tornam-se mais compreensíveis algumas outras palavras
impressionantes e surpreendentes de Jesus. Poderemos
designá-las como as
palavras do «não-perdão». São-nos
referidas pelos Sinópticos, a propósito de um pecado
particular, que é chamado «blasfêmia contra o Espírito
Santo». Elas foram expressas na tríplice redacção dos
Evangelistas do seguinte modo:
São
Mateus:
«Todo o pecado e blasfêmia serão perdoados aos homens, mas a
blasfêmia contra o Espírito Santo não será perdoada. E
àquele que falar contra o Filho do homem, ser-lhe-á
perdoado; mas, a quem falar contra o Espírito Santo, não lhe
será perdoado, nem neste mundo nem no futuro».180
São
Marcos:
«Aos filhos dos homens serão perdoados todos os pecados e
todas as blasfêmias que proferirem; todavia, quem blasfemar
contra o Espírito Santo, jamais terá perdão, mas será réu de
pecado eterno». 181
São
Lucas:
«E a todo aquele que disser uma palavra contra o Filho do
homem, perdoar-se-á; mas a quem tiver blasfemado contra o
Espírito Santo, não lhe será perdoado». 182
Porquê
a «blasfêmia» contra o Espírito Santo é imperdoável? Em
que sentido entender esta «blasfemia»? Santo
Tomás de Aquino responde que se trata da um pecado
«imperdoável por sua própria natureza, porque exclui aqueles
elementos graças aos quais é concedida a remissão dos
pecados». 183
Segundo uma tal exegese, a «blasfêmia» não consiste
propriamente em ofender o Espírito Santo com palavras;
consiste, antes, na
recusa de aceitar a salvação que Deus oferece ao homem,
mediante o mesmo Espírito Santo agindo
em virtude do sacrifício da Cruz. Se o homem rejeita o
deixar-se «convencer quanto ao pecado», que provém do
Espírito Santo e tem carácter salvífico, ele rejeita
contemporaneamente a «vinda» do Consolador: aquela «vinda»
que se efectuou no mistério da Páscoa, em união com o poder
redentor do Sangue de Cristo: o Sangue que «purifica a
consciência das obras mortas».
Sabemos que o fruto desta purificação é a remissão dos
pecados. Por conseguinte, quem rejeita o Espírito e o Sangue
permanece nas «obras mortas», no pecado. E a «blasfêmia
contra o Espírito Santo» consiste exactamente na recusa
radical de aceitar esta remissão, de que Ele é o
dispensador íntimo e que pressupõe a conversão verdadeira,
por Ele operada na consciência. Se Jesus diz que o pecado
contra o Espírito Santo não pode ser perdoado nem nesta vida
nem na futura, é porque esta «não-remissão» está ligada,
como à sua causa, à «não-penitência», isto é, à
recusa radical a converter-se. Isto equivale a uma recusa
radical de ir até às fontes da Redenção; estas, porém,
permanecem «sempre» abertas na economia da salvação, na qual
se realiza a missão do Espírito Santo. Este tem o poder
infinito de haurir destas fontes: «receberá do que é meu»,
disse Jesus. Deste modo, Ele completa nas almas humanas a
obra da Redenção, operada por Cristo, distribuindo os seus
frutos. Ora a blasfêmia contra o Espírito Santo é o pecado
cometido pelo homem, que reivindica o seu pretenso «direito»
de perseverar no mal —
em qualquer pecado — e recusa por isso mesmo a Redenção. O
homem fica fechado no pecado, tornando impossível da sua
parte a própria conversão e também, consequentemente, a
remissão dos pecados, que considera não essencial ou não
importante para a sua vida. É uma situação de ruína
espiritual, porque a blasfêmia contra o Espírito Santo não
permite ao homem sair da prisão em que ele próprio se fechou
e abrir-se às fontes divinas da purificação das consciências
e da remissão dos pecados.
47. A
acção do Espírito da verdade, que tende ao salvífico
«convencer quanto ao pecado», encontra no homem que esteja
em tal situação uma resistência interior, uma espécie de
impermeabilidade da consciência. um estado de alma que se
diria endurecido em razão de uma escolha livre: é aquilo que
a Sagrada Escritura repetidamente designa como «dureza de
coração». 184 Na
nossa época, a esta atitude da mente e do coração
corresponde talvez a
perda do sentido do pecado, à qual dedica muitas páginas
a Exortação Apostólica Reconciliatio
et Paenitentia. 185 Já
o Papa Pio XII tinha
afirmado que «o pecado do século é a perda do sentido do
pecado». 186 E
esta perda vai de par com a «perda do sentido de Deus». Na
Exortação acima citada, lemos: «Na realidade, Deus é a
origem e o fim supremo do homem, e este leva consigo um
gérmen divino. Por isso, é a realidade de Deus que desvenda
e ilumina o mistério do homem. É inútil, pois, esperar que
ganhe consistência um sentido do pecado no que respeita ao
homem e aos valores humanos, quando falta o sentido da
ofensa cometida contra Deus, isto é, o verdadeiro sentido do
pecado». 187
É por
isso que a Igreja não cessa de implorar de Deus a graça de
que não venha a faltar nunca a rectidão nas consciências
humanas, que não se embote a sua sensibilidade sã
diante do bem e do mal. Esta rectidão e esta sensibilidade
estão profundamente ligadas à acção íntima do Espírito da
verdade. Sob esta luz, adquirem particular eloquência as
exortações do Apóstolo: «Não
extingais o Espírito!». «Não contristeis o Espírito Santo!». 188 Mas
sobretudo, a Igreja não cessa de implorar, com todo o
fervor, que
não aumente no
mundo o pecado designado no Evangelho por «blasfêmia contra
o Espírito Santo»; e, mais ainda, que ele se desvie da alma
dos homens — e como repercussão, dos próprios meios e das
diversas expressões da sociedade — deixando espaço para a
abertura das consciências, necessária para a acção salvífica
do Espírito Santo. A Igreja implora que o perigoso pecado
contra o Espírito Santo ceda o lugar a uma santa di
sponibilidade para aceitar a missão do Consolador, quando
Ele vier para «convencer o mundo quanto ao pecado, quanto à
justiça e quanto ao juízo».
48.
Jesus, no seu discurso de despedida, uniu estes três
domínios do «convencer», como
componentes da missão do Paráclito: o pecado, a justiça e o
juízo. Eles indicam o âmbito do «mistério da piedade», que
na história do homem se opõe ao pecado, ao mistério da
iniquidade. 189
Por um lado, como se exprime Santo Agostinho, está o «amor
de si mesmo levado até ao desprezo de Deus»; por outro, «o
amor de Deus até ao desprezo de si mesmo». 190 A
Igreja continuamente eleva a sua oração e presta o seu
serviço, para que a história das consciências e a história
das sociedades, na grande família humana, não
se rebaixem voltando-se para o pólo do pecado, com a
rejeição dos mandamentos de Deus «até ao desprezo do mesmo
Deus»; mas, pelo contrário, se
elevem no sentido do amor em
que se revela o Espírito que dá a vida.
Aqueles que se deixam «convencer quanto ao pecado» pelo
Espírito Santo, deixam-se também convencer quanto «à justiça
e quanto ao juízo». O Espírito da verdade que vem em auxílio
dos homens e das consciências humanas, para conhecerem a verdade
do pecado, ao mesmo tempo faz com que conheçam a
verdade da justiça que
entrou na história do homem com a vinda de Jesus Cristo.
Deste modo, aqueles que, «convencidos quanto ao pecado», se
convertem sob a acção do Consolador, são, em certo sentido,
conduzidos para fora da órbita do «juízo»: daquele «juízo»
com o qual «o Príncipe deste mundo já está julgado». 191 A
conversão, na profundidade do seu mistério divino-humano,
significa a ruptura de todos os vínculos com os quais o
pecado prende o homem, no conjunto do «mistério da
iniquidade». Aqueles que se convertem, portanto, são
conduzidos para fora da órbita do «juízo» pelo Espírito
Santo», e introduzidos
na justiça, que se encontra em Cristo Jesus, e está
n'Ele porque a «recebe do Pai», 192 como
um reflexo da santidade trinitária. Esta justiça é a do
Evangelho e da Redenção, a justiça do Sermão da Montanha e
da Cruz, que opera a «purificação da consciência» mediante o
Sangue do Cordeiro. É a justiça que o Pai
faz ao Filho e a todos aqueles que Lhe estão unidos na
verdade e no amor.
Nesta
justiça o Espírito Santo, Espírito do Pai e do Filho, que
«convence o mundo quanto ao pecado», revela-se e torna-se
presente no homem, como Espírito
de vida eterna.
TERCEIRA PARTE
O
ESPÍRITO QUE DÁ A VIDA
1.
Motivo do Jubileu do ano 2000: Cristo, «que foi concebido do
Espírito Santo»
49. O
pensamento e o coração da Igreja voltam-se para o Espírito
Santo, neste final do século XX e na perspectiva do terceiro
Milénio depois
da vinda de Jesus Cristo ao mundo, ao mesmo tempo que
começamos a olhar para o grande Jubileu, com o qual a mesma
Igreja irá celebrar o acontecimento. Essa vinda, de facto,
coloca-se na escala do tempo humano, como um acontecimento
que pertence à história do homem sobre a terra. A medida do
tempo, usada comummente, determina os anos, os séculos e os
milénios, segundo decorrem antes
ou depois do
nascimento de Cristo. Mas é necessário ter presente também
que este acontecimento significa, para nós cristãos, segundo
o Apóstolo, a «plenitude
dos tempos», 193 porque,
nele, a história do homem foi completamente penetrada pela
«medida» do próprio Deus: uma presença transcendente no«nunc», no
Hoje eterno. «Aquele que é, que era e que há-de-vir»; Aquele
que é «o Alfa e o Ômega, o Primeiro e o Último, o Princípio
e o Fim». 194 «Com
efeito, Deus
amou tanto o mundo que lhe deu o seu Filho unigénito,
para que todo aquele que n'Ele crer não pereça mas tenha a vida
eterna». 195 «Ao
chegar a
plenitude dos tempos, enviou Deus o seu Filho, nascido
de mulher... para que nós recebêssemos a adopção de filhos». 196 E
esta Incarnação do Filho-Verbo deu-se«por obra do
Espírito Santo».
Os
dois Evangelistas, aos quais ficámos a dever a narração do
nascimento e da infância de Jesus de Nazaré, exprimem-se da
mesma maneira sobre este ponto. Segundo
São Lucas, perante a anunciação do nascimento de Jesus,
Maria pergunta: «Como se realizará isso se eu não conheço
homem?» E recebe esta resposta: «O Espírito Santo descerá
sobre ti e a potência do Altíssimo te cobrirá com a sua
sombra. Por isso, aquele que vai nascer será santo e
chamar-se-á Filho de Deus».197
São
Mateus narra
directamente: «Ora o nascimento de Jesus foi assim: estando
Maria, sua mãe, desposada com José, antes de habitarem
juntos, achou-se que tinha concebido por virtude do Espírito
Santo». 198 José,
perturbado por este estado de coisas, recebeu num sonho a
seguinte explicação: «Não temas receber contigo Maria, tua
esposa, pois o que nela se gerou é obra do Espírito Santo.
Ela dará à luz um filho, a quem porás o nome de Jesus,
porque ele salvará o seu povo dos seus pecados». 199
Assim,
a Igreja professa desde as suas origens o mistério
da Incarnação, mistério-chave da sua fé,referindo-se
ao Espírito Santo. O Símbolo dos Apóstolos exprime-se
deste modo: «O qual foi concebido pelo Espírito Santo e
nasceu de Maria Virgem». Não diversamente atesta o Símbolo
Niceno-Costantinopolitano: «Incarnou por obra do
Espírito Santo no seio da Virgem Maria e se fez homem».
«Por
obra do Espírito Santo» fez-se homem Aquele que a Igreja,
com as palavras do mesmo Símbolo, proclama ser
consubstancial ao Pai: «Deus de Deus, Luz da Luz,
Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não criado».
Fez-se homem «incarnando no seio da Virgem Maria». Eis o que
se cumpriu «ao chegar a plenitude dos tempos».
