
CARTA ENCÍCLICA
REDEMPTORIS MATER
DO
SUMO PONTÍFICE JOÃO PAULO II
SOBRE A BEM-AVENTURADA
VIRGEM MARIA
NA VIDA DA IGREJA
QUE ESTÁ A CAMINHO
Veneráveis Irmãos,
caríssimos Filhos e Filhas:
saúde e Bênção Apostólica!

O Divino
Espírito Santo.
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INTRODUÇÃO
1. A
MÃE DO REDENTOR tem um lugar bem preciso no plano da
salvação, porque, "ao chegar a plenitude dos tempos, Deus
enviou o seu Filho, nascido duma mulher, nascido sob a Lei,
a fim de resgatar os que estavam sujeitos à Lei e para que
nós recebêssemos a adopção de filhos. E porque vós sois
filhos, Deus enviou aos nossos corações o Espírito do seu
Filho, que clama: "Abbá! Pai!"" (Gál 4, 4-6).
Com
estas palavras do Apóstolo São Paulo, que são referidas pelo
Concílio Vaticano II no início da sua exposição sobre a
Bem-aventurada Virgem Maria, 1 desejo também eu começar a
minha reflexão sobre o significado que Maria tem no mistério
de Cristo e sobre a sua presença activa e exemplar na vida
da Igreja. Trata-se, de facto, de palavras que celebram
conjuntamente o amor do Pai, a missão do Filho, o dom do
Espírito Santo, a mulher da qual nasceu o Redentor e a nossa
filiação divina, no mistério da "plenitude dos tempos". 2
Esta
"plenitude" indica o momento, fixado desde toda a
eternidade, em que o Pai enviou o seu Filho, "para que todo
o que n'Ele crer não pereça, mas tenha a vida eterna" (Jo 3,
16). Ela designa o momento abençoado em que "o Verbo, que
estava junto de Deus, ... se fez carne e habitou entre nós"
(Jo 1, 1. 14), fazendo-se nosso irmão. Esta "plenitude"
marca o momento em que o Espírito Santo que já tinha
infundido a plenitude de graça em Maria de Nazaré, plasmou
no seu seio virginal a natureza humana de Cristo. A mesma
"plenitude" denota aquele momento, em que, pelo ingresso do
eterno no tempo, do divino no humano, o próprio tempo foi
redimido e, tendo sido preenchido pelo mistério de Cristo,
se torna definitivamente "tempo de salvação". Ela assinala,
ainda, o início arcano da caminhada da Igreja. Na Liturgia,
de facto, a Igreja saúda Maria de Nazaré como seu início, 3
por isso mesmo que já vê projectar-se, no evento da
Conceição imaculada, como que antecipada no seu membro mais
nobre, a graça salvadora da Páscoa; e, sobretudo, porque no
acontecimento da Incarnação se encontram indissoluvelmente
ligados Cristo e Maria Santíssima: Aquele que é o seu Senhor
e a sua Cabeça e Aquela que, ao pronunciar o primeiro "fiat"
(faça-se) da Nova Aliança, prefigura a condição da mesma
Igreja de esposa e de mãe.
2.
Confortada pela presença de Cristo (cf. Mt 28, 20), a Igreja
caminha no tempo, no sentido da consumação dos séculos e
procede para o encontro com o Senhor que vem. Mas nesta
caminhada - desejo realçá-lo desde já - a Igreja procede
seguindo as pegadas do itinerário percorrido pela Virgem
Maria, a qual "avançou na peregrinação da fé, mantendo
fielmente a união com o seu Filho até à Cruz".4
Refiro
estas palavras tão densas, evocando assim a Constituição
Lumen Gentium, o documento que, no último capítulo,
apresenta uma síntese vigorosa da fé e da doutrina da Igreja
sobre o tema da Mãe de Cristo, venerada como Mãe amantíssima
e como seu modelo na fé, na esperança e na caridade.
Poucos
anos depois do Concílio, o meu grande Predecessor Paulo VI
houve por bem voltar a falar da Virgem Santíssima, expondo
primeiramente na Carta Encíclica Christi Matri e, em
seguida, nas Exortações Apostólicas Signum Magnum e Marialis
Cultus, 5 os fundamentos e os critérios daquela veneração
singular que a Mãe de Cristo recebe na Igreja, assim como as
formas de devoção mariana - litúrgicas, populares e privadas
- em correspondência com o espírito da fé.
3. A
circunstância que agora me impele também a mim a retomar
este assunto é a perspectiva do Ano Dois Mil, que já está
próximo, no qual o Jubileu bimilenário do nascimento de
Jesus Cristo, nos leva a volver o olhar simultaneamente para
a sua Mãe. Nestes anos mais recentes, foram aparecendo
diversos alvitres que apontavam a oportunidade de fazer
anteceder a comemoração bimilenária de um outro Jubileu
análogo, dedicado à celebração do nascimento de Maria
Santíssima.
Na
realidade, se não é possível estabelecer um momento
cronológico preciso para aí fixar o nascimento de Maria, tem
sido constante da parte da Igreja a consciência de que Maria
apareceu antes de Cristo no horizonte da história da
salvação.6 É um facto que, ao aproximar-se definitivamente a
"plenitude dos tempos", isto é, o advento salvífico do
Emanuel, Aquela que desde a eternidade estava destinada a
ser sua Mãe já existia sobre a terra. Esta sua
"precedência", em relação à vinda de Cristo, tem anualmente
os seus reflexos na liturgia do Advento. Por conseguinte, se
os anos que nos vão aproximando do final do Segundo Milénio
depois de Cristo e do início do Terceiro forem cotejados com
aquela antiga expectativa histórica do Salvador, torna- se
perfeitamente compreensível que neste período desejemos
voltar-nos de modo especial para Aquela que, na "noite" da
expectativa do Advento, começou a resplandecer como uma
verdadeira "estrela da manhã" (Stella matutina). Com efeito,
assim como esta estrela, conjuntamente à "aurora", precede o
nascer do sol, assim também Maria, desde a sua Conceição
imaculada, precedeu a vinda do Salvador, o nascer do "sol da
justiça" na história do género humano. 7
A sua
presença no meio do povo de Israel - tão discreta que
passava quase despercebida aos olhos dos contemporâneos -
brilhava bem clara diante do Eterno, que tinha associado
esta ignorada "Filha de Sião" (cf. Sof 3, 14; Zac 2, 14) ao
plano salvífico que compreendia toda a história da
humanidade. Com razão, pois, no final deste Milénio, nós
cristãos, que sabemos ser o plano providencial da Santíssima
Trindade a realidade central da revelação e da fé, sentimos
a necessidade de pôr em relevo a presença singular da Mãe de
Cristo na história, especialmente no decorrer deste último
período de tempo que precede o Ano Dois Mil.
4.
Para isso nos prepara já o Concílio Vaticano II, ao
apresentar no seu magistério a Mãe de Deus no mistério de
Cristo e da Igreia. Com efeito, se "o mistério do homem só
se esclarece verdadeiramente no mistério do Verbo Incarnado"
- como proclama o mesmo Concílio 8 - então é necessário
aplicar este princípio, de modo muito particular, àquela
excepcional "filha da estirpe humana", àquela "mulher"
extraordinária que se tornou Mãe de Cristo. Só no mistério
de Cristo "se esclarece" plenamente o seu mistério. Foi
assim, de resto, que a Igreja, desde o princípio, procurou
fazer a sua leitura: o mistério da Incarnação permitiu-lhe
entender e esclarecer cada vez melhor o mistério da Mãe do
Verbo Incarnado. Neste aprofundamento teve uma importância
decisiva o Concílio de Éfeso (a. 431), durante o qual, com
grande alegria dos cristãos, a verdade sobre a maternidade
divina de Maria foi confirmada solenemente como verdade de
fé da Igreja. Maria é a Mãe de Deus ( = Theotókos), uma vez
que, por obra do Espírito Santo, concebeu no seu seio
virginal e deu ao mundo Jesus Cristo, o Filho de Deus
consubstancial ao Pai. 9 "O Filho de Deus ... ao nascer da
Virgem Maria, tornou-se verdadeiramente um de nós ...",10
fez-se homem. Deste modo, pois, mediante o mistério de
Cristo, resplandece plenamente no horizonte da fé da Igreja
o mistério da sua Mãe. O dogma da maternidade divina de
Maria, por sua vez, foi para o Concílio de Éfeso e é para a
Igreja como que uma chancela no dogma da Incarnação, em que
o Verbo assume realmente, sem a anular, a natureza humana na
unidade da sua Pessoa.