50. O grande
Jubileu, com que se concluirá o segundo Milénio, para o
qual a Igreja se está a preparar já, tem directamente um perfil
cristológico: trata-se, efectivamente, de celebrar o
nascimento de Jesus Cristo. Ao mesmo tempo, porém, ele tem
um perfil
pneumatológico, dado que o mistério da Incarnação se
realizou «por obra do Espírito Santo». «Operou-o» aquele
Espírito que — consubstancial ao Pai e ao Filho — é, no
mistério absoluto de Deus uno e trino, a Pessoa-Amor, o Dom
incriado, que é fonte eterna de toda a dádiva que provém de
Deus na ordem da criação, o princípio directo e, em certo
sentido, o sujeito da autocomunicação de Deus na ordem da
graça. O
mistério da Incarnação constitui o ápice da dádiva suprema,
dessa autocomunicação de Deus.
Com
efeito, a concepção e o nascimento de Jesus Cristo são a
obra maior realizada pelo Espírito Santo na história da
criação e da salvação: a graça suprema — «a
graça da união» —
fonte de todas as outras graças, como explica Santo Tomás. 200 O
grande Jubileu relaciona-se com esta graça e também, se
penetrarmos na sua profundidade, com o artífice desta obra,
a Pessoa do
Espírito Santo.
À
«plenitude dos tempos» corresponde, efectivamente, uma
particular plenitude da autocomunicação de Deus uno e trino
no Esptrito Santo. Foi «por obra do Espírito Santo» que se
realizou o mistério da união
hipostática, ou seja, da união da natureza divina com a
natureza humana, da divindade e da humanidade, na única
Pessoa do Verbo-Filho. Quando Maria, no momento da
anunciação, pronuncia o seu «fiat»: «Faça-se em mim segundo
a tua palavra», 201 ela
concebe de modo virginalum homem, o Filho do homem, que
é o Filho de Deus. Graças a esta «humanização» do
Verbo-Filho, a autocomunicação de Deus atinge a sua
plenitude definitiva na história da criação e da salvação.
Esta plenitude adquire uma densidade particular e uma
eloquência muito expressiva no texto do Evangelho
de São João: «O Verbo fez-se carne». 202 A
Incarnação de Deus-Filho significa que foi assumida à
unidade com Deus não apenas a natureza humana, mas também,
nesta,em certo sentido, tudo o que é «carne»: toda
a humanidade, todo o mundo visível e material. A Incarnação,
por conseguinte, tem também um significado cósmico, uma
dimensão cósmica. O «gerado antes de toda criatura», 203 ao
incarnar-se na humanidade individual de Cristo, une-se, de
algum modo, com toda a realidade do homem, que também é
«carne» 204 e,
nela, com toda a «carne», com toda a criação.
51.
Tudo isto se realiza «por obra» do Espírito Santo; e, por
conseguinte, faz parte do conteúdo do grande Jubileu futuro.
A Igreja não pode preparar-se para esse Jubileu de outro
modo que não
seja no Espírito Santo. Aquilo
que «na plenitude dos tempos» se realizou por obra do
Espírito Santo, só por sua obra pode emergir agora da
memória da Igreja. É por sua obra, que isso pode tornar-se
presente na nova fase da história do homem sobre a terra: o
ano 2000 depois do nascimento de Cristo.
O
Espírito Santo, que com a sombra da sua potência cobriu o
corpo virginal de Maria,
dando assim início à maternidade divina nela,
ao mesmo tempo tornou o seu coração perfeitamente obediente
pelo que respeita àquela autocomunicação de Deus, que
superava qualquer conceito e todas as faculdades do homem. «Bem-aventurada
aquela que acreditou»: 205 assim
foi saudada Maria, pela sua parente Isabel, também ela
«cheia do Espírito Santo».206 Nas
palavras de saudação àquela
que «acreditou» parece
delinear-se um contraste longínquo (mas, na realidade, muito
próximo) com relação a todos aqueles de quem Cristo dirá que
«não acreditaram». 207 Maria
entrou na história da salvação do mundo mediante a
obediência da fé. E a
fé, na sua essência mais profunda, é a
abertura do
coração humano diante do Dom: diante
da autocomunicação de Deus no Espírito Santo. São Paulo
escreve: «O Senhor é espírito, e onde está o espírito do
Senhor, aí há liberdade».208 Quando
Deus uno e trino se abre ao homem no Espírito Santo, esta
sua «abertura» revela e, ao mesmo tempo, doa à
criatura-homem a plenitude da liberdade. Esta plenitude
manifesta-se de um modo sublime na fé de Maria, pela sua
«obediência de fé»; 209 sim,
verdadeiramente, «bem-aventurada aquela que acreditou»!
2.
Motivo do Jubileu: manifestou-se a graça
52. No
mistério da Incarnação, a
obra do Espírito, «que dá a vida», atinge
o seu vértice. Não é possível dar a vida, que está em Deus
de um modo pleno, senão fazendo dela a vida de um
Homem, como é Cristo na sua humanidade personalizada
pelo Verbo na união hipostática. Ao mesmo tempo, com o
mistério da Incarnação jorra, de um modo novo, a
fonte dessa vida divina na história da humanidade: o
Espírito Santo. O Verbo «gerado antes de toda a criatura»,
torna-se «o primogénito entre muitos irmãos» 210 e
torna-se assim também a cabeça do Corpo que é a Igreja — que
nascerá da Cruz e será revelada no dia do Pentecostes — e,
na Igreja, a cabeça da humanidade: dos homens de cada nação,
de todas as raças, de todos os países e culturas, de todas
as línguas e continentes, todos eles chamados à salvação. «O
Verbo fez-se carne, (aquele Verbo no qual) estava
a vida e a
vida era a luz dos homens... A quantos o
receberam deu-lhes
o poder de se tornarem filhos de Deus». 211 Mas
tudo isto se realizou e se realiza incessantemente «por obra
do Espírito Santo».
«Filhos de Deus» são, com efeito — como ensina o Apóstolo —
«todos aqueles
que são movidos pelo Espírito de Deus». 212 A
filiação pela adopção divina nasce nos homens sobre a base
do mistério da Incarnação; e, portanto, graças a Cristo, que
é o Filho eterno. Todavia, o nascer ourenascer dá-se quando
Deus Pai «envia aos nossos corações o Espírito do seu
Filho». 213 É
então que, na verdade, «recebemos o espírito de adopção
filial, pelo qual bradamos: "Abbá, ó Pai!"». 214 Portanto,
esta filiação divina, enxertada na alma humana com a graça
santificante, é obra do Espírito Santo. «O próprio Espírito
atesta ao nosso espírito que somos filhos
de Deus. E, se somos filhos, somos igualmente herdeiros: herdeiros
de Deus e co-herdeiros de Cristo». 215 A
graça santificante é no homem o princípio e a fonte da vida
nova: vida divina, sobrenatural.
A
dádiva desta vida nova é como que a resposta definitiva de
Deus ao grito do Salmista, no qual ecoa, de certo modo, a
voz de todas as criaturas: «Se enviais o vosso Espírito,
serão criados e renovais a face da terra». 216 Aquele
que, no mistério da criação, dá ao
homem e ao cosmos a vida
sob as suas múltiplas formas, visíveis e invisíveis, renova-a ainda
pelo mistério da Incarnação. A criação é assim completada
pela Incarnação e, desde esse momento, penetrada pelas
forças da Redenção, que investem a humanidade e a criação
inteira. É o que nos diz São Paulo, cuja visão
cósmico-teológica parece retomar os termos do antigo Salmo:
a criação «aguarda ansiosamente arevelação dos filhos de
Deus», 217 ou
seja, daqueles que Deus, tendo-os «conhecido desde sempre»,
também os «predestinou para serem conformes à imagem do seu
Filho». 218 Dá-se,
assim, uma «adopção filial» sobrenatural dos homens, da qual
é origem o Espírito Santo, Amor e Dom.Como tal Ele é dado
com prodigalidade aos homens. E na super abundância do Dom
incriado tem início, no coração de cada homem, aquele
particular dom
criado, mediante o qual os homens «se tornam
participantes da natureza divina». 219 Deste
modo, a vida humana é impregnada pela participação na vida
divina e adquire também ela uma dimensão divina,
sobrenatural. Tem-se assim a vida nova, pela qual, como
participantes do mistério da Incarnação, «os homens ... têm
acesso ao Pai no Espírito Santo». 220 Existe,
pois, uma estreita dependência de causalidade entre
o Espírito, que dá a vida, e a graça
santificante, com aquela vitalidade
sobrenatural multiforme
que dela deriva no homem: entre o Espírito incriado e o
espírito humano criado.
53.
Pode dizer-se que tudo
isto é
abrangido no âmbito do grande
Jubileu, acima mencionado. Com efeito, impõe-se ir além
da dimensão histórica do facto, considerado somente à
superficie. É necessário chegar a atingir, no próprio
conteúdo cristológico do facto, a dimensão pneumatológica,
abarcando com o olhar da fé o conjunto dos dois
milénios da acção do Espírito da verdade, o qual, ao
longo dos séculos, indo haurir do tesouro da Redenção de
Cristo, foi dando aos homens a vida nova, realizando neles
«a adopção filial» no Filho unigénito e santificando-os, de
tal modo que eles podem repetir com São Paulo: «Recebemos o
Espírito que vem de Deus». 221
Mas ao
considerar este motivo do Jubileu, não é possível limitar-se
aos dois mil anos decorridos desde o nascimento de Cristo. É
necessário retroceder no tempo, abarcar toda a acção do
Espírito Santo mesmo antes de Cristo, desde
o princípio, em todo o mundo e, especialmente, na
economia da Antiga Aliança. Esta acção, de facto, em todos
os lugares e em todos os tempos, ou antes, em cada homem,
desenrolou-se segundo o eterno desígnio de salvação, no qual
ela anda estreitamente unida ao mistério da Incarnação e da
Redenção; este mistério já tinha exercido a sua influência
naqueles que acreditavam em Cristo que havia de vir. Isto é
atestado, de modo particular, naEpístola aos Efésios. 222 A
graça, portanto, comporta um carácter cristológico e,
conjuntamente, um carácter pneumatológico, que se realiza
sobretudo naqueles que expressamente aderem a Cristo: «N'Ele
(em Cristo) ... fostes marcados com o selo do Espírito
Santo, que fora prometido, o qual é o penhor da nossa
herança, enquanto esperamos a completa redenção». 223
No
entanto, sempre na perspectiva do grande Jubileu, também
devemos alargar as nossas vistas para mais longe,
«para o largo», conscientes de que «o vento sopra onde
quer», segundo a imagem usada por Jesus no colóquio com
Nicodemos. 224 O
Concílio Vaticano II, centrando a atenção sobretudo no tema
da Igreja, recorda-nos a acção do Espírito Santo mesmo «fora»
do corpo visível da Igreja. Ele fala precisamente de
«todos os homens de boa vontade, no coração dos quais
invisivelmente opera a graça. Na verdade, se Cristo morreu
por todos e a vocação última do homem é realmente uma só, a
saber, a divina, nós devemos manter que o Espírito Santo
oferece a todos, de um modo que só Deus conhece, a
possibilidade de serem associados ao mistério pascal». 225
54.
«Deus é espírito, e os seus adoradores em
espírito e verdade é
que devem adorá-lo». 226 Jesus
pronunciou estas palavras num outro dos seus colóquios:
aquele que teve com a Samaritana. O grande Jubileu, que será
celebrado no final deste Milénio e no início do seguinte,
deve constituir um forte apelo dirigido a todos aqueles que
«adoram a Deus em espírito e verdade». Deve ser para todos
uma ocasião especial para meditar no mistério de Deus uno e
trino que, em
si mesmo, é absolutamente transcendente em
relação ao mundo, de modo especial em relação ao mundo
visível; é, na realidade, Espírito absoluto: «Deus é
espírito». 227 Mas,
simultaneamente e de um modo admirável, não só está próximo deste
mundo, mas está aí presente e,
em certo sentido, imanente,
compenetra-o e vivifica-o por dentro. Isto é válido, em
especial, quanto ao homem: Deus está no íntimo do seu ser,
como pensamento, consciência e coração; é uma realidade
psicológica e ontológica que levava Santo Agostinho, ao
considerá-la, a dizer de Deus: «interior
intimo meo»[mais íntimo do que o meu íntimo]. 228 Estas
palavras ajudam-nos a compreender melhor as que Jesus
dirigiu à Samaritana: «Deus é espírito». Somente o Espírito
pode ser «mais
íntimo do que o meu íntimo», quer
no ser quer na experiência espiritual; só o Espírito pode
ser a tal ponto imanente ao homem e ao mundo, permanecendo
inviolável e imutável na sua transcendência absoluta.
Mas,
em Jesus Cristo, a presença divina no mundo e no homem
manifestou-se de uma maneira nova e sob forma visível.
N'Ele, verdadeiramente, «manifestou-se a graça». 229 O
amor de Deus Pai, dom, graça infinita e princípio de vida,
tornou-se patente em Cristo e, na sua humanidade, tornou-se
«parte» do universo, do género humano e da história. Esta
«manifestação» da graça na história do homem, mediante Jesus
Cristo, realizou-se por obra do Espírito Santo, que é o
princípio de toda a acção salvífica de Deus no mundo:
Ele, «Deus escondido», 230 que
como Amor e Dom «enche o universo». 231 Toda
a vida da Igreja, tal como se irá manifestar no grande
Jubileu, significa um caminhar ao encontro de Deus
escondido, ao encontro do Espírito, que dá a vida.
3. O
Espírito Santo no conflito interior do homem: a carne tem
desejos contrários aos do
espírito e o espírito desejos contrários aos da carne
55. Da
história da salvação resulta, infelizmente, que essa
proximidade e presença de Deus ao homem e ao mundo, essa
admirável «condescendência» do Espírito, depara,
na nossa realidade humana, com
resistência e oposição. Como são eloquentes, sob este
ponto de vista as palavras proféticas daquele ancião,
chamado Simeão, que, «movido pelo Espírito», veio ao Templo
de Jerusalém, para anunciar, diante do recém-nascido de
Belém, que «Ele é destinado a ser ocasião de queda e de
ressurgimento para muitos em Israel, a ser sinal
de contradição». 232 A
oposição a Deus, que é Espírito invisível, nasce já, em
certa medida, no plano da radical diversidade do mundo em
relação a Ele; ou seja, da «visibilidade» e «materialidade»
do mundo em confronto com Ele, que é «invisível» e
«Espírito, no sentido absoluto»; da sua essencial e
inevitável imperfeição em confronto com Ele, Ser
perfeitíssimo. Mas a oposição torna-se conflito, rebelião no
campo ético, por causa do pecado que
se apodera do coração
humano, no qual «a carne... tem desejos contrários aos
do espírito e o espírito desejos contrários aos da carne». 233 O
Espírito Santo deve «convencer o mundo» quanto a este
pecado, como dissemos.
É São
Paulo quem descreve, de modo particularmente eloquente, a
tensão e a luta, que agitam o coração humano. «Eu digo-vos —
lemos na Epístola
aos Gálatas —
: Procedei
segundo o Espírito e não dareis satisfações aos desejos da
carne. Pois a carne tem desejos contrários aos do
espírito, e o espírito, desejos contrários aos da carne; há
oposição radical entre eles; é por isso que não fazeis o que
quereríeis». 234 No
homem, porque é um ser composto,
espírito e corpo, já existe uma certa tensão, trava-se uma
certa luta de tendências entre o «espírito» e a «carne». Mas
esta luta, de facto, faz parte da herança do pecado, é uma
consequência do mesmo pecado e, simultaneamente, uma sua
confirmação. É algo que faz parte da experiência quotidiana.
Assim escreve o Apóstolo: «Ora, as obras da carne são
bem conhecidas: fornicação, impureza, libertinagem...
embriaguez, orgias e coisas semelhantes a estas». São os
pecados que se poderiam qualificar como «carnais». Mas o
Apóstolo ainda acrescenta outros: «inimizades, discórdias,
ciúmes, disputas, divisões, facciosismos, invejas». 235 Tudo
isto constitui «as obras da carne».
A
estas obras, porém, que são indubitavelmente más, São Paulo
contrapõe «o fruto do Espírito», que é «caridade, alegria,
paz, paciência, benevolência, bondade, fidelidade, mansidão
e temperança». 236 Do
contexto, resulta com clareza que, para o Apóstolo, não se
trata de discriminar e condenar o corpo que, juntamente com
a alma espiritual, constitui a natureza do homem e a sua
subjectividade pessoal. Ele quis tratar sobretudo, das
obras, ou melhor, das disposições estáveis — virtudes e
vícios — moralmente boas
ou más, que são fruto de submissão (no
primeiro caso) ou, pelo contrário, de resistência (no
segundo caso) à
acção salvífica do Espírito Santo. Por isso o Apóstolo
escreve: «Se, portanto, vivemos pelo espírito, caminhemos
também segundo o espírito».237 E
numa outra passagem: «De facto, os que vivem segundo a carne
ocupam-se das coisas da carne; ao contrário, os que vivem
segundo o espírito ocupam-se das coisas do espírito». «Vós,
porém ... viveis segundo o espírito se é que o Espírito de
Deus habita em vós». 238 A
contraposição que São Paulo estabelece entre a vida «segundo
o espírito» e a vida «segundo a carne» dá origem a uma
ulterior contraposição: entre
a «vida» e a «morte». «Os
desejos da carne levam à morte, enquanto que os desejos do
Espírito levam à vida e à paz». Daqui a advertência: «Se
viverdes segundo a carne, por certo morrereis; mas, se pelo
Espírito fizerdes morrer as obras do corpo, vivereis». 239
Se
pensarmos bem, estamos perante uma exortação
a viver na verdade, ou seja, segundo os ditames da
consciência recta; e, ao mesmo tempo, trata-se de uma
profissão de fé no Espírito da verdade, Aquele que dá a
vida. O corpo, efectivamente, «está morto por causa da
pecado, mas o espírito vive por causa da justificação»;
«portanto... somos devedores,
mas não para
com a carne para vivermos segundo a carne». 240 Nós
somos devedores sobretudo para com Cristo,
que no mistério pascal operou a nossa justificação,
obtendo-nos o Espírito Santo. «Na verdade, fomos comprados
por um alto preço». 241
Nos
textos de São Paulo sobrepõem-se e compenetram-se
reciprocamente a dimensão
ontológica(a carne e o espírito), a dimensão
ética (o bem
e o mal moral) e a dimensão
pneumatológica (a
acção do Espírito Santo na
ordem da graça). As suas palavras (especialmente nas Epístolas
aos Romanos e
aos Gálatas)
levam-nos a conhecer e a sentir ao vivo o vigor daquela
tensão e daquela luta, que se trava no homem, entre a
abertura à acção do Espírito Santo e a resistência e
oposição a Ele, ao seu dom salvífico. Os termos ou pólos em
contraposição, aqui são: da parte do homem, as suas
limitações e pecaminosidade, pontos nevrálgicos da sua
realidade psicológica e ética; e, da parte de Deus, o mistério
do Dom, o incessante doar-se da vida divina no Espírito
Santo. A quem caberá a vitória? Aquele que souber acolher o
Dom.
56.
Infelizmente, a resistência ao Espírito Santo, que São Paulo
sublinha, na dimensão
interior e subjectiva, como tensão, luta e rebelião que
acontece no coração humano, assume, nas várias épocas da
história e, especialmente, na época moderna, a sua dimensão
exterior, concretizada no conteúdo da cultura e da
civilização, como sistema filosófico, como
ideologia e como programa de
acção e de formação dos comportamentos humanos. Esta
dimensão exterior encontra a sua expressão mais importante
no materialismo,
tanto na sua forma teórica — enquanto sistema de pensamento
— como na sua forma prática, enquanto método de leitura e de
avaliação dos factos e, ainda, como programa dos
comportamentos correspondentes. O sistema que mais
desenvolveu esta forma de pensamento, de ideologia e de
práxis, e que o levou às extremas consequências no plano da
acção foi o materialismo dialéctico e histórico, ainda hoje
reconhecido como substancia vital do marxismo.
Por
princípio e de facto, o materialismo exclui radicalmente
a presença e a acção de Deus, que é espírito, no mundo e,
sobretudo, no homem, pela razão fundamental de que não
aceita a sua existência, sendo em si mesmo e no seu
programa um sistema ateu. O ateismo é fenómeno
impressionante do nosso tempo, ao qual o Concilio Vaticano
II dedicou algumas páginas significativas. 242 Embora
não se possa falar do ateismo, de modo unívoco, nem se possa
reduzi-lo exclusivamente à filosofia materialista — dado que
existem várias espécies de ateismo e talvez se possa afirmar
que, com frequência, se usa a palavra num sentido equívoco —
o certo é que umverdadeiro materialismo, no sentido
próprio do termo tem
um carácter ateu, quando é entendido como teoria
explicativa da realidade e assumido como princípio-chave da
acção pessoal e social. O horizonte dos valores e dos
fins do agir,
que o materialismo determina, está estreitamente ligado com
a interpretação de toda a realidade como «matéria». Se, por
vezes, também fala do «Espírito» e das «questões do
espírito», no campo, por exemplo da cultura ou da moral,
fá-lo apenas enquanto considera certos factos como derivados
(epifenómenos) da matéria, a qual, segundo este
sistema é a única e exclusiva forma do ser. Daqui se segue
que, segundo esta interpretação, a religião só pode ser
entendida como uma espécie de «ilusão idealista», que deve
ser combatida dos modos e com os métodos mais apropriados,
conforme os lugares e as circunstancias históricas, para
eliminá-la da sociedade e do próprio coração do homem.
Pode
dizer-se, portanto, que o materialismo é o desenvolvimento
sistemático e coerente da «resistência» e oposição
denunciadas por São Paulo quando escreve: «A carne ... tem
desejos contrários aos do espirito». Esta realidade
conflitual, no entanto, é recíproca, como põe em realce o
mesmo Apóstolo, na segunda parte do seu aforismo: «o
espírito tem
desejos contrários aos da carne». Quem quiser viver segundo
o Espírito , na aceitação e correspondência à sua acção
salvifica, não pode deixar de rejeitar as tendências e
pretensões, internas e externas, da «carne», também na sua
expressão ideológica e histórica de «materialismo»
anti-religioso. Sobre este pano de fundo, tão característico
do nosso tempo, devem ser postos em evidência os «desejos do
espírito» na preparação para o grande Jubileu, como apelos
que ecoam na noite de um novo período de advento, no termo
do qual, como há dois mil anos, «todo o homem verá a
salvação de Deus». 243 Está
nisto uma possibilidade e uma esperança, que a Igreja confia
aos homens de hoje. Ela sabe que o encontro ou o choque
entre os «desejos contrários ao espírito» — que
caracterizam tantos aspectos da civilização contemporânea,
especialmente em alguns dos seus ambientes - e os «desejos
contrários aos da carne» — com o facto de Deus se ter
tornado próximo de nós, com a sua Incarnação e com a
comunicação sempre nova de si mesmo no Espírito Santo —
podem apresentar, em muitos casos, um carácter dramático e
virem a redundar, talvez, em novas derrotas humanas. Mas a
Igreja acredita firmemente que, da parte de Deus, haverá
sempre um comunicar-se salvífico, uma vinda salvífica e, se
for o caso, um salvífico «convencer quanto ao pecado», por
obra do Espírito.
57. Na
contraposição paulina do «espírito» e da «carne» encontra-se
inscrita também a contraposição da «vida» à «morte».
Trata-se de um grave problema, acerca do qual é necessário
dizer, de imediato, que o materialismo, como sistema de
pensamento, em todas as suas versões, significa a aceitação
da morte como termo definitivo da existência humana.
Tudo o que é material é corruptível e, por isso, o corpo
humano (enquanto «animal») é mortal. Se o homem, na sua
essência, é simplesmente «carne», então a morte permanece
para ele uma fronteira e um termo intransponível.
Compreende-se assim como se possa dizer que a vida humana é
exclusivamente um «existir para morrer».