5. O
Concílio Vaticano II, apresentando Maria no mistério de
Cristo, encontra desse modo o caminho para aprofundar também
o conhecimento do mistério da Igreja. Maria, de facto, como
Mãe de Cristo, está unida de modo especial com a Igreja,
"que o Senhor constituiu como seu corpo". 11 O texto
conciliar põe bem próximas uma da outra, significativamente,
esta verdade sobre a Igreja como corpo de Cristo (segundo o
ensino das Cartas de São Paulo) e a verdade de que o Filho
de Deus "por obra do Espírito Santo nasceu da Virgem Maria".
A realidade da Incarnação encontra como que um prolongamento
no mistério da Igreja - corpo de Cristo. E não se pode
pensar na mesma realidade da Incarnação sem fazer referência
a Maria - Mãe do Verbo Incarnado.
Nas
reflexões que passo a apresentar, porém, quero referir-me
principalmente àquela "peregrinação da fé", na qual "a
Bem-aventurada Virgem Maria avançou", conservando fielmente
a união com Cristo. 12 Deste modo, aquele dúplice vínculo,
que une a Mãe de Deus com Cristo e com a Igreja, reveste-se
de um significado histórico. E não se trata aqui
simplesmente da história da Virgem Maria, do seu itinerário
pessoal de fé e da "melhor parte" que ela tem no mistério da
salvação; trata-se também da história de todo o Povo de
Deus, de todos aqueles que tomam parte na mesma peregrinação
da fé.
É isto
o que exprime o Concílio, ao declarar, numa outra passagem,
que a Virgem Maria "precedeu", tornando-se "a figura da
Igreja, na ordem da fé, da caridade e da perfeita união com
Cristo".13 Este seu "preceder", como figura ou modelo,
refere-se ao próprio mistério íntimo da Igreja, a qual
cumpre a própria missão salvífica unindo em si - à
semelhança de Maria - as qualidades de mãe e de virgem. É
virgem que "guarda fidelidade total e pura ao seu esposo" e
"torna-se, também ela própria, mãe ... pois gera para vida
nova e imortal os filhos concebidos por acção do Espírito
Santo e nascidos de Deus".14
6.
Tudo isto se realiza num grande processo histórico e, por
assim dizer, "numa caminhada". "A peregrinação da fé" indica
a história interior, que é como quem diz a história das
almas. Mas esta é também a história dos homens, sujeitos
nesta terra à condição transitória e situados nas dimensões
históricas. Nas reflexões que seguem quereria, juntamente
convosco, concentrar-me primeiro que tudo na sua fase
presente, que aliás de per si não pertence ainda à história;
e, contudo, incessantemente já a vai plasmando, também no
sentido de história da salvação. Aqui abre-se um espaço
amplo, no interior do qual a Bem-aventurada Virgem Maria
continua a "preceder" o Povo de Deus. A sua excepcional
peregrinação da fé representa um ponto de referência
constante para a Igreja, para as pessoas singulares e para
as comunidades, para os povos e para as nações e, em certo
sentido, para toda a humanidade. É verdadeiramente difícil
abarcar e medir o seu alcance.
O
Concílio sublinha que a Mãe de Deus já é a realização
escatológica da Igreja: "na Santíssima Virgem ela já atingiu
aquela perfeição sem mancha nem ruga que lhe é própria (cf.
Et 5, 27)" - e, simultaneamente, que "os fiéis ainda têm de
envidar esforços para debelar o pecado e crescer na
santidade; e, por isso, eles levantam os olhos para Maria,
que brilha como modelo de virtudes sobre toda a comunidade
dos eleitos" 15 A peregrinação da fé é algo que já não
pertence à Genetriz do Filho de Deus: glorificada nos céus
ao lado do próprio Filho, a sua união com o mesmo Deus já
transpôs o limiar entre a fé e a visão "face-a-face" (1 Cor
13, 12). Ao mesmo tempo, porém, nesta realização
escatológica, Maria não cessa de ser a "estrela do mar" (Maris
Stella)16 para todos aqueles que ainda percorrem o caminho
da fé. Se levantam os olhos para Ela nos diversos lugares
onde se desenrola a sua existência terrena, fazem-no porque
Ela "deu à luz o Filho, que Deus estabeleceu como
primogénito entre muitos irmãos" (Rom 8, 29) 17 e também
porque "Ela coopera com amor de mãe" para "a regeneração e
educação" destes irmãos e irmãs.18
PRIMEIRA PARTE
MARIA NO MISTÉRIO DE CRISTO
1.
Cheia de graça
7.
"Bendito seja Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o
qual no alto dos céus, nos abençoou com toda a sorte de
bênçãos espirituais em Cristo" (Ef 1, 3). Estas palavras da
Carta aos Efésios revelam o eterno desígnio de Deus Pai, o
seu plano de salvação do homem em Cristo. É um plano
universal, que concerne todos os homens criados à imagem e
semelhança de Deus (cf. Gén 1, 26). Todos eles, assim como
"no princípio" estão compreendidos na obra criadora de Deus,
assim também estão eternamente compreendidos no plano divino
da salvação, que se deve revelar cabalmente na "plenitude
dos tempos", com a vinda de Cristo. Com efeito, "n'Ele",
aquele Deus, que é "Pai de nosso Senhor Jesus Cristo" - são
as palavras que vêm a seguir na mesma Carta - "nos elegeu
antes da criação do mundo, para sermos santos e imaculados
aos seus olhos. Por puro amor Ele nos predestinou a sermos
adoptados por Ele como filhos, por intermédio de Jesus
Cristo, segundo o beneplácito da sua vontade, para louvor da
magnificência da sua graça, pela qual nos tornou agradáveis
em seu amado Filho. N'Ele, mediante o seu sangue, temos a
redenção, a remissão dos pecados segundo as riquezas da sua
graça" (Ef 1, 4-7).
O
plano divino da salvação, que nos foi revelado plenamente
com a vinda de Cristo, é eterno. Ele é também - segundo o
ensino contido na mesma Carta e noutras Cartas paulinas (cf.
Col 1, 12-14; Rom 3, 24; Gál 3, 13; 2 Cor 5, 18-29) - algo
que está eternamente ligado a Cristo. Ele compreende em si
todos os homens; mas reserva um lugar singular à "mulher"
que foi a Mãe d'Aquele ao qual o Pai confiou a obra da
salvação. 19 Como explana o Concílio Vaticano II, "Maria
encontra-se já profeticamente delineada na promessa da
vitória sobre a serpente, feita aos primeiros pais caídos no
pecado", segundo o Livro do Génesis (cf. 3, 15). "Ela é,
igualmente, a Virgem que conceberá e dará à luz um Filho,
cujo nome será Emanuel" segundo as palavras de Isaías (cf.
7, 14). 20 Deste modo, o Antigo Testamento prepara aquela
"plenitude dos tempos", quando Deus haveria de enviar "o seu
Filho, nascido duma mulher ..., para que nós recebêssemos a
adopção como filhos". A vinda ao mundo do Filho de Deus e o
acontecimento narrado nos primeiros capítulos dos Evangelhos
segundo São Lucas e segundo São Mateus.
8.
Maria é introduzida no mistério de Cristo definitivamente
mediante aquele acontecimento que foi a Anunciação do Anjo.
Esta deu-se em Nazaré, em circunstâncias bem precisas da
história de Israel, o povo que foi o primeiro destinatário
das promessas de Deus. O mensageiro divino diz à Virgem:
"Salve, ó cheia de graça, o Senhor é contigo" (Lc 1, 28).
Maria "perturbou-se e interrogava-se a si própria sobre o
que significaria aquela saudação" (Lc 1, 29): que sentido
teriam todas aquelas palavras extraordinárias, em
particular, a expressão "cheia de graça" (kecharitoméne). 21
Se
quisermos meditar juntamente com Maria em tais palavras e,
especialmente, na expressão "cheia de graça", podemos
encontrar uma significativa correspondência precisamente na
passagem acima citada da Carta aos Efésios. E se, depois do
anúncio do mensageiro celeste, a Virgem de Nazaré é chamada
também a "bendita entre as mulheres" (cf. Lc 1, 42), isso
explica-se por causa daquela bênção com que "Deus Pai" nos
cumulou "no alto dos céus, em Cristo". É uma bênção
espiritual, que se refere a todos os homens e traz em si
mesma a plenitude e a universalidade ("toda a sorte de
bênçãos"), tal como brota do amor que, no Espírito Santo,
une ao Pai o Filho consubstancial. Ao mesmo tempo, trata-se
de uma bênção derramada por obra de Jesus Cristo na história
humana até ao fim: sobre todos os homens. Mas esta bênção
refere-se a Maria em medida especial e excepcional: ela, de
facto, foi saudada por Isabel como "a bendita entre as
mulheres".
O
motivo desta dupla saudação, portanto, está no facto de se
ter manifestado na alma desta "filha de Sião", em certo
sentido, toda a "magnificência da graça", daquela graça com
que "o Pai ... nos tornou agradáveis em seu amado Filho". O
mensageiro, efectivamente, saúda Maria como "cheia de
graça"; e chama-lhe assim, como se este fosse o seu
verdadeiro nome. Não chama a sua interlocutora com o nome
que lhe é próprio segundo o registo terreno: "Miryam" ( =
Maria); mas sim com este nome novo: "cheia de graça". E o
que significa este nome? Por que é que o Arcanjo chama desse
modo à Virgem de Nazaré?
Na
linguagem da Bíblia "graça" significa um dom especial, que,
segundo o Novo Testamento, tem a sua fonte na vida
trinitária do próprio Deus, de Deus que é amor (cf. 1 Jo 4,
8). É fruto deste amor a "eleição" - aquela eleição de que
fala a Carta aos Efésios. Da parte de Deus esta "escolha" é
a eterna vontade de salvar o homem, mediante a participação
na sua própria vida divina (cf. 2 Pdr 1, 4) em Cristo: é a
salvação pela participação na vida sobrenatural. O efeito
deste dom eterno, desta graça de eleição do homem por parte
de Deus, é como que um gérmen de santidade, ou como que uma
nascente a jorrar na alma do homem, qual dom do próprio Deus
que, mediante a graça, vivifica e santifica os eleitos.
Desta forma se verifica, isto é, se torna realidade aquela
"bênção" do homem "com toda a sorte de bênçãos espirituais",
aquele "ser seus filhos adoptivos ... em Cristo", ou seja,
n'Aquele que é desde toda a eternidade o "Filho muito amado"
do Pai.
Quando
lemos que o mensageiro diz a Maria "cheia de graça", o
contexto evangélico, no qual confluem revelações e promessas
antigas, permite-nos entender que aqui se trata de uma
"bênção" singular entre todas as "bênçãos espirituais em
Cristo". No mistério de Cristo, Maria está presente já
"antes da criação do mundo", como aquela a quem o Pai
"escolheu" para Mãe do seu Filho na Incarnação - e,
conjuntamente ao Pai, escolheu-a também o Filho, confiando-a
eternamente ao Espírito de santidade. Maria está unida a
Cristo, de um modo absolutamente especial e excepcional; e é
amada neste "Filho muito amado" desde toda a eternidade,
neste Filho consubstancial ao Pai, no qual se concentra toda
"a magnificência da graça". Ao mesmo tempo, porém, ela é e
permanece perfeitamente aberta para este "dom do Alto" (cf.
Tg 1, 17) Como ensina o Concílio, Maria "é a primeira entre
os humildes e os pobres do Senhor, que confiadamente esperam
e recebem d'Ele a salvação". 22
9. A
saudação e o nome "cheia de graça" dizem-nos tudo isto; mas,
no contexto do anúncio do Anjo, referem-se em primeiro lugar
à eleição de Maria como Mãe do Filho de Deus. Todavia, a
plenitude de graça indica ao mesmo tempo toda a profusão de
dons sobrenaturais com que Maria é beneficiada em relação
com o facto de ter sido escolhida e destinada para ser Mãe
de Cristo. Se esta eleição é fundamental para a realização
dos desígnios salvíficos de Deus, a respeito da humanidade,
e se a escolha eterna em Cristo e a destinação para a
dignidade de filhos adoptivos se referem a todos os homens,
então a eleição de Maria é absolutamente excepcional e
única. Daqui deriva também a singularidade e unicidade do
seu lugar no mistério de Cristo.
O
mensageiro divino diz-lhe: "Não temas, Maria, pois achaste
graça diante de Deus. Eis que conceberás e darás à luz um
filho, ao qual porás o nome de Jesus. Ele será grande e será
chamado Filho do Altíssimo" (Lc 1, 30-32). E quando a
Virgem, perturbada por esta saudação extraordinária,
pergunta: "Como se realizará isso, pois eu não conheço
homem?", recebe do Anjo a confirmação e a explicação das
palavras anteriores. Gabriel diz-lhe: "Virá sobre ti o
Espírito Santo e a potência do Altíssimo estenderá sobre ti
a sua sombra. Por isso mesmo o Santo que vai nascer será
chamado Filho de Deus" (Lc 1, 35).
A
Anunciação, portanto, é a revelação do mistério da
Incarnação exactamente no início da sua realização na terra.
A doação salvífica que Deus faz de si mesmo e da sua vida,
de alguma maneira a toda a criação e, directamente, ao
homem, atinge no mistério da Incarnação um dos seus pontos
culminantes. Isso constitui, de facto, um vértice de todas
as doações de graça na história do homem e do cosmos. Maria
é a "cheia de graça", porque a Incarnação do Verbo, a união
hipostática do Filho de Deus com a natureza humana, se
realiza e se consuma precisamente nela. Como afirma o
Concílio, Maria é "Mãe do Filho de Deus e, por isso, filha
predilecta do Pai e templo do Espírito Santo; e, por este
insigne dom de graça, leva vantagem a todas as demais
criaturas do céu e da terra". 23
10. A
Carta aos Efésios, falando da "magnificência da graça" pela
qual "Deus Pai ... nos tornou agradáveis em seu amado
Filho", acrescenta: "N'Ele temos a redenção pelo seu sangue"
(Ef 1, 7). Segundo a doutrina formulada em documentos
solenes da Igreja, esta "magnificência da graça"
manifestou-se na Mãe de Deus pelo facto de ela ter sido
"redimida de um modo mais sublime". 24 Em virtude da riqueza
da graça do amado Filho e por motivo dos merecimentos
redentores d'Aquele que haveria de tornar-se seu Filho,
Maria foi preservada da herança do pecado original. 25 Deste
modo, logo desde o primeiro instante da sua concepção, ou
seja da sua existência, ela pertence a Cristo, participa da
graça salvífica e santificante e daquele amor que tem o seu
início no "amado Filho", no Filho do eterno Pai que,
mediante a Incarnação, se tornou o seu próprio Filho. Sendo
assim, por obra do Espírito Santo, na ordem da graça, ou
seja, da participação da natureza di vina, Maria recebe a
vida d'Aquele, ao qual ela própria, na ordem da geração
terrena, deu a vida como mãe. A Liturgia não hesita em
chamá-la "genetriz do seu Genitor" 26 e em saudá-la com as
palavras que Dante Alighieri põe na boca de São Bernardo:
"filha do teu Filho" 27. E, uma vez que Maria recebe esta
"vida nova" numa plenitude correspondente ao amor do Filho
para com a Mãe, e por conseguinte à dignidade da maternidade
divina, o Anjo na Anunciação chama-lhe "cheia de graça".