Deve
acrescentar-se que, no horizonte da civilização
contemporânea — especialmente onde ela se apresenta mais
desenvolvida, no sentido técnico-científico — os
vestígios e os sinais de morte tornaram-se
particularmente presentes e frequentes. Basta pensar na
corrida aos armamentos e no perigo que ela comporta de uma
autodestruição nuclear. Por outro lado, para todos se tem
tornado cada vez mais manifesta a grave situação de vastas
regiões do nosso planeta, marcadas pela indigência e pela
fome, que são portadoras de morte. Não se trata só de
problemas meramente económicos; mas também e, acima de tudo,
de problemas éticos. E no entanto, no horizonte da nossa
época, adensam-se «sinais de morte» ainda mais sombrios:
difundiu-se o costume — que em algumas partes corre o risco
de se tornar como que uma instituição — de tirar a vida a
seres humanos ainda antes do seu nascimento, ou antes de
atingirem o termo natural da morte. E mais ainda: apesar de
tantos esforços nobres em favor da paz, deflagraram e
prosseguem novas guerras, que privam da vida ou da saúde
centenas de milhares de seres humanos. E como não recordar
os atentados à vida humana por parte do terrorismo
organizado, até mesmo em escala internacional?
E
isto, infelizmente, é só um esboço parcial e incompleto do quadro
de morte que
está em vias de composição na nossa
época, ao mesmo tempo que nos vamos aproximando cada vez
mais do final do segundo Milénio cristão. Mas das tintas
sombrias da civilização materialista e, em particular, dos
«sinais de morte» que se multiplicam no quadro
sociológico-histórico, em que ela se desenvolveu, não se
ergue, porventura, uma nova invocação, mais ou menos
consciente, ao Espírito que dá a vida? Em todo o caso, mesmo
independentemente da amplitude das esperanças ou dos
desesperos humanos, bem como das ilusões ou dos logros
derivados do desenvolvimento dos sistemas materialistas de
pensamento e de vida, permanece
a certeza cristã de
que o Espírito sopra onde quer, de que nós possuímos «as
primícias do Espírito» e de que, por consequência, poderemos
ter de sujeitar-nos aos sofrimentos do tempo que passa, mas «gememos
em nós mesmos aguardando... a redenção do nosso corpo». 244 ou
seja, de todo o nosso ser humano, que é corporal e
espiritual. Sim, gememos, mas numa expectativa carregada de
esperança indefectível, porque Deus, que é Espírito, se
aproximou precisamente deste ser humano. Deus Pai enviou «o
próprio Filho em carne semelhante à carne pecadora e, para
expiar o pecado, condenou o pecado na carne». 245 No
ponto culminante do mistério pascal, o Filho de Deus, feito
homem e crucificado pelos pecados do mundo, apresentou-se no
meio dos Apóstolos, após a Ressurreição, soprou sobre eles e
disse: «Recebei o Espírito Santo». Este
«sopro» continua sempre. E assim «o Espírito vem em auxílio
da nossa fraqueza». 246
4. O
Espírito Santo no fortalecimento do «homem interior»
58. O
mistério da Ressurreição e do Pentecostes é anunciado e
vivido pela Igreja, herdeira e continuadora do testemunho
dos Apóstolos acerca da Ressurreição de Jesus Cristo. Ela é
a testemunha permanente desta vitória sobre a morte, que
revelou o poder do Espírito Santo e determinou a sua nova
vinda, a sua nova presença nos homens e no mundo. Com
efeito, na Ressurreição de Cristo, o Espírito
Santo-Paráclito revelou-se sobretudo como aquele que dá a
vida: «Aquele que ressuscitou Cristo dos mortos vivificará
também os vossos corpos mortais, por meio do seu Espírito,
que habita em vós». 247 Em
nome da Ressurreição de Cristo, a Igreja anuncia a vida, que
se manifestou para além das fronteiras da morte, a vida que
é mais forte que a morte. Ao mesmo tempo, ela anuncia aquele
que dá esta vida: o Espírito vivificante; anuncia-o e
coopera com ele para dar a vida. Na verdade, «embora o...
corpo esteja morto por causa do pecado.... o espírito está
vivo por causa da justificação», 248 operada
por Cristo Crucificado e Ressuscitado. Em nome da
Ressurreição de Cristo, a Igreja põe-se ao serviço da vida
que provém do próprio Deus, em estreita união com o Espírito
e em humilde cooperação com Ele.
Em
razão precisamente desse serviço o homem
torna-se de maneira sempre nova o «caminho da Igreja», como
já tive ocasião de dizer na Encíclica sobre Cristo Redentor 249 e
repito agora nesta sobre o Espírito Santo. A Igreja, unida
ao Espírito Santo, está cônscia, mais do que ninguém, do
homem interior, dos traços que no homem são mais
profundos e essenciais, porque
espirituais e incorruptíveis. É a este nível que o
Espírito enxerta a «raiz da imortalidade», 250 da
qual desponta a vida nova, ou seja, a vida do homem em Deus,
que, como fruto da divina autocomunicação salvífica no
Espírito Santo, só pode desenvolver-se e consolidar-se sob a
acção do mesmo Espírito. Por isso, o Apóstolo dirige-se a
Deus em favor dos fiéis, a quem declara: «Dobro os joelhos
diante do Pai ... que Ele vos conceda... que sejais
poderosamente corroborados, pelo seu Espírito, na vitalidade
do homem interior». 251
Sob a
influência do Espírito Santo, este homem interior, quer
dizer «espiritual», amadurece e fortalece-se. Graças à
comunicação divina, o espírito humano que «conhece os
segredos do homem» encontra-se com o «Espírito que perscruta
as profundezas do próprio Deus». 252 E neste
Espírito, que é o Dom eterno, Deus
uno e trino abre-se ao homem, ao espírito humano. O
sopro recôndito do Espírito divino faz com que o espírito
humano, por sua vez se abra, diante de Deus que se abre para
ele, com desígnio salvífico e santificante. Pelo dom da
graça, que vem do Espírito Santo, o homem entra «numa vida
nova», é introduzido na realidade sobrenatural da própria
vida divina e torna-se «habitação do Espírito Santo»,
«templo vivo de Deus». 253 Com
efeito, pelo Espírito Santo, o Pai e o Filho vêm a ele e
fazem nele a sua morada. 254 Na
comunhão de graça com a Santíssíma Trindade dilata-se «o
espaço vital» do homem, elevado ao nível sobrenatural da
vida divina. O homem vive em Deus e de Deus, vive
«segundo o Espírito» e «ocupa-se das coisas do Espírito».
59. A
íntima relação com Deus, no Espírito Santo, faz com que o
homem também se compreenda de uma maneira nova a si mesmo a
à sua própria humanidade. É realizada, assim, plenamente,
aquela imagem e semelhança de Deus, que o homem é desde o
princípio. 255 Esta
verdade íntima do homem deve ser continuamente redescoberta
à luz de Cristo, que é o protótipo da relação com Deus; e,
na mesma verdade, deve ser igualmente redescoberta a razão
de o homem não poder «encontrar-se plenamente a não ser no
dom sincero de si mesmo», ao conviver com os outros homens,
como escreve o Concílio Vaticano II; isso acontece
justamente por motivo da semelhança com Deus, a qual «torna
manifesto que o homem, é a única criatura sobre a terra a
ser querida por Deus por si mesma», com a sua dignidade de
pessoa, mas também com a sua abertura à integração e à
comunhão com os outros. 256 O
conhecimento efectivo e a realização plena desta verdade do
ser dão-se só
por obra do Espírito Santo. O homem aprende esta verdade
de Jesus Cristo e põe-na em prática na própria vida por obra
do Espírito Santo, que Ele nos deu.
Neste
caminho — no caminho de um amadurecimento interior assim,
que inclui a descoberta plena do sentido da humanidade —
Deus torna-se íntimo ao homem e penetra, cada vez mais
profundamente, em todo o mundo humano. Deus
uno e trino, que «existe» em si mesmo como realidade
transcendente de Dom interpessoal, ao
comunicar-se no Espírito Santo como dom ao homem, transforma
o mundo humano, a partir de dentro, a partir do interior
dos corações e das consciências. Neste caminho, o mundo,
participante do Dom divino, torna-se — como ensina o
Concílio — «cada vez mais humano, cada vez mais
profundamente humano», 257
ao mesmo tempo que, nele, vai amadurecendo, através dos
corações e das consciências dos homens, o Reino no qual Deus
será definitivamente «tudo em todos», 258 como
Dom e como Amor. Dom e Amor: é esta a eterna potência do
abrir-se de Deus uno e trino ao homem e ao mundo, no
Espírito Santo.
Na
perspectiva do ano 2000 depois
do nascimento de Cristo, importa conseguir que um número
cada vez maior de homens «possam encontrar-se plenamente...
através do dom sincero de si». Trata-se, pois, de fazer com
que, sob a acção do Espírito-Paráclito, se realize, no nosso
mundo, um processo de verdadeiro amadurecimento na
humanidade, na vida individual e na vida comunitária; foi em
ordem a isso que o próprio Jesus, «quando pedia ao Pai "que
todos sejam um, como eu e tu somos um" (Jo 17,
21-22) ... nos sugeriu que existe uma certa semelhança entre
a união das pessoas divinas e a união dos filhos
de Deus na verdade e na caridade». 259 O
Concílio insiste nesta verdade sobre o homem; e a Igreja vê
nela uma indicação particularmente vigorosa e determinante
das próprias tarefas apostólicas. Sendo o homem, de facto,
«o caminho da Igreja», este caminho passa através de todo o
mistério de Cristo, modelo divino do homem. Neste caminho, o
Espírito Santo, consolidando em cada um de nós «o homem
interior», faz com que o homem cada vez mais «se encontre
plenamente através do dom sincero de si». Pode afirmar-se
que nestas palavras da Constituição pastoral do Concílio
está resumida toda
a antropologia cristã: a teoria e a prática
fundamentadas no Evangelho, onde o homem, descobrindo em si
mesmo a pertença a Cristo e, n'Ele, a própria elevação à
dignidade de «filho de Deus», compreende melhor também a sua
dignidade de homem, precisamente porque é o sujeito da
aproximação e da presença de Deus, o sujeito da
condescendência divina, na qual está incluída a perspectiva
e até mesmo a própria raiz da glorificação definitiva. Então
pode repetir-se, com verdade, que é «glória de Deus o homem
que vive, mas a vida do homem é a visão de Deus»: 260 o
homem, ao viver uma vida divina, é a glória de Deus; e o
dispensador escondido desta vida e desta glória é o Espírito
Santo. Ele — afirma o grande Basílio — «simples na sua
essência, mas manifestando multiformemente a sua virtude...
difunde-se, sem sofrer diminuição alguma, e está presente a
cada um daqueles que o podem receber, como se existisse só
ele, ao mesmo tempo que infunde em todos a graça em
plenitude». 261
60.
Quando os homens descobrem, sob a influência do Paráclito,
esta dimensão divina do seu ser e da sua vida, quer como
pessoas quer como comunidades, estão em condições de libertar-se
dos diversos determinismos, que resultam principalmente
das bases materialistas do pensamento, da práxis e da sua
relativa metodologia. Na nossa época, estes factores
conseguiram penetrar até ao mais íntimo do homem, naquele
santuário da consciência, onde o Espírito Santo
continuamente faz entrar a luz e a força da vida nova
segundo a «liberdade dos filhos de Deus». O amadurecimento
do homem nesta vida nova é impedido pelos condicionamentos e
pressões, que exercem sobre ele as estruturas e os
mecanismos dominantes nos diversos sectores da sociedade.
Pode dizer-se que, em muitos casos, os factores sociais, em
vez de favorecerem o desenvolvimento e a expansão do
espírito humano, acabam por arrancá-lo à genuína verdade do
seu ser e da sua vida — sobre a qual vela o Espírito Santo —
para o sujeitar ao «príncipe deste mundo».
O
grande Jubileu do ano 2000 contém, pois, uma mensagem de
libertação por obra do Espírito Santo, o único que pode
ajudar as pessoas e as comunidades a libertarem-se dos
antigos e dos novos determinismos — guiando-as com a «lei do
Espírito que dá a vida em Cristo Jesus» 262 —
descobrindo e actuando, deste modo, a medida plena da
verdadeira liberdade do homem. Com efeito, — como escreve
São Paulo — «onde está o espírito do Senhor, aí há
liberdade». 263 Esta
revelação da liberdade e, por conseguinte, da verdadeira
dignidade do homem, adquire uma particular eloquência para
os cristãos e para a Igreja em situações de perseguição —
quer em tempos passados quer actualmente: porque as
testemunhas da Verdade divina, neste caso, tornam-se uma
comprovação viva da acção do Espírito da verdade, presente
no coração e na consciência dos fiéis; e, não poucas vezes,
selam com o próprio martírio a suprema glorificação da
dignidade humana.
Mesmo
nas condições normais da sociedade, os cristãos, quando testemunhas
da autêntica dignidade do homem, contribuem, pela sua
obediência ao Espírito Santo para a multiforme «renovação da
face da terra», colaborando com os seus irmãos em ordem à
realização e valorização de tudo o que é bom, nobre e belo 264 no
progresso actual da civilização, da cultura, da ciência, da
técnica e dos outros sectores do pensamento e da actividade
humana. E fazem-no como discípulos de Cristo, o qual —
escreve ainda o Concílio — «constituído Senhor pel a sua
ressurreição... actua no coração dos homens pela
virtude do seu Espírito, não só suscitando neles o
desejo do mundo futuro, mas, por isso mesmo, inspirando,
purificando e fortalecendo também as generosas aspirações
com as quais a família humana procura tornar mais humana a
própria vida e, para esse fim, submeter toda a terra». 265 Assim,
eles afirmam ainda mais a grandeza do homem, criado à imagem
e semelhança de Deus, grandeza que é iluminada pelo mistério
da Incarnação do Filho de Deus; este, na «plenitude dos
tempos», por obra do Espírito Santo, entrou na história e
manifestou-se verdadeiro homem: Ele, «gerado antes de toda a
criatura» e «por meio do qual existem todas as coisas e nós
igualmente existimos».266
5. A
Igreja, sacramento da íntima união com Deus
61.
Aproximando-se o final do segundo Milénio, que deve recordar
a todos e como que tornar de novo presente o advento do
Verbo quando chegou a «plenitude dos tempos», a
Igreja, uma vez mais, deseja
penetrar na
própria essência da
sua constituição
divino-humana e
da sua missão,
que lhe permite participar na missão messiânica de Cristo,
conforme o ensino e o projecto, que permanecem válidos, do
Concílio Vaticano II. Nesta mesma linha, podemos remontar
até ao Cenáculo, onde Jesus Cristo revela o Espírito Santo
como Paráclito, como Espírito da verdade, e fala da sua
própria «partida», mediante a Cruz, como condição necessária
para a «vinda» do mesmo Espírito. «É melhor para vós que eu
vá, porque se eu não for, o Consolador não virá a vós; mas,
se eu partir, enviar-vo-lo-ei». 267 Vimos
que este anúncio teve a sua primeira realização já na tarde
do dia de Páscoa e, em seguida, durante a celebração do
Pentecostes em Jerusalém: desde então para cá, ele continua
a realizar-se mediante a Igreja, na história da humanidade.
A luz
deste anúncio adquire pleno significado também o que
Jesus disse, ainda no decorrer da última Ceia, a
propósito da
sua nova «vinda». É
significativo, de facto, que Ele anuncie, no mesmo discurso
do adeus, não só a sua partida, mas também a sua nova vinda.
Diz exactamente: «Não vos deixarei órfãos; voltarei
para junto de vós». 268 E
no momento da despedida definitiva, antes de subir ao céu,
repetirá, de uma forma ainda mais explícita: «E eis que eu
estou convosco»; e estou «todos os dias, até ao fim do
mundo». 269 Esta
nova «vinda» de Cristo — este seu vir continuamente para
estar com os Apóstolos, com a Igreja, este seu «estou
convosco até ao fim do mundo» — não modifica, certamente, o
facto da sua «partida»; segue-se a ela, depois de concluída
a missão messiânica do mesmo Cristo na terra; e dá-se no
âmbito do
preanunciado envio
do Espírito Santoe inscreve-se, por assim dizer, no
íntimo da sua própria missão. No entanto, realiza-se por
obra do Espírito Santo, o qual faz com que Cristo, que
partiu, venha agora e sempre de uma maneira nova. Este
voltar de Cristo, por obra do Espírito Santo, e a sua
constante presença e acção na vida espiritual actualizam-se na
realidade sacramental. Nesta realidade, Cristo, que
partiu na sua humanidade visível, vem, está presente e actua
na Igreja de uma forma tão íntima, que faz dela o seu Corpo.
E como tal, a Igreja vive, opera e cresce «até ao fim do
mundo». E tudo isto se realiza por obra do Espírito Santo.
62. A
expressão sacramental mais completa da «partida» de Cristo,
por meio do mistério da Cruz e da Ressurreição, é a
Eucaristia. Nela, todas as vezes que é celebrada,
realiza-se sacramentalmente, a sua vinda, a sua presença
salvífica: no Sacrifício e na Comunhão. Realiza-se por obra
do Espírito Santo e no ambito da sua própria missão. 270 Mediante
a Eucaristia, o Espírito
Santo leva a efeito aquele «fortalecimento do homem
interior», de
que fala a Epístola
aos Efésios. 271 Mediante
a Eucaristia, as pessoas e as comunidades, sob a acção do
Paráclito-Consolador, aprendem a descobrir o sentido divino
da vida humana, lembrado pelo Concílio Vaticano II: aquele
sentido, pelo qual Jesus Cristo «revela plenamente o homem
ao próprio homem», sugerindo «uma certa semelhança entre
a união das pessoas divinas e
a união dos
filhos de Deus na
verdade e na caridade». 272 Tal
união exprime-se e realiza-se, de modo particular, mediante
a Eucaristia, na qual o homem, participando no sacrifício de
Cristo, que a celebração actualiza, aprende também a
«encontrar-se ... no dom ... de si», 273 na
comunhão com Deus e com os outros homens, seus irmãos.
Por
isso, os primeiros cristãos, desde aqueles dias que se
seguiram à descida do Espírito Santo, «eram assíduos à
fracção do pão e à oração», formando assim uma comunidade
unida no ensino dos Apóstolos.274 «Reconheciam»,
desse modo, que o seu Senhor Ressuscitado, que já subira aos
céus, voltava ao meio deles, na
comunidade eucarística da
Igreja e por
meio dela.. Guiada pelo Espírito Santo, a Igreja, desde
os inícios, exprimiu-se e confirmou-se a
si mesma mediante a Eucaristia. E assim foi sempre, em todas
as gerações cristãs, até aos nossos dias, até a esta vigília
do completamento do segundo Milénio cristão. É certo que
temos de verificar, infelizmente, que este último Milénio
decorrido foi o Milénio das grandes separações entre os
cristãos. Por isso, todos aqueles que crêem em Cristo, a
exemplo dos Apóstolos, deverão pôr todo o empenho em
conformar o pensamento e as obras à vontade do Espírito
Santo, «princípio de unidade da Igreja»,275 a
fim de que todos os baptizados num só Espírito para
constituir um só corpo se redescubram irmãos, unidos na
celebração da mesma Eucaristia, «sacramento de piedade,
sinal de unidade, vínculo de caridade». 276
63. A
presença eucarística de Cristo — o seu sacramental «eu estou
convosco» — permite à Igreja descobrir, cada vez mais
profundamente o próprio
mistério, como atesta toda a eclesiologia do Concílio
Vaticano II, segundo o qual «a Igreja é em Cristo como que o
sacramento, ou sinal, e o instrumento da íntima união com
Deus e da unidade de todo o género humano». 277 Como
sacramento, a Igreja desenvolve-se sobre o fundamento do
mistério pascal da «partida» de Cristo, vivendo da sua
«vinda» sempre nova por obra do Espírito Santo, que vai
realizando a sua missão de Paráclito-Espírito da verdade. É
este precisamente o mistério essencial da Igreja, como
professa o Concílio.
Se em
virtude da criação, Deus é Aquele em que todos nós «vivemos,
nos movemos e existimos»,278 o poder
da Redenção, por sua vez, perdura e desenvolve-se na
história do homem e do mundo como que num duplo ritmo, cuja
fonte se encontra no Pai eterno. Por um lado, é o «ritmo» da
missão do Filho, que veio ao mundo, nascendo de Maria
Virgem por obra do Espírito Santo; por outro lado, é também
o «ritmo» da
missão do Espírito Santo, tal como foi revelado
definitivamente por Cristo. Por causa da «partida» do Filho,
o Espírito Santo veio e vem continuamente como Consolador e
Espírito da verdade. No âmbito da sua missão, como que no
íntimo da presença invisível do Espírito, o Filho, que
«partira» no mistério pascal, «vem» e está continuamente presente
no mistério da Igreja; e ora se oculta, ora se manifesta
na sua história, mas sem deixar de conduzir sempre o seu
curso. Tudo isto acontece, de maneira sacramental, por obra
do Espírito Santo, o qual, indo haurir das riquezas da
Redenção de Cristo, continuamente dá a vida. Tomando
consciência cada vez mais viva deste mistério, a Igreja
apreende melhor a sua identidade, sobretudo como sacramento.
Assim
acontece também porque, por vontade do seu Senhor, a Igreja
desempenha o
seuministério salvífico para
com o homem por meio dos diversos Sacramentos. O ministério
sacramental, todas as vezes que é realizado, comporta em si
o mistério da «partida» de Cristo mediante a Cruz e a
Ressurreição, em virtude da qu al vem o Espírito Santo. Vem
e actua: «dá a vida». Os Sacramentos, de facto, significam a
graça e conferem a graça: exprimem
a vida e dão a vida. A Igreja é a dispensadora
visível dos
sinais sagrados, enquanto o Espírito Santo age nos mesmos
como o dispensador invisível da vida que eles significam. Em
união com o Espírito está presente e age Cristo Jesus.
64. Se
a Igreja é «o sacramento da íntima união com Deus», ela é
tal em Jesus Cristo, em quem esta mesma união se actua como realidade
salvífica. Ela é tal em Jesus Cristo, por obra do
Espírito Santo. A plenitude da realidade salvífica, que é
Cristo na história, difunde-se,
de modo sacramental,pelo poder do Espírito Paráclito.
Neste sentido o Espírito Santo é o «outro Consolador», o
novo Consolador, uma vez que, pela sua acção, a Boa Nova
toma corpo nas consciências e nos corações humanos e
expande-se na história. Em tudo isto, é o Espírito Santo que
dá a vida.
Quando
empregamos a palavra «sacramento» em referência à Igreja,
devemos ter presente que a sacramentalidade da Igreja,
no texto conciliar, aparece distinta daquela que é própria
dos Sacramentos em sentido estrito. Lemos, efectivamente: «A
Igreja é ... como
que um sacramento, ou sinal, e instrumento da íntima
união com Deus». Mas o que conta e emerge do sentido
analógico em que a palavra é empregada nos dois casos é a
relação que a Igreja tem com o poder do Espírito Santo, que
é o único que dá a vida: a Igreja é sinal e instrumento da
presença e da acção do Espírito vivificante.
O
Vaticano II acrescenta que a Igreja é «um sacramento
... da unidade de todo o género humano». Trata-se,
evidentemente, da unidade que o género humano — em si mesmo
diferenciado de muitos modos — tem de Deus
e em Deus. Ela radica-se no
mistério da criação e adquire uma dimensão nova no mistério
da Redenção, em ordem à salvação universal. Dado que Deus
quer «que todos os homens se salvem e cheguem ao
conhecimento da verdade», 279 a
Redenção compreende todos os homens e, de certo modo, toda a
criação. Nesta
mesma dimensão universal da
salvação, o Espírito Santo actua, em virtude da «partida» de
Cristo. Por isso, a Igreja, radicada mediante o seu próprio
mistério na economia trinitária da salvação, com toda a
razão se compreende a si mesma como «sacramento da unidade
de todo o género humano». Ela tem consciência de o ser pelo
poder do Espírito Santo, de que ela é sinal e instrumento na
actuação do plano salvífico de Deus.