11. No
desígnio salvífico da Santíssima Trindade o mistério da
Incarnação constitui o cumprimento superabundante da
promessa feita por Deus aos homens, depois do pecado
original, depois daquele primeiro pecado cujos efeitos fazem
sentir o seu peso sobre toda a história do homem na terra
(cf. Gén 3, 15). E eis que vem ao mundo um Filho, a
"descendência da mulher", que vencerá o mal do pecado nas
suas próprias raízes: "esmagará a cabeça" da serpente. Como
resulta das palavras do Proto-Evangelho, a vitória do Filho
da mulher não se verificará sem uma árdua luta, que deve
atravessar toda a história humana. "A inimizade", anunciada
no princípio, é confirmada no Apocalipse, o livro das
realidades últimas da Igreja e do mundo, onde volta a
aparecer o sinal de uma "mulher", desta vez "vestida de sol"
(Apoc 12, 1).
Maria,
Mãe do Verbo Incarnado, está colocada no próprio centro
dessa "inimizade", dessa luta que acompanha o evoluir da
história da humanidade sobre a terra e a própria história da
salvação. Neste seu lugar, ela, que faz parte dos "humildes
e pobres do Senhor", apresenta em si, como nenhum outro
dentre os seres humanos, aquela "magnificência de graça" com
que o Pai nos agraciou no seu amado Filho; e esta graça
constitui a extraordinária grandeza e beleza de todo o seu
ser. Maria permanece, assim, diante de Deus e também diante
de toda a humanidade, como o sinal imutável e inviolável da
eleição por parte do mesmo Deus, de que fala a Carta
paulina: "em Cristo nos elegeu antes da criação do mundo ...
e nos predestinou para sermos seus filhos adoptivos" (Ef 1,
4. 5). Esta eleição é mais forte do que toda a experiência
do mal e do pecado, do que toda aquela "inimizade" pela qual
está marcada toda a história do homem. Nesta história, Maria
permanece um sinal de segura esperança.
2.
Feliz daquela que acreditou
12.
Logo depois de ter narrado a Anunciação, o Evangelista São
Lucas faz-nos de guia, seguindo os passos da Virgem em
direcção a "uma cidade de Judá" (Lc 1, 39). Segundo os
estudiosos, esta cidade devia ser a "Ain-Karim" de hoje,
situada entre as montanhas, não distante de Jerusalém. Maria
dirigiu-se para lá "apressadamente", para visitar Isabel,
sua parente. O motivo desta visita há-de ser procurado
também no facto de Gabriel, durante a Anunciação, ter
nomeado de maneira significativa Isabel, que em idade
avançada tinha concebido do marido Zacarias um filho, pelo
poder de Deus: "Isabel, tua parente, concebeu um filho, na
sua velhice; e está já no sexto mês, ela, a quem chamavam
estéril, porque nada é impossível a Deus" (Lc 1, 36-37). O
mensageiro divino tinha feito recurso ao evento, que se
realizara em Isabel, para responder à pergunta de Maria:
"Como se realizará isso, pois eu não conheço homem?" (Lc 1,
34). Sim, será possível exactamente pelo "poder do
Altíssimo", como e ainda mais do que no caso de Isabel.
Maria
dirige-se, pois, impelida pela caridade, a casa da sua
parente. Quando aí entrou, Isabel, ao responder à sua
saudação, tendo sentido o menino estremecer de alegria no
próprio seio, "cheia do Espírito Santo", saúda por sua vez
Maria em alta voz: "Bendita és tu entre as mulheres e
bendito o fruto do teu ventre" (cf. Lc 1, 40-42). Esta
proclamação e aclamação de Isabel deveria vir a entrar na
Ave Maria, como continuação da saudação do Anjo, tornando-se
assim uma das orações mais frequentes da Igreja. Mas são
ainda mais significativas as palavras de Isabel, na pergunta
que se segue: "E donde me é dada a dita que venha ter comigo
a mãe do meu Senhor?" (Lc 1, 43). Isabel dá testemunho
acerca de Maria: reconhece e proclama que diante de si está
a Mãe do Senhor, a Mãe do Messias. Neste testemunho
participa também o filho que Isabel traz no seio:
"estremeceu de alegria o menino no meu seio" (Lc 1, 44). O
menino é o futuro João Baptista, que, nas margens do Jordão,
indicará em Jesus o Messias.
Todas
as palavras, nesta saudação de Isabel, são densas de
significado; no entanto, parece ser algo de importância
fundamental o que ela diz no final: "Feliz daquela que
acreditou que teriam cumprimento as coisas que lhe foram
ditas da parte do Senhor" (Lc 1, 45). 28 Estas palavras
podem ser postas ao lado do apelativo "cheia de graça" da
saudação do Anjo. Em ambos os textos se revela um conteúdo
mariológico essencial, isto é, a verdade acerca de Maria,
cuja presença se tornou real no mistério de Cristo,
precisamente porque ela "acreditou". A plenitude de graça,
anunciada pelo Anjo, significa o dom de Deus mesmo; a fé de
Maria, proclamada por Isabel aquando da Visitação, mostra
como a Virgem de Nazaré tinha correspondido a este dom.
13. "A
Deus que revela é devida "a obediência da fé" (Rom 16, 26;
cf. Rom 1, 5; 2 Cor 10, 5-6), pela qual o homem se entrega
total e livremente a Deus", como ensina o Concílio. 29
Exactamente esta descrição da fé teve em Maria uma actuação
perfeita. O momento "decisivo" foi a Anunciação; e as
palavras de Isabel - "feliz daquela que acreditou" -
referem-se em primeiro lugar precisamente a esse momento. 30
Na
Anunciação, de facto, Maria entregou-se a Deus
completamente, manifestando "a obediência da fé" Àquele que
lhe falava, mediante o seu mensageiro, prestando-lhe o
"obséquio pleno da inteligência e da vontade". 31 Ela
respondeu, pois, com todo o seu "eu" humano e feminino.
Nesta resposta de fé estava contida uma cooperação perfeita
com a "prévia e concomitante ajuda da graça divina" e uma
disponibilidade perfeita à acção do Espírito Santo, o qual
"aperfeiçoa continuamente a fé mediante os seus dons". 32
A
palavra de Deus vivo, anunciada pelo Anjo a Maria,
referia-se a ela própria: "Eis que conceberás e darás à luz
um filho" (Lc 1, 31). Acolhendo este anúncio, Maria devia
tornar-se a "Mãe do Senhor" e realizar-se-ia nela o mistério
divino da Incarnação: "O Pai das misericórdias quis que a
aceitação por parte da que Ele predestinara para mãe,
precedesse a Incarnação". 33 E Maria dá esse consenso,
depois de ter ouvido todas as palavras do mensageiro. Diz:
"Eis a serva do Senhor! Faça-se em mim segundo a tua
palavra" (Lc 1, 38). Este fiat de Maria - "faça-se em mim" -
decidiu, da parte humana, do cumprimento do mistério divino.
Existe uma consonância plena com as palavras do Filho que,
segundo a Carta aos Hebreus, ao vir a este mundo, diz ao
Pai: "Não quiseste sacrifícios nem oblações, mas formaste-me
um corpo... Eis que venho... para fazer, ó Deus, a tua
vontade" (Hebr 10, 5-7). O mistério da Incarnação
realizou-se quando Maria pronunciou o seu "fiat": "Faça-se
em mim segundo a tua palavra", tornando possível, pelo que a
ela competia no desígnio divino, a aceitação do oferecimento
do seu Filho.
Maria
pronunciou este "fiat" mediante a fé. Foi mediante a fé que
ela "se entregou a Deus" sem reservas e "se consagrou
totalmente, como escrava do Senhor, à pessoa e à obra do seu
Filho". 34 E este Filho - como ensinam os Padres da Igreja -
concebeu-o na mente antes de o conceber no seio:
precisamente mediante a fé! 35 Com justeza, portanto, Isabel
louva Maria: "Feliz daquela que acreditou que teriam
cumprimento as coisas que lhe foram ditas da parte do
Senhor". Essas coisas já se tinham cumprido: Maria de Nazaré
apresenta-se no limiar da casa de Isabel e de Zacarias como
mãe do Filho de Deus. É essa a descoberta letificante de
Isabel: "A mãe do meu Senhor vem ter comigo!".
14.