Deste
modo se
realiza a «condescendência» do
Amor infinito da Santíssima Trindade: Deus, Espírito
invisível, aproxima-se do mundo visível. Deus uno e trino
comunica-se ao homem no Espírito Santo, desde o princípio,
graças à sua «imagem e semelhança». Sob a acção do mesmo
Espírito, ohomem e,
por intermédio dele, o mundo
criado, redimido por Cristo, aproximam-se
dos seus destinos definitivos em Deus.
A Igreja é «o sacramento, ou sinal, e o instrumento» desta
aproximação dos dois pólos da criação e da Redenção, Deus e
o homem. A mesma Igreja opera nos sentido de restabelecer e
fortalecer a unidade do género humano nas próprias raízes:
na relação de comunhão que o homem tem com Deus, como seu
Criador, seu Senhor e seu Redentor. É uma verdade fundada no
ensino do Concílio, que podemos meditar, explicar e aplicar,
em toda a amplitude do seu significado , neste período da
passagem do segundo para o terceiro Milénio cristão. É grato
para nós tomar consciência cada vez mais viva do facto de
que, dentro da acção desenvolvida pela Igreja na história da
salvação, inscrita na história da humanidade, está presente
e a agir o Espírito Santo, Aquele que anima com o sopro da
vida divina, a peregrinação terrena do homem e faz convergir
toda a criação, toda a história, para o seu termo último, no
oceano infinito de Deus.
6. «O
Espírito e a Esposa dizem: "Vem!"»
65. O
sopro da vida divina, o Espírito Santo, exprime-se e faz-se
ouvir, da forma mais simples e comum, na
oração. É belo e salutar pensar que, onde quer que no
mundo se reze, aí está presente o Espírito Santo sopro vital
da oração. É belo e salutar reconhecer que, se a oração se
encontra difundida por todo o universo, igualmente difundida
é a presença e a acção do Espírito Santo, que «insufla» a
oração no coração do homem em toda a gama incomensurável das
mais diversas situações e das condições, umas vezes
favoráveis, outras vezes contrárias à vida espiritual e
religiosa. Em muitos casos, sob a acção do Espírito, a
oração sobe do coração do homem, apesar das proibições e das
perseguições, e mesmo malgrado as proclamações oficiais,
afirmando o carácter religioso ou até ateu na vida pública!
A oração continua a ser sempre a voz de todos os que
aparentemente não têm voz; e nesta voz ecoa, sem cessar,
aquele «forte clamor» atribuído a Cristo pela Epístola
aos Hebreus. 280 A
oração é também a revelação
do abismo que
é o coração do homem: uma profundidade que vem
de Deus e que somente
Deus pode preencher, precisamente pelo Espírito Santo!
Lemos em São Lucas: «Se vós, portanto, embora sendo maus,
sabeis oferecer coisas boas aos vossos filhos, quanto mais o
vosso Pai celeste dará o Espírito Santo àqueles que lho
pedirem!». 281
O
Espírito Santo é o Dom, que vem ao coração do homem ao
mesmo tempo que a oração. Na
oração Ele manifesta-se, antes de mais e acima de tudo, como
o Dom, que «vem em auxílio da nossa fraqueza». É o magnífico
pensamento desenvolvido por São Paulo na Epístola
aos Romanos, quando escreve: «Nós nem sequer sabemos o
que devemos pedir como nos convém; mas o próprio Espírito
Santo intercede por nós, com gemidos inexprimíveis». 282
Assim o mesmo Espírito Santo não só nos leva a rezar, mas
também nos guia «de dentro» na oração, suprindo à nossa
insuficiência e remediando a nossa incapacidade de rezar:
está presente na nossa oração e confere-lhe a dimensão
divina. 283 «Aquele
que perscruta os corações (Deus) sabe quais são os desejos
do Espírito, porque Ele intercede pelos santos em
conformidade com Deus». 284 A
oração, por obra do Espírito Santo, torna-se a expressão
cada vez mais amadurecida do homem novo que, através dela,
participa na vida divina.
A
nossa época difícil tem particular necessidade da oração.
Se no decorrer da história, ontem como hoje, homens e
mulheres em grande número deram testemunho da importância da
oração — consagrando-se ao louvor de Deus e à vida de
oração, sobretudo nos mosteiros, com grande proveito para a
Igreja — nestes últimos anos vai crescendo também o número
das pessoas que, em movimentos e grupos cada vez mais
desenvolvidos, põem a oração em primeiro lugar e nela
procuram a renovação
da vida espiritual. Trata-se de um sintoma significativo
e consolador, uma vez que desta experiência tem derivado uma
contribuição real para a retomada da oração entre os fiéis,
os quais, desse modo, foram ajudados a melhor considerarem o
Espírito Santo como Aquele que suscita nos corações uma
profunda aspiração à santidade.
Em
muitas pessoas e em muitas comunidades amadurece a
consciência de que, mesmo com todo o progresso vertiginoso
da civilização técnico-científica e não obstante as reais
conquistas e as metas alcançadas, o homem
está ameaçado, a humanidade está ameaçada. Diante deste
perigo, e mais ainda ao experimentar a inquietude perante
uma real decadência espiritual do homem, pessoas
individualmente e comunidades inteiras, como que guiados por
um sentido interior da fé, buscam a força capaz de erguer de
novo o homem, de o salvar de si mesmo, dos seus próprios
erros e das ilusões que tornam nocivas, muitas vezes, as
suas próprias conquistas. E assim descobrem a oração, na
qual se manifesta o «Espírito que vem em auxílio da nossa
fraqueza». Deste modo, os tempos em que vivemos aproximam do
Espírito Santo muitas pessoas, que retornam à oração. E eu
confio que todas possam encontrar no ensino da presente
Encíclica alimento para a sua vida interior e consigam
fortalecer, sob a acção do Espírito Santo, o seu empenho de
oração, em consonancia com a Igreja e com o seu Magistério.
66. No
meio dos problemas, das desilusões e das esperanças, das
deserções e dos retornos desta nossa época, a
Igreja continua fiel
ao mistério do seu nascimento. Se é um facto histórico
que a Igreja saiu do Cenáculo no dia do Pentecostes, também
pode dizer-se que, em certo sentido, ela nunca o abandonou.
Espiritualmente, o acontecimento do Pentecostes não pertence
só ao passado: a Igreja está sempre no Cenáculo, que traz no
seu coração. A Igreja persevera na
oração, como os Apóstolos, juntamente com
Maria, Mãe de Cristo, e com aqueles que, em Jerusalém,
constituíam o primeiro núcleo da comunidade cristã e
aguardavam, orando, a vinda do Espírito Santo.
A
Igreja persevera na oração com Maria. Esta união da Igreja
orante com a Mãe de Cristo faz parte do mistério da mesma
Igreja, desde os seus inícios: nós vemos Maria presente
neste mistério, como está presente no mistério do seu Filho.
O Concílio no-lo diz: «A Santíssima Virgem... envolvida pela
sombra do poder do Espírito Santo ... deu à luz o Filho, que
Deus estabeleceu como primogénito entre muitos irmãos» (cf. Rom 8,
29), isto é, entre os fiéis, em cuja regeneração e formação
ela coopera com amor materno». Ela, pelas suas «graças e
funções singulares... está intimamente unida à Igreja: é
figura da Igreja». 285 «A
Igreja, contemplando a sua misteriosa santidade e imitando a
sua caridade, ... torna-se
também ela mãe»; e «à imitação da Mãe do seu Senhor,
conserva, pela graça do Espírito Santo, virginalmente
íntegra a fé, sólida a esperança, sincera a caridade: também
ela (isto é, a
Igreja) é virgem que guarda... a fé jurada ao Esposo». 286
Compreende-se, assim, o sentido profundo do motivo pelo qual
a Igreja, em união com a Virgem Maria, se volta
continuamente como Esposa para o seu divino Esposo, conforme
atestam as palavras do Apocalipse, citadas pelo Concílio: «O
Espírito Santo e a Esposa dizem ao Senhor Jesus: Vem!».287 A
oração da Igreja é esta invocação incessante, na qual o
Espírito intercede por nós: de certo modo, Ele próprio
pronuncia essa invocação com a
Igreja e na Igreja.
O Espírito, de facto, é dado à Igreja, a fim de que, pelo
seu poder, toda a comunidade do Povo de Deus, por mais
ramificada que seja na sua diversidade, se mantenha na
esperança: naquela esperança em que já «fomos salvos».288 É
a esperança
escatológica, a esperança da realização definitiva em
Deus, a esperança do Reino eterno, que se actua pela
participação na vida trinitária. O Espírito Santo, concedido
aos Apóstolos como Consolador, é
o guarda e o animador desta esperança no coração da Igreja.
Na
perspectiva do terceiro Milénio depois de Cristo, quando «o
Espírito e a Esposa dizem ao Senhor Jesus: Vem!», esta sua
oração, como sempre, reveste-se de um denso alcance
escatológico, destinado a dar também plenitude de sentido à
celebração do grande Jubileu. É uma oração voltada para os
destinos salvíficos, para os quais o Espírito Santo abre os
corações com a sua acção, ao longo de toda a história do
homem sobre a terra. Ao mesmo tempo, porém, esta
oração orienta-se para um preciso momento da história,
em que é posta em relevo a nova «plenitude dos tempos»,
momento que soará no ano 2000. A Igreja tenciona preparar-se para
esse Jubileu no
Espírito Santo, tal como, pelo Espírito Santo foi
preparada a Virgem de Nazaré, em quem o Verbo se fez carne.
CONCLUSÃO
67.
Queremos concluir estas considerações situando-nos no
coração da Igreja e no coração do homem. O caminho da Igreja
passa através do coração do homem, porque nele está o lugar
recôndito do encontro
salvífico com o Espírito Santo, com Deus escondido, e
porque exactamente aí o Espírito Santo se torna «nascente de
água que jorra para a vida eterna». 289 Ele
chega aí, ao coração do homem, como Espírito da verdade e
como Consolador,
Intercessor e Advogado —
especialmente quando o homem, ou a humanidade, se encontra
diante do juizo de condenação do «acusador», acerca do qual
no Apocalipse se
afirma que «acusa os nossos irmãos na presença do nosso Deus
dia e noite». 290 O
Espírito Santo não cessa nunca de ser o guarda
da esperança no
coração do homem: da esperança de todas as criaturas
humanas, e especialmente daquelas que «possuem as primícias
do Espírito», e «aguardam a redenção do seu corpo». 291
O
Espírito Santo, na sua misteriosa ligação de divina comunhão
com o Redentor do homem, é Quem dá continuidade à sua obra:
Ele recebe do que é de Cristo e transmite-o a todos,
entrando incessantemente na história do mundo através do
coração do homem. É aí que ele se torna — como proclama a
Sequência litúrgica da Solenidade do Pentecostes —
verdadeiro «pai
dos pobres, distribuidor dos dons e luz dos corações»; torna-se:
«hóspede amável das almas», que a Igreja saúda, sem cessar,
no limiar da intimidade de cada homem. Ele, efectivamente,
traz «descanso e refrigério» no meio dos esforços, do
trabalho dos braços e das mentes humanas; traz «descanso» e
«alívio» nas horas de calor ardente do dia, no meio das
preocupações, das lutas e dos perigos de todas as épocas; e
traz, por fim, a «consolação», quando o coração humano chora
e é tentado pelo desespero.
Por
isso, a mesma Sequência litúrgica exclama: «Sem a tua
potência divina nada
há no homem, nada que seja inocente». Só o Espírito
Santo, de facto, «convence do pecado», do mal, com o
objectivo de restabelecer o bem no homem e no mundo humano:
para «renovar a face da terra». Por isso, Ele realiza a
purificação de tudo o que «deturpa» o homem, de «tudo o que
é sórdido»; cura as feridas mesmo as mais profundas da
existência humana; transforma a aridez interior das almas em
campos férteis de graça e de santidade. O que é «duro —
abranda-o», o que é «frio — aquece-o», o que está
«desencaminhado - reconduze-o aos caminhos da salvação». 292
Rezando assim, a Igreja professa sem cessar a sua fé: há
no nosso mundo criado um Espírito, que é um Dom incriado.
É o Espírito do Pai e do Filho: como o Pai e o Filho, Ele é
incriado, imenso, eterno, omnipotente, Deus e Senhor. 293 Este
Espírito de Deus «enche o universo», e tudo o que é criado
reconhece nele a fonte da própria identidade e nele encontra
a própria expressão trancendente, a ele se
dirige e espera-o e invoca-o com
todo o seu ser. Para ele se volta, como Paráclito, Espírito
da verdade e do amor, o homem
que vive de verdade e de amor e
que, sem a fonte da verdade e do amor, não
pode viver. Para ele se volta a Igreja, que é o coração
da humanidade, a fim de invocar para todos e a todos
dispensar aqueles dons do Amor,
que por meio dele «foi derramado nos nossos corações». 294 Para
ele se volta a Igreja ao longo dos caminhos escarpados da
peregrinação do homem sobre a terra: e pede, pede
incessantemente a rectidão dos
actos humanos, como
sua obra; pede a alegria e
a consolação, que só ele, verdadeiro consolador, pode trazer
descendo ao mais profundo dos corações humanos; 295 pede a
graça das virtudes, que são merecedoras da glória
celeste, pede a salvação
eterna, na comunicação plena da vida divina, à qual o
Pai eternamente «predestinou» os homens, criados por amor à
imagem e semelhança da Santíssima Trindade.
A
Igreja, com o seu coração, que inclui em si todos os
corações humanos, pede ao Espírito Santo a felicidade que só
em Deus tem a sua completa realização: a alegria que
«ninguém pode tirar», 296 a
alegria que é fruto
do amor e,
portanto, de Deus que «é Amor»; pede «a justiça, a paz e a
alegria no Espírito Santo», nas quais, segundo São Paulo,
consiste o «Reino de Deus». 297
Também
a paz é fruto
do amor: a paz interior, que o homem afadigado procura
no íntimo do seu ser; a paz que a humanidade, a família
humana, os povos, as nações, os continentes pedem com
trepidante esperança de obtê-la, na perspectiva da passagem
do segundo ao terceiro Milénio cristão. Uma vez que o caminho
da paz passa, afinal, através do amor, e tende a criar
uma civilização do amor, a Igreja fixa o olhar naquele que é
o Amor do Pai e do Filho e, não obstante as ameaças
crescentes, não cessa de ter confiança, não deixa de
invocar e de servir a paz do homem sobre a terra. A sua
confiança fundamenta-se naquele que, sendo o Espírito-Amor,
é também o Espírito
da paz, e não cessa de estar presente no nosso mundo
humano, no horizonte das consciências e dos corações
humanos, para «encher o universo» de amor e de paz.
Diante
dele ajoelho-me, no final destas considerações, implorando
que, como Espírito do Pai e do Filho, nos conceda a todos a
bênção e a graça, que desejo transmitir, em nome da
Santíssima Trindade, aos filhos e filhas da Igreja e a toda
a família humana.
Dado
em Roma, junto de São Pedro, a 18 de Maio, Solenidade do
Pentecostes, do ano de 1986, oitavo ano do meu Pontificado.
IOANNES PAULUS PP. II
www.obradoespiritosanto.com
1 Jo 7,
37 s.
2 Jo 7,
39.
3 Jo 4,
14; Cf. CONC. ECUM. VAT. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen
gentium, 4.
4 Cf. Jo 3,
5.
5 Cf. LEÃO
XIII, Encíclica Divinum
illud munus (9
de Maio de 1897): Acta
Leonis, 17
(1898), PP. 125-148; PIO XII, Encíclica Mystici
Corporis(29 de Junho de 1943): AAS 35
(1943), PP. 193-248.
6 Audiência
Geral de 6 de Junho de 1973: Insegnamenti
di Paolo VI, XI (1973), P. 477.
7 Missal
Romano; e Cf. 2 Cor 13,
13.
8 Jo 3,
17.
9 Flp 2,
11.
10 Cf. CONC.
ECUM. VAT. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen
gentium, 4; JOÃO PAULO II, Alocução
aos participantes no Congresso Internacional de
Pneumatologia (26
de Março de 1982), 1: Insegnamenti
V/1 (1982),
P. 1004.
11 Cf. Jo 4,
24.
12 Cf. Rom 8,
22; Gál 6,
15.
13 Cf. Mt 24,
35.
14 Jo 4,
14.
15 CONC.
ECUM. VAT. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen
gentium, 17.
16 allon
paràcleton Jo 14,
16.
17 Jo 14,
13. 16 s.
18 Cf
1 Jo 2,
1.
19 Jo 14,
26.
20 Jo 15,
26 s.
21 Cf.
1 Jo 1,
1-3; 4, 14
22 «As
verdades reveladas por Deus, que estão contidas ou espressas
nos livros da Sagrada Escritura, foram escritas por
inspiração do Espírito Santo»; e portanto, a Sagrada
Escritura deve ser «lida e interpretada com o auxílio do
mesmo Espírito, mediante o qual foi escrita»: CONC. ECUM.
VAT II, Const. dogm. sobre a Divina Revelação Dei
Verbum, 11. 12.
23 Jo 16,
12 s.
24. Act 1,
1.
25 Jo 16,
14.
26 Jo 16,
15.
27 Jo 16,
7 s.
28 Jo 15,
26.
29 Jo 14,
16.
30 Jo 14,
26.
31 Jo 15,
26.
32 Jo 14,
16.
33 Jo,
16, 7.
34 Cf. Jo 3,
16s., 34; 6, 57; 17, 3. 18. 23.
35 Mt 28,
19.
36 Cf. 1 Jo 4,
8. 16.
37 1 Cor 2,
10.
38 Cf. S.
TOMÁS DE AQUINO, Summa
Theol. Ia,
qq. 37-38.
39 Rom 5,
5.
40 Jo 16,
14.
41 Gén 1,
1 s.
42 Gén 1,
26.
43 Rom 8,
19-22.
44 Jo 16,
7.
45 Gál 4,
6; cf. Rom 8,
15.
46 Cf. Gál 4,
6; Flp 1,
19; Rom 8,
11.
47 Cf. Jo 16,
6.
48 Cf. Jo 16,
20.
49 Cf. Jo 16,
7.
50 Act 10,
37 s.
51 Cf. Lc 4,
16-21; 3, 16; 4, 14; Mc 1,
10.
52 Is 11,
1-3.
53 Is 61,
1 s.
54 Is 48,
16.
55 Is 42,1.
56 Cf. Is 53,
5-6. 8.
57 Is 42,
1.
58.Is 42,
6.
59 Is 49,
6.
60 Is 59,
21.
61 Cf. Lc 2,
25-35.
62 Cf. Lc 1,
35.
63 Cf. Lc 2,
19. 51
64 Cf. Lc 4,
16-21; Is 61,
1 s.
65 Lc 3,
16; cf. Mt 3,
11; Mc 1,
7s.; Jo 1,
33.
66 Jo 1,
29.
67 Cf. Jo 1,
33 s.
68 Lc 3,
21 s.; cf. Mt 3,
16; Mc 1,
10.
69 Mt 3,
17.
70 Cf. S.
BASÍLIO, De
Spiritu Sancto, XVI, 39: PG 32, 139.
71 Act 1,
1.
72 Cf. Lc 4,
1.
73 Cf. Lc 10,
17-20.
74 Lc 10,
21; cf. Mt 11,
25 s.
75 Lc 10,
22; cf. Mt 11,
27.
76 Mt 3,
11; Lc 3,
16.
77 Jo 16,
13.
78 Jo 16,
14.
79 Jo 16,
15.
80 Cf. Jo 14,
26; 15, 26.
81 Jo 3,
16.
82 Rom 1,
3 s.
83 Ez 36,
26 s.; Cf. Jo 7,
37-39; 19, 34.
84 Jo 16,
7.
85 Cf. S.
CIRILO DE ALEXANDRIA, In
Joannis Evangelium, lib. V, cap. II: PG 73, 755.
86 Jo 20,
19-22.
87 Cf. Jo 19,
30
88 Cf. Rom 1,
4.
89 Cf Jo 16,
20.
90 Jo 16,
7.
91 Jo 16,
15.
92 CONC.
ECUM. VAT. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen
gentium, 4.
93 Jo 15,
26 s.
94 Decreto
sobre a actividade missionária da Igreja Ad
Gentes, 4.
95 Cf. Act 1,
14.
96 Const.
dogm. sobre a Igreja Lumen
gentium, 4. Há toda uma tradição patrística e teológica
quanto à união íntima entre o Espírito Santo e a Igreja;
esta união é apresentada algumas vezes sob a analogia da
relação existente entre a alma e o corpo do homem: cf. S.
IRENEU, Adversus
haereses, III, 24, 1. SC 221, pp. 470-474; S. AGOSTINHO, Sermo 267,
4, 4: PL 38, 1231; Sermo 268,
2: PL 38, 1232; In
Johannis evangelium tractatus, XXV, 13; XXVII, 6: CCL
36, 266, 272 s.; S. GREGÓRIO MAGNO, In
septem psalmos poenitentiales expositio, psal. V, 1: PL
79, 602; DIDIMO DE ALEXANDRIA, De
Trinitate, II, 1: PG 39, 449 s.; S. ATANÁSIO, Oratio
III contra Arianos, 22, 23, 24: PG 39, 368 s., 372 s.;
S. JOÃO CRISÓSTOMO, In
Epistolam ad Ephesios, Homil. IX, 3: PG 62, 72 s. SANTO
TOMÁS DE AQUINO sintetizou a tradição patrística e teológica
precedente, apresentando o Espírito Santo como o « coração »
e a « alma » da Igreja: cf. Summa
Theol. III,
q. 8, a. 1, ad 3; In
symbolum Apostolorum Expositio, a. IX; In
Tertium Librum Sententiarum, Dist. XIII, q. 2, a. 2, quaestiuncula 3.
97 Cf. Apoc 2,
29; 3, 6.
13. 22.
98 Cf. Jo 12,
31; 14, 30; 16, 11.
99 Gaudium
et spes, 1.
100 Ibid., 41.
101 Ibid.,
26.
102 Cf. Jo 16,
7 s.
103 Jo 16,
7.
104 Jo 16,
8-11.
105 Cf. Jo 3,
17; 12, 47.
106 Cf. Ef 6,
12.
107 Const.
past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium
et spes, 2.
108 Cf. Ibid.,
10, 13, 27, 37, 63, 73, 79 e 80.
109 Act 2,
4.
110 Cf
5. IRENEU, Adversus
haereses III,
17, 2; SC 211, pp. 330-332.
111 Act 1,
4. 5. 8.
112 Act 2,
22-24.
113.Cf. Act 3,
14 s., 4, 10. 27s.; 7, 52, 10, 39; 13, 28s. etc.
114 Cf. Jo 3,
17; 12, 47.
115 Act 2,
36.
116 Act 2,
37 s.
117 Cf. Mc 1,
15.
118 Jo 20,
22.
119 Cf. Jo 16,
9.
120 Os 13,
li Vg; cf. 1 Cor 15,
55.
121 Cf. 1 Cor 2,
10.
122 Cf. 2 Tess 2,
7
123 Cf. 1 Tm
3, 16.
124 Cf. Reconciliatio
et Paenitentia (2
de Dezembro de 1984), nn. 19-22: AAS 77
(1985), pp. 229-233.
125 Cf. Gén 1-3.
126 Cf. Rom 5,
19; Flp 2,
8.
127 Cf. Jo 1,
1. 2. 3. 10.
128 Cf. Col 1,
15-18.
129 Cf Jo 8,
44.
130 Cf. Gén 1,
2.
131 Cf. Gén 1,
26 28- 29
132 Const.
dogm. sobre a Divina Revelação Dei
Verbum, 2.
133 Cf. 1 Cor 2,
10 s.
134 Cf. Jo 16,
11.
135 Cf. Flp 2,
8
136 Cf Gén 2,
16 s.