Por conseguinte, também a fé de Maria pode ser comparada com
a de Abraão, a quem o Apóstolo chama "nosso pai na fé" (cf.
Rom 4, 12). Na economia salvífica da Revelação divina, a fé
de Abraão constitui o início da Antiga Aliança; a fé de
Maria, na Anunciação, dá início à Nova Aliança. Assim como
Abraão, "esperando contra toda a esperança, acreditou que
haveria de se tornar pai de muitos povos" (cf. Rom 4, 18 ),
também Maria, no momento da Anunciação, depois de ter
declarado a sua condição de virgem ("Como será isto, se eu
não conheço homem?"), acreditou que pelo poder do Altíssimo,
por obra do Espírito Santo, se tornaria a mãe do Filho de
Deus segundo a revelação do Anjo: "Por isso mesmo o Santo
que vai nascer será chamado Filho de Deus" (Lc 1, 35).
Entretanto, as palavras de Isabel: "Feliz daquela que
acreditou" não se aplicam apenas àquele momento particular
da Anunciação. Esta representa, sem dúvida, o momento
culminante da fé de Maria na expectação de Cristo, mas é
também o ponto de partida, no qual se inicía todo o seu
"itinerário para Deus", toda a sua caminhada de fé. E será
ao longo deste caminho, que a "obediência" por ela
professada à palavra da revelação divina irá ser actuada, de
modo eminente e verdadeiramente heróico ou, melhor dito, com
um heroísmo de fé cada vez maior. E esta "obediência da fé"
da parte de Maria, durante toda a sua caminhada, terá
surpreendentes analogias com a fé de Abraão. Do mesmo modo
que o patriarca do Povo de Deus, também Maria, ao longo do
caminho do seu fiat filial e materno, "esperando contra toda
a esperança, acreditou". Especialmente ao longo de algumas
fases deste seu caminhar, a bênção concedida "àquela que
acreditou" tornar-se-á manifesta com particular evidência.
Acreditar quer dizer "abandonar-se" à própria verdade da
palavra de Deus vivo, sabendo e reconhecendo humildemente
"quanto são insondáveis os seus desígnios e imperscrutáueis
as suas vias" (Rom 11, 33). Maria, que pela eterna vontade
do Altíssimo veio a encontrar-se, por assim dizer, no
próprio centro daquelas "imperscrutáveis vias" e daqueles
"insondáveis desígnios" de Deus, conforma-se a eles na
obscuridade da fé, aceitando plenamente e com o coração
aberto tudo aquilo que é disposição dos desígnios divinos.
15. Na
Anunciação, quando Maria ouve falar do Filho de que deve
tornar-se genetriz e ao qual "porá o nome de Jesus" (=
Salvador), fica também a conhecer que "o Senhor Deus lhe
dará o trono de seu pai David", que ele "reinará sobre a
casa de Jacob eternamente e o seu reinado não terá fim" (Lc
1, 32-33). Era neste sentido que se orientava toda a
esperança de Israel. O Messias prometido devia ser "grande";
e também o mensageiro celeste anuncia que "será grande":
grande, quer pelo nome de Filho do Altíssimo, quer pelo
facto de assumir a herança de David. Há-de, portanto, ser
rei, há-de reinar "sobre a casa de Jacob". Maria tinha
crescido no meio desta expectativa do seu povo: estaria ela
em condições de captar, no momento da Anunciação, qual o
sentido essencial que podiam ter as palavras do Anjo, e como
devia ser entendido aquele "reino", que "não terá fim"?
Se bem
que, mediante a fé, ela possa ter-se sentido naquele
instante mãe do "Messias-rei", contudo respondeu: "Eis a
serva do Senhor! Faça-se em mim segundo a tua palavra" (Lc
1, 38). Desde o primeiro momento, Maria professou sobretudo
"a obediência da fé", abandonando-se àquele sentido que dava
às palavras da Anunciação Aquele do qual elas provinham: o
próprio Deus.
16. No
caminho da "obediência da fé", ainda, Maria, um pouco mais
tarde, ouve outras palavras: aquelas que foram pronunciadas
por Simeão, no templo de Jerusalém. Estava-se já no
quadragésimo dia depois do nascimento de Jesus, quando Maria
e José, segundo a prescrição da Lei de Moisés, "levaram o
menino a Jerusalém, para o oferecer ao Senhor" (Lc 2, 22). O
nascimento verificara-se em condições de extrema pobreza.
Com efeito, sabemos através de São Lucas que, por ocasião do
recenseamento da população ordenado pelas autoridades
romanas, Maria se dirigiu com José a Belém; e não tendo
encontrado "lugar na hospedaria", deu à luz o seu Filho num
estábulo e "reclinou-o numa manjedoura" (cf. Lc 2, 7).
Um
homem justo e piedoso, de nome Simeão, aparece naquele
momento dos inícios do "itinerário" da fé de Maria. As suas
palavras, sugeridas pelo Espírito Santo (cf. Lc 2, 25-27),
confirmam a verdade da Anunciação. Lemos, efectivamente, que
ele "tomou nos seus braços" o menino, ao qual - segundo a
palavra do Anjo - deram o nome de Jesus" (cf. Lc 2, 21).
Aquilo que Simeão diz está conforme com o significado deste
nome, que quer dizer Salvador: "Deus é a salvação".
Dirigindo-se ao Senhor, ele exprime-se assim: "Os meus olhos
viram a tua salvação, que preparaste em favor de todos os
povos; luz para iluminar as nações e glória de Israel, teu
povo" (Lc 2, 30-32). Nessa mesma altura, porém, Simeão
dirige-se a Maria com as seguintes palavras: "Ele é
destinado a ser ocasião de queda e de ressurgimento para
muitos em Israel e a ser um sinal de contradição... a fim de
se revelarem os pensamentos de muitos corações"; e
acrescenta, com referência directa a Maria: "E tu mesma
terás a alma trespassada por uma espada" (Lc 2, 34-35). As
palavras de Simeão colocam sob uma luz nova o anúncio que
Maria tinha ouvido do Anjo: Jesus é o Salvador, é "luz para
iluminar" os homens. Não foi isso que, de algum modo, se
manifestou na noite de Natal, quando os pastores vieram ao
estábulo? (cf. Lc 2, 8-20). Não foi isso o que se manifestou
também e ainda mais, aquando da vinda dos Magos do Oriente?
(cf. Mt 2, 1-12 ) . Ao mesmo tempo, porém, logo desde o
início da sua vida, o Filho de Maria, e com ele a sua Mãe,
experimentarão em si mesmos a verdade daquelas outras
palavras de Simeão: "Sinal de contradição" (Lc 2, 34).
Aquilo que Simeão diz apresenta-se como um segundo anúncio a
Maria, uma vez que indica a dimensão histórica concreta em
que o Filho realizará a sua missão, ou seja, na
incompreensão e na dor. Se este outro anúncio confirma, por
um lado, a sua fé no cumprimento das promessas divinas da
salvação, por outro, também lhe revela que ela terá que
viver a sua obediência de fé no sofrimento, ao lado do
Salvador que sofre, e que a sua maternidade será obscura e
marcada pela dor. Com efeito, depois da visita dos Magos,
depois de eles lhe terem rendido homenagem ("prostrados o
adoraram") e depois da oferta dos dons (cf. Mt 2, 11),
sucede que Maria, com o menino, tem de fugir para o Egipto
sob a proteção desvelada de José, porque Herodes estava a
"procurar o menino para o matar" (cf. Mt 2, 13). E teriam de
ficar no Egipto até à morte de Herodes (cf. Mt 2, 15).
17.
Depois da morte de Herodes, quando se dá o retorno da
sagrada família a Nazaré, inicia-se o longo período da vida
oculta. Aquela que "acreditou no cumprimento das coisas que
lhe foram ditas da parte do Senhor" (Lc 1, 45) vive no dia a
dia o conteúdo dessas palavras. O Filho a quem deu o nome de
Jesus está quotidianamente ao seu lado; assim, no contacto
com ele, usa certamente este nome, o que não devia, aliás,
causar estranheza a ninguém, tratando-se de um nome que era
usual, desde havia muito tempo, em Israel. Maria sabe, no
entanto, que aquele a quem foi posto o nome de Jesus, foi
chamado pelo Anjo "Filho do Altíssimo" (cf. Lc 1, 32). Maria
sabe que o concebeu e deu à luz "sem ter conhecido homem",
por obra do Espírito Santo, com o poder do Altíssimo que
sobre ela estendeu a sua sombra (cf. Lc 1, 35), tal como nos
tempos de Moisés e dos antepassados a nuvem velava a
presença de Deus (cf. Ex 24, 16; 40, 34-35; 1 Rs 8, 10-12).
Maria sabe, portanto, que o Filho, por ela dado à luz
virginalmente, é precisamente aquele "Santo", "o Filho de
Deus" de que lhe havia falado o Anjo.
Durante os anos da vida oculta de Jesus na casa de Nazaré,
também a vida de Maria "está escondida com Cristo em Deus"
(cf. Col 3, 3) mediante a fé. A fé, efectivamente, é um
contacto com o mistério de Deus. Maria está constante e
quotidianamente em contacto com o mistério inefável de Deus
que se fêz homem, mistério que supera tudo aquilo que foi
revelado na Antiga Aliança. Desde o momento da Anunciação, a
mente da Virgem-Mãe foi introduzida na "novidade" radical de
autorevelação de Deus e tornada cônscia do mistério. Ela é a
primeira daqueles "pequeninos" dos quais um dia Jesus dirá:
"Pai, ... escondeste estas coisas aos sábios e aos sagazes e
as revelaste aos pequeninos" (Mt 11, 25). Na verdade,
"ninguém conhece o Filho senão o Pai" (Mt 11, 27). Como
poderá então Maria "conhecer o Filho"? Certamente, não como
o Pai o conhece; e no entanto, ela é a primeira entre
aqueles aos quais o Pai "o quis revelar" (cf. Mt 11, 26-27;
1 Cor 2, 11). Se, porém, desde o momento da Anunciação lhe
foi revelado o Filho, que apenas o Pai conhece
completamente, como Aquele que o gera no "hoje" eterno (cf.
Sl 2, 7), então Maria, a Mãe, está em contacto com a verdade
do seu Filho somente na fé e mediante a fé! Portanto, é
feliz porque "acreditou"; e acredita dia a dia, no meio de
todas as provações e contrariedades do período da infância
de Jesus e, depois, durante os anos da sua vida oculta em
Nazaré, quando ele "lhes era submisso" (Lc 2, 51): submisso
a Maria e também a José, porque José, diante dos homens,
fazia para ele as vezes de pai; e era por isso que o Filho
de Maria era tido pela gente do lugar como "o filho do
carpinteiro" (Mt 13, 55).
A Mãe,
por conseguinte, lembrada de tudo o que lhe havia sido dito
acerca deste seu Filho, na Anunciação e nos acontecimentos
sucessivos, é portadora em si mesma da "novidade" radical da
fé: o início da Nova Aliança. Este é o início do Evangelho,
isto é, da boa nova, da jubilosa nova. Não é difícil, porém,
perceber naquele início um particular aperto do coração,
unido a uma espécie de "noite da fé" - para usar as palavras
de São João da Cruz - como que um "véu" através do qual é
forçoso aproximar-se do Invisível e viver na intimidade com
o mistério. 36 Foi deste modo, efectivamente, que Maria,
durante muitos anos, permaneceu na intimidade com o mistério
do seu Filho, e avançou no seu itinerário de fé, à medida em
que Jesus "crescia em sabedoria ... e graça, diante de Deus
e dos homens" (Lc 2, 52). Manifestava-se cada vez mais aos
olhos dos homens a predilecção que Deus tinha por ele. A
primeira entre estas criaturas humanas admitidas à
descoberta de Cristo foi Maria que, com Ele e com José,
vivia na mesma casa em Nazaré.
Todavia, na ocasião em que o reencontraram no templo, à
pergunta da Mãe: "Por que procedeste assim connosco?", Jesus
- então menino de doze anos - respondeu: "Não sabíeis que
devo ocupar-me das coisas de meu Pai?"; e o Evangelista
acrescenta: "Mas eles (José e Maria) não entenderam as suas
palavras" (Lc 2, 48-50). Portanto, Jesus tinha a consciência
de que "só o Pai conhece o Filho" (cf. Mt 11, 27); tanto
assim, que até aquela a quem tinha sido revelado mais
profundamente o mistério da sua filiação divina, a sua Mãe,
vivia na intimidade com este mistério somente mediante a fé!
Encontrando-se constantemente ao lado do Filho, sob o mesmo
tecto, e "conservando fielmente a união com o Filho" Ela
"avançava na peregrinação da fé", como acentua o Concílio.
37 E assim sucedeu também durante a vida pública de Cristo
(cf. Mc 3, 21-35) pelo que, dia a dia, se cumpriram nela as
palavras abençoantes pronunciadas por Isabel, aquando da
Visitação: "Feliz daquela que acreditou".
18.
Estas palavras abençoantes atingem a plenitude do seu
significado, quando Maria está aos pés da Cruz do seu Filho
(cf. Jo 19, 25). O Concílio afirma que isso "aconteceu não
sem um desígnio divino": "padecendo acerbamente com o seu
Unigénito, associando-se com ânimo maternal ao seu
sacrifício e consentindo com amor na imolação da vítima que
ela havia gerado", foi deste modo que Maria "conservou
fielmente a união com seu Filho até à Cruz", 38 a união
mediante a fé: a mesma fé com a qual tinha acolhido a
revelação do Anjo no momento da Anunciação. Nesse momento
ela tinha também ouvido dizer: "será grande ..., o Senhor
Deus dar-lhe-á o trono de seu pai David..., reinará
eternamente na casa de Jacob e o seu reinado não terá fim"
(Lc 1, 32-33).
E
agora, estando ali aos pés da Cruz, Maria é testemunha,
humanamente falando, do desmentido cabal dessas palavras. O
seu Filho agoniza, suspenso naquele madeiro como um
condenado. "Desprezado e rejeitado pelos homens; homem das
dores...; era menosprezado e nenhum caso fazíamos dele" ...
como que destruído (cf. Is 53, 3-5 ). Quão grande e quanto
foi heróica então a "obediência da fé" demonstrada por Maria
diante dos "insondáveis desígnios" de Deus! Como ela se
"abandonou nas mãos de Deus" sem reservas, "prestando o
pleno obséquio da inteligência e da vontade" 39 Àquele cujas
"vias são imperscrutáveis!" (cf. Rom 11, 33). E, ao mesmo
tempo, quanto se mostra potente a acção da graça na sua alma
e quanto é penetrante a influência do Espírito Santo, da sua
luz e da sua virtude!
Mediante essa sua fé, Maria está perfeitamente unida a
Cristo no seu despojamento. Com efeito, "Jesus Cristo, ...
subsistindo na natureza divina, não julgou o ser igual a
Deus, um bem a que não devesse nunca renunciar; mas
despojou-se a si mesmo tomando a forma de servo, tornando-se
semelhante aos homens": precisamente sobre o Gólgota
"humilhou-se a si mesmo, fazendo-se obediente até à morte, e
morte de Cruz" (cf. Flp 2, 5-8). E aos pés da Cruz, Maria
participa mediante a fé no mistério desconcertante desse
despojamento. Isso constitui, talvez, a mais profunda
"kénose" da fé na história da humanidade. Mediante a fé, a
Mãe participa na morte do Filho, na sua morte redentora;
mas, bem diferente da fé dos discípulos, que se davam à
fuga, a fé de Maria era muito mais esclarecida. Sobre o
Gólgota, Jesus confirmou definitivamente, por meio da Cruz,
ser "o sinal de contradição" predito por Simeão. Ao mesmo
tempo, cumpriram-se aí as palavras dirigidas pelo mesmo
ancião a Maria: "E tu mesma terás a alma trespassada por uma
espada". 40
19.
Sim, verdadeiramente, "feliz daquela que acreditou"! Estas
palavras, pronunciadas por Isabel já depois da Anunciação,
parecem ressoar aqui, aos pés da Cruz, com suprema
eloquência; e a força que elas encerram, torna-se
penetrante. Da Cruz ou, por assim dizer, do próprio coração
do mistério da Redenção, se esparge a irradiação e se dilata
a perspectiva daquelas palavras abençoadoras da sua fé. Elas
remontam "até ao princípio" e, como participação no
sacrifício de Cristo, novo Adão, tornam-se, em certo
sentido, o contrabalanço da desobediência e da incredulidade
presentes no pecado dos nossos primeiros pais. Assim o
ensinam os Padres da Igreja, especialmente Santo Ireneu,
citado na Constituição Lumen Gentium: "O nó da desobediência
de Eva foi desatado pela obediência de Maria; e aquilo que a
Virgem Eva atou, com a sua incredulidade, a Virgem Maria
desatou-o com a sua fé". 41 À luz desta comparação com Eva,
os mesmos Padres - como recorda ainda o Concílio - chamam a
Maria "mãe dos vivos" e afirmam muitas vezes: "A morte veio
por Eva, a vida por meio de Maria". 42
Com
razão, portanto, podemos encontrar na expressão "feliz
daquela que acreditou" como que uma chave que nos abre o
acesso à realidade íntima de Maria: daquela que foi saudada
pelo Anjo como "cheia da graça". Se como "cheia de graça"
ela esteve eternamente presente no mistério de Cristo,
agora, mediante a fé, torna-se dele participante em toda a
extensão do seu itinerário terreno: "avançou na peregrinação
da fé" e, ao mesmo tempo, de maneira discreta, mas directa e
eficazmente, tornava presente aos homens o mesmo mistério de
Cristo. E ainda continua a fazê-lo. E mediante o mistério de
Cristo, também ela está presente entre os homens. Deste
modo, através do mistério do Filho, esclarece-se também o
mistério da Mãe.
3. Eis
a tua mãe
20. O
Evangelho de São Lucas regista o momento em que "uma mulher
ergueu a voz do meio da multidão e disse", dirigindo-se a
Jesus: "Ditoso o ventre que te trouxe e os seios a que foste
amamentado!" (Lc 11, 27). Estas palavras constituíam um
louvor para Maria, como mãe de Jesus segundo a carne. A Mãe
de Jesus talvez não fosse conhecida pessoalmente por essa
mulher; de facto, quando Jesus iniciou a sua actividade
messiânica, Maria não o acompanhava, mas continuava a viver
em Nazaré. Dir-se-ia que as palavras dessa mulher
desconhecida a fizeram sair, de algum modo, do seu
escondimento.
Através de tais palavras lampejou no meio da multidão, ao
menos por um instante, o evangelho da infância de Jesus. É o
evangelho em que Maria está presente como a mãe que concebe
Jesus no seu seio, o dá à luz e maternamente o amamenta: a
mãe-nutriz, a que alude aquela mulher do povo. Graças a esta
maternidade, Jesus - Filho do Altíssimo (cf. Lc 1, 32 ) - é
um verdadeiro filho do homem. É "carne", como todos os
homens. é "o Verbo (que) se fez carne" (cf. Jo 1, 14). É
carne e sangue de Maria! 43
Mas,
às palavras abençoantes proferidas por aquela mulher em
relação à sua genetriz segundo a carne, Jesus responde de
modo significativo: "Ditosos antes os que ouvem a palavra de
Deus e a põem em prática" (Lc 11, 28). Ele quer desviar a
atenção da maternidade entendida só como um vínculo do
sangue, para a orientar no sentido daqueles vínculos
misteriosos do espírito, que se formam com o prestar ouvidos
e com a observância da palavra de Deus.
A
mesma transferência, na esfera dos valores espirituais,
delineia-se ainda mais claramente numa outra resposta de
Jesus, relatada por todos os Sinópticos. Quando foi
anunciado ao mesmo Jesus que a sua "mãe e os seus irmãos
estavam lá fora e desejavam vê-lo", ele respondeu: "Minha
mãe e meus irmãos são aqueles que ouvem a palavra de Deus e
a põem em prática" (cf. Lc 8, 20-21). Disse isto
"percorrendo com o olhar os que estavam sentados à volta
dele", como lemos em São Marcos (3, 34) ou, segundo São
Mateus (12, 49), "indicando com a mão os seus discípulos".
Estas
expressões parecem situar-se na linha daquilo que Jesus -
então menino de doze anos - respondeu a Maria e José, quando
foi reencontrado, depois de três dias, no templo de
Jerusalém.
Agora,
uma vez que Jesus já tinha saído de Nazaré para dar início à
sua vida pública por toda a Palestina, estava doravante
completa e exclusivamente "ocupado nas coisas do Pai" (cf.
Lc 2, 49). Ocupava-se em anunciar o Reino: o "Reino de Deus"
e as "coisas do Pai", que dão também uma dimensão nova e um
sentido novo a tudo aquilo que é humano; e, por conseguinte,
a todos os laços humanos, em relação com os fins e as
funções estabelecidos para cada um dos homens. Com esta nova
dimensão, também um laço, como o da "fraternidade" significa
algo de diverso da "fraternidade segundo a carne", que
provém da origem comum dos mesmos pais. E até mesmo a
"maternidade", vista na dimensão do Reino de Deus, na
irradiação da paternidade do próprio Deus, alcança um outro
sentido. Com as palavras referidas por São Lucas, Jesus
ensina precisamente este novo sentido da maternidade.
Ter-se-á afastado, por causa disto, daquela que foi sua mãe,
a sua genetriz segundo a carne? Desejará, porventura,
deixá-la na sombra do escondimento, que ela própria
escolheu? Embora assim possa parecer, se nos ativermos só ao
som material daquelas palavras, devemos observar, no
entanto, que a maternidade nova e diversa, de que Jesus fala
aos seus discípulos, refere-se precisamente a Maria e de
modo especialíssimo. Não é, acaso, Maria a primeira dentre
"aqueles que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática"? E
portanto, não se referirão sobretudo a ela aquelas palavras
abençoantes pronunciadas por Jesus, em resposta às palavras
da mulher anónima? Maria é digna, sem dúvida alguma, de tais
palavras de bênção, pelo facto de se ter tornado Mãe de
Jesus segundo a carne ("Ditoso o ventre que te trouxe e os
seios a que foste amamentado"); mas é digna delas também e
sobretudo porque, logo desde o momento da Anunciação,
acolheu a palavra de Deus e porque nela acreditou e sempre
foi obediente a Deus; ela, com efeito, "guardava" a palavra,
meditava-a "no seu coração" (cf. Lc 1, 38-45; 2, 19. 51) e
cumpria-a com toda a sua vida. Podemos, portanto, afirmar
que as palavras de bem-aventurança pronunciadas por Jesus
não se contrapõem, apesar das aparências, àquelas outras que
foram proferidas pela mulher desconhecida; mas antes, que
com elas se coadunam na pessoa desta Mãe-Virgem, que a si
mesma se designou simplesmente como "serva do Senhor" (Lc 1,
38). Se é verdade que "todas as gerações a chamarão
bem-aventurada" (cf. Lc 1, 48), pode dizer-se que aquela
mulher anónima foi a primeira a confirmar, sem disso ter
consciência, aquele versículo profético do Magnificat de
Maria e a dar início ao Magnificat dos séculos.
Se
Maria, mediante a fé, se tornou a genetriz do Filho que lhe
foi dado pelo Pai com o poder do Espírito Santo, conservando
íntegra a sua virgindade, com a mesma fé ela descobriu e
acolheu a outra dimensão da maternidade, revelada por Jesus
no decorrer da sua missão messiânica. Pode dizer-se que esta
dimensão da maternidade era possuída por Maria desde o
início, isto é, desde o momento da concepção e do nascimento
do Filho. Desde então ela foi "aquela que acreditou". Mas, à
medida que se ia esclarecendo aos seus olhos e no seu
espírito a missão do Filho, ela própria, como Mãe, se ia
abrindo cada vez mais para aquela "novidade" da maternidade,
que devia constituir a sua "parte" ao lado do Filho. Não
declarara ela, desde o princípio: "Eis a serva do Senhor!
Faça-se em mim segundo a tua palavra"? (Lc 1, 38). Maria
continuava, pois, mediante a fé, a ouvir e a meditar aquela
palavra, na qual se tornava cada vez mais transparente, de
um modo "que excede todo conhecimento" (Ef 3, 19), a
autorevelação de Deus vivo. E assim, Maria Mãe tornava-se,
em certo sentido, a primeira "discípula" do seu Filho, a
primeira a quem ele parecia dizer: "Segue-me", mesmo antes
de dirigir este chamamento aos Apóstolos ou a quaisquer
outros (cf. Jo 1, 43).
21.
Sob este ponto de vista, é particularmente eloquente aquele
texto do Evangelho de São João, que nos apresenta Maria nas
bodas de Caná. Maria aparece aí como Mãe de Jesus, que
estava nos princípios da sua vida pública: "Celebravam-se
umas bodas em Caná de Galileia; e encontrava-se lá a mãe de
Jesus. Foi também convidado para as bodas Jesus, com os seus
discípulos (Jo 2, 1-2). Do texto resultaria que Jesus e os
seus discípulos foram convidados juntamente com Maria, quiçá
por motivo da presença dela nessa festa: o Filho parece ter
sido convidado em atenção à Mãe. É conhecida a sequência dos
factos relacionados com esse convite: aquele "início dos
milagres" feitos por Jesus - a água transformada em vinho -
que leva o Evangelista a dizer: Jesus "manifestou a sua
glória e os seus discípulos acreditaram nele" (Jo 2, 11).
Maria
está presente em Caná de Galileia como Mãe de Jesus e
contribui, de modo significativo, para aquele "início dos
milagres", que revelam o poder messiânico do seu Filho.
"Ora, vindo a faltar o vinho, a Mãe de Jesus disse-lhe: "não
têm mais vinho". E Jesus respondeu-lhe: "Que importa isso, a
mim e a ti, ó mulher? Ainda não chegou a minha hora"" (Jo 2,
3-4). No Evangelho de São João aquela "hora" significa o
momento estabelecido pelo Pai, em que o Filho levará a cabo
a sua obra e há-de ser glorificado (cf. Jo 7, 30; 8, 20; 12,
23. 27; 13, 1; 17, 1; 19, 27). Muito embora a resposta de
Jesus à sua Mãe tenha as aparências de uma recusa (sobretudo
se, mais do que na interrogação, se reparar naquela
afirmação firme: "Ainda não chegou a minha hora"), mesmo
assim Maria dirige-se aos que serviam e diz-lhes: "Fazei
aquilo que ele vos disser" (Jo 2, 5). Então Jesus ordena a
esses servos que encham as talhas de água; e a água
transforma-se em vinho, melhor do que aquele que fora
servido anteriormente aos convidados do banquete nupcial.
Que
entendimento profundo terá havido entre Jesus e a sua Mãe?
Como se poderá explorar o mistério da sua íntima união
espiritual? De qualquer modo, o facto é eloquente. Naquele
evento é bem certo que já se delineia bastante claramente a
nova dimensão, o sentido novo da maternidade de Maria. Esta
tem um significado que não está encerrado exclusivamente nas
palavras de Jesus e nos diversos episódios referidos pelos
Sinópticos (Lc 11, 27-28 e Lc 8, 19-21; Mt 12, 46-50; Mc 3,
31-35). Nestes textos Jesus tem o intuito, sobretudo, de
contrapor a maternidade que resulta do próprio facto do
nascimento, àquilo que esta "maternidade" (assim como a
"fraternidade") deve ser na dimensão do Reino de Deus, na
irradiação salvífica da paternidade do mesmo Deus. No texto
de São João, ao contrário, a partir da descrição dos factos
de Caná, esboça-se aquilo em que se manifesta concretamente
esta maternidade nova, segundo o espírito e não somente
segundo a carne, ou seja, a solicitude de Maria pelos
homens, o seu ir ao encontro deles, na vasta gama das suas
carências e necessidades. Em Caná da Galileia torna-se
patente só um aspecto concreto da indigência humana, pequeno
aparentemente e de pouca importância ("Não têm mais vinho").
Mas é algo que tem um valor simbólico: aquele ir ao encontro
das necessidades do homem significa, ao mesmo tempo,
introduzi-las no âmbito da missão messiânica e do poder
salvífico de Cristo. Dá-se, portanto, uma mediação: Maria
põe-se de permeio entre o seu Filho e os homens na realidade
das suas privações, das suas indigências e dos seus
sofrimentos. Põe-se de "permeio", isto é, faz de mediadora,
não como uma estranha, mas na sua posição de mãe, consciente
de que como tal pode - ou antes, "tem o direito de" - fazer
presente ao Filho as necessidades dos homens. A sua
mediação, portanto, tem um carácter de intercessão: Maria
"intercede" pelos homens. E não é tudo: como Mãe deseja
também que se manifeste o poder messiânico do Filho, ou
seja, o seu poder salvífico que se destina a socorrer as
desventuras humanas, a libertar o homem do mal que, sob
diversas formas e em diversas proporções, faz sentir o peso
na sua vida. Precisamente como o profeta Isaías tinha
predito acerca do Messias, no famoso texto a que Jesus se
refere na presença dos seus conterrâneos de Nazaré: "Para
anunciar aos pobres a boa-nova me enviou, para proclamar aos
prisioneiros a libertação e aos cegos a vista ..." (cf. Lc
4, 18).
Outro
elemento essencial desta função maternal de Maria pode ser
captado nas palavras dirigidas aos que serviam à mesa:
"Fazei aquilo que ele vos disser". A Mãe de Cristo
apresenta-se diante dos homens como porta-voz da vontade do
Filho, como quem indica aquelas exigências que devem ser
satisfeitas, para que possa manifestar-se o poder salvífico
do Messias. Em Caná, graças à intercessão de Maria e à
obediência dos servos, Jesus dá início à "sua hora". Em
Caná, Maria aparece como quem acredita em Jesus: a sua fé
provoca da parte dele o primeiro "milagre" e contribui para
suscitar a fé dos discípulos.
22.
Podemos dizer, por conseguinte, que nesta página do
Evangelho de São João encontramos como que um primeiro
assomo da verdade acerca da solicitude maternal de Maria.
Esta verdade teve a sua expressão também no magistério do
recente Concílio. É importante notar que a função maternal
de Maria é por ele ilustrada na sua relação com a mediação
de Cristo. Com efeito, podemos aí ler: "A função maternal de
Maria para com os homens, de modo algum obscurece ou diminui
esta única mediação de Cristo; manifesta antes a sua
eficácia", porque "um só é o mediador entre Deus e os
homens, o homem Cristo Jesus" (1 Tim 2, 5). Esta função
maternal de Maria promana, segundo o beneplácito de Deus,
"da superabundância dos méritos de Cristo, funda-se na sua
mediação e dela depende inteiramente, haurindo aí toda a sua
eficácia". 44 É precisamente neste sentido que o evento de
Caná da Galileia nos oferece como que um preanúncio da
mediação de Maria, toda ela orientada para Cristo e
propendente para a revelação do seu poder salvífico.
Do
texto joanino transparece que se trata de uma mediação
materna. Como proclama o Concílio: Maria "foi para nós mãe
na ordem da graça". Esta maternidade na ordem da graça
resultou da sua própria maternidade divina: porque sendo
ela, por disposição da divina Providência, mãe-nutriz do
Redentor, foi associada à sua obra, de maneira única, como
"amiga generosa" e humilde "serva do Senhor", que "cooperou
... na obra do Salvador com a obediência e com a sua fé,
esperança e caridade ardente, para restaurar nas almas a
vida sobrenatural". 45 "E esta maternidade de Maria na
economia da graça perdura sem interrupção... até à
consumação perpétua de todos os eleitos". 46
23. Se
esta passagem do Evangelho de São João, sobre os factos de
Caná, apresenta a maternidade desvelada de Maria no início
da actividade messiânica de Cristo, há uma outra passagem do
mesmo Evangelho que confirma esta maternidade na economia
salvífica da graça no seu momento culminante