137 Gén 3,
5.
138 Cf. Gén. 3,
22: sobre a « árvore da Vida »; Cf. também Jo 3,
36- 4, 14; 5, 24; 6, 40. 47; 10, 28; 12, 50; 14, 6; Act 13,
48, Rom 6,
23; Gál 6,
8; 1 Tim 1,
16; Tit 1,
2; 3, 7; 1 Pdr 3,
22; 1 Jo 1,
2; 2, 25; 5, 11. 13; Apoc 2,
7.
139 Cf. S.
TOMÁS DE AQUINO, Summa
Theol. Ia-IIae, q. 80, a. 4 ad 3.
140 1 Jo 3,
8.
141 Jo 16,
11.
142 Cf. Ef 6,
12; Lc 22,
53.
143 Cf. De
Civitate Dei, XIV, 28: CCL 48, 451.
144 Const.
past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium
et spes, 36.
145 Em grego
o verbo é parakaleiu = invocar, chamar a si.
146 Cf. Gén 6,
7.
147 Gén 6,
5-7.
148 Cf. Rom 8,
20-22.
149 Cf. Mt 15,
32, Mc 8,
2.
150 Hebr 9,
13 s.
151 Jo 20,
22 s.
152 Act 10,
38.
153 Hebr 5,
7 s.
154 Hebr 9,
14
155 Cf. Lev 9,
24; 1 Rs 18,
38; 2 Crón 7,
1.
156 Cf.Jo 15,
26.
157 Jo 20,
22 s.
158 Mt 3,
11.
159 Cf Jo 3,
8
160 Jo 20,
22 5.
161 Cf.
Sequêcia Veni,
Sancte Spiritus.
162 S.
BOAVENTURA, De
septem donis Spiritus Sancti, Collatio II, 3: Ad Claras
Aquas, V, 463.
163 Mc 1,
15.
164 Cf. Hebr 9,
14.
165 Cf.
Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium
et spes, 16.
166 Cf. Gén 2,
9. 17.
167 CONC.
ECUM. VAT. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo
contemporâneo Gaudium
et spes, 16.
168 Ibid.,
27.
169 Cf. Ibid.,
13.
170 Cf. JOÃO
PAULO II, Exort. Apost. pós-sinodal Reconciliatio
et Paenitentia (2
de Dezembro de 1984), 16: AAS 77
(1985), PP. 213-217.
171 Const.
past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium
et spes, 10.
172 Cf. Rom 7,
14-15- 19.
173 Const.
past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium
et spes, 37.
174 Ibid.,
13.
175 Ibid.,
37.
176 Cf.
Sequência do Pentecostes: « Reple
cordis intima ».
177 Cf. S.
AGOSTINHO, Enarr. in
Ps. XLI, 13: CCL 38, 470: « Que espécie de abismo é este e
qual é o abismo que invoca? Se abismo quer dizer
profundidade, não pensamos nós, porventura, que o coração do
homem é um abismo? O que há, efectivamente, que seja mais
profundo do que este abismo? Os homens podem falar, podem
ser vistos através das acções que fazem com os seus membros,
podem ser ouvidos quando falam; e, no entanto, de quem
poderemos nós penetrar o pensamento, ou de quem poderemos
nós sondar o coração? ».
178 Cf. Hebr 9,
14.
179 Jo 14,
17.
180 Mt 12,
31 s.
181 Mc 3,
28 s.
182 Lc 12,
10.
183 S. TOMÁS
DE AQUINO, Summa
Theol. IIa-IIae,
q. 14, a. 3; cf. S. AGOSTINHO, Epist. 185,
11, 48-49: PL 33, 814-815; S. BOAVENTURA, Comment.
in Evan. S. Luc: cap.
XIV,
15-16: Ad Claras Aquas, VII, 314 s.
184 Cf. Sl 81
[80], 13; Jer 7,
24; Mc 3,
5.
185 JOÃO
PAULO II, Exort. Apost. pós-sinodal Reconciliatio
et Paenitentia (2
de Dezembro de 1984), n. 18 AAS (1985),
PP.224-228.
186 PIO XII,
Radiomensagem ao Congresso Catequístico Nacional dos Estados
Unidos da América, em Boston (26 de Outubro de 1946): Discorsi
e Radiomessaggi, VIII (1946), 288.
187 JOÃO
PAULO II, Exort. Apost. pós-sinodal Reconciliatio
et paenitentia (2
de Dezembro de 1984), n. 18 AAS 77
(1985), PP. 225 s.
188 1 Tes 5,
19; Ef 4, 30.
189 Cf. JOÃO
PAULO II, Exort. Apost. pós-sinodal Reconciliatio
et paenitentia (2
de Dezembro de 1984), nn. 14-22: AAS 77
(1985), pp. 211-233.
190 Cf. S.
AGOSTINHO, De
Civitate Dei, XIV, 28: CCL 48, 451.
191 Cf. Jo 16,
11.
192 Cf. Jo 16,
15.
193 Cf. Gál 4,
4.
194 Apoc 1,
8; 22, 13.
195 Jo 3,
16.
196 Gál 4,
4 s.
197 Lc 1,
34 s.
198 Mt 1,
18.
199 Mt 1
, 20 s.
200 Cf. S.
TOMÁS DE AQUINO, Summa
Theol. IIIa,
q. 2, aa. 10, 12 q.6, a.6; q. 7, a. 13.
201 Lc 1,
38.
202 Jo 1,
14.
203 Col 1,
15.
204 Cf. por
exemplo, Gén 9,
11; Dt 5,
26, Jó 34,
15; Is 40.
6; 52, 10; Sl 145
[144], 21; Lc 3,
6; 1 Pdr 1,
24.
205 Lc 1,
45.
206 Cf. Lc 1,
41.
207 Cf. Jo 16,
9.
208 2 Cor 3,
17
209 Cf. Rom 1,
s.
210 Rom 8,
29.
211 Cf. Jo 1,
14. 4. 12 s.
212 Cf. Rom 8,
14
213 Cf. Gál 4,
6; Rom 5,
5: 2 Cor 1,
22.
214 Rom 8,
15.
215 Rom 8,
16 s.
216 Cf. Sl 104
[103], 30.
217 Rom 8,
19.
218 Rom 8,
29.
219 Cf. 2 Pdr 1,
4.
220 Cf. Ef 2,
18; Const. dogm. sobre a Divina Revelação Dei
Verbum, 2.
221 Cf. 1 Cor 2,
12.
222 Cf. Ef 1,
3-14
223 Ef 1,
13 s.
224 Cf. Jo 3,
8.
225 Const.
past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium
et spes, 22; cf. Const. dogm. sobre a Igreja Lumen
gentium, 16.
226 Jo 4,
24.
227 Ibid.
228 Cf. S.
AGOSTINHO, Confess. III,
6, 11: CCL 27, 33.
229 Cf. Tit 2,
11.
230 Cf. Is 45,
15.
231 Cf. Sab 1,
7.
232 Lc 2,
27- 34.
233 Gál 5,
17.
234 Gál 5,
16 s.
235 Cf. Gál 5,
19-21.
236 Gál 5,
22 s.
237 Gál 5,
25.
238 Cf. Rom 8,
5. 9.
239 Rom 8,
6. 13.
240 Rom 8,
10. 12.
241 Cf. 1 Cor 6,
20.
242 Cf.
Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium
et spes, 19. 20. 21.
243 Lc 3,
6; cf. Is 40,
5.
244 Cf. Rom 8,
23.
245 Rom 8,
3.
246 Rom 8,
26.
247 Rom 8,
11.
248 Rom 8,
10.
249 Cf. Enc. Redemptor
hominis (4 de
Março de 1979), n. 14: AAS 71
(1979), PP. 284 S.
250 Cf. Sab 15,
3.
251 Cf. Ef 3,
14-16.
252 Cf.
1 Cor 2,
10 s.
253 Cf. Rom 8,
9; 1 Cor 6,
19.
254 Cf. Jo 14,
23; S. IRENEU, Adversus
haereses V,
6, 1: SC 153, PP. 72-80; S. HILÁRIO, De
Trinitate, VIII, 19. 21: PL 10, 250. 252; S. AMBRÓSIO, De
Espiritu Sancto, I, 6, 8: PL 16, 752 s.; S. AGOSTINHO, Enarr.in
Ps. XLIX, 2:
CCL 38, 575 s. S. CIRILO DE ALEXANDRIA,In Joannis
Evangelium, lib. I; II: PG 73, 154-158; 246; lib. IX: PG
74, 262; S. ATANÁSIO, Oratio
III contra Arianos, 24:
PG 26, 347 S.; Epist.
I ad Serapionem, 24: PG 26, 586 s.- DIDIMO DE ALEXANDRIA,
De Trinitate II, 6-7: PG 39, 523-530; S. JOÃO
CRISÓSTOMO, In
epist. ad Romanos homilia XIII,
8: PG 60, 519; S. TOMÁS DE AQUINO, Summa
Theol. Ia, q.
43, aa. 1, 3-6.
255 Cf. Gén 1,
26 s.; S .TOMÁS DE AQUINO, Summa
Theol. Ia, q.
93, aa. 4. 5. 8.
256 Cf
. Const. past sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium
et spes, 24; cf. também n. 25.
257 Cf. Ibid.,
38, 40.
258 Cf. 1 Cor 15,
28.
259 Cf.
Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium
et spes, 24.
260 Cf. S.
IRENEU, Adversus
haereses, IV, 20, 7: SC 100/2, p. 648.
261 S.
BASÍLIO, De
Spiritu Sancto, IX, 22: PG 32, 110.
262 Rom 8,
2.
263 2 Cor 3,
17.
264 Cf. CONC.
ECUM. VAT. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo
contemporâneo Gaudium
et spes, 53-59.
265 Ibid.,
38.
266 1 Cor 8,
6.
267 Jo 16,
7.
268 Jo 14,
18.
269 Mt 28,
20.
270 É o que
exprime a «Epiclese» antes da Consagração: « Santificai
estes dons, derramando sobre eles o vosso Espírito, de modo
que se convertam, para nós, no Corpo e Sangue de nosso
Senhor Jesus Cristo » (Oração Eucarística II).
271 Cf. Ef 3,
16.
272 Cf.
Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium
et spes, 23.
273 Ibid.
274 Cf. Act 2,
42
275 CONC.
ECUM. VAT. II, Decr. sobre o Ecumenismo Unitatis
redintegratio, 2.
276 S.
AGOSTINHO, In
Johannis Evangelium Tractatus XXVI,
13: CCL 36, 266. Cf. CONC. ECUM. VAT. II, Const. sobre a
Sagrada LiturgiaSacrosanctum Concilium, 47.
277 Const.
dogm. sobre a Igreja Lumen
gentium, 1.
278 Act 17,
28.
279 1 Tim 2,
4.
280 Cf. Hebr 5,
7.
281 Lc 11,
13.
282 Rom 8,
26.
283 Cf.
ORIGENES, De
orctione, 2:
PG 11, 419-423.
284 Rom 8,
27.
285 Const.
dogm. sobre a Igreja Lumen
gentium, 63.
286 Ibid.,
64.
287 Ibid.,
4; cf. Apoc 22,
17.
288 Cf. Rom 8,
24.
289 Cf. Jo 4,
14; Const. dogm. sobre a Igreja Lumen
gentium, 4.
290 Cf. Apoc 12,
10.
291 Cf. Rom 8,
23.
292 Cf.
Sequência Veni,
Sancte Spiritus.
293 Cf.
Símbolo Quicumque:
DS 75.
294 Cf. Rom 5,
5.
295 Convém
lembrar aqui a importante Exortação Apostólica Gaudete
in Domino, publicada pelo Sumo Pontífice Paulo VI, de v.
m., a 9 de Maio do Ano Santo de 1975: permanece com todo o
seu valor, de facto, o convite que aí se exprime, para «
implorar do Espírito Santo este dom da alegria » e também
para « saborear a alegria propriamente espiritual, que é um
fruto do Espírito Santo »: AAS 67
(1975), pp. 289; 302.
296 Cf. Jo 16,
22.
297 Cf. Rom 14,
17; Gál 5,
22.
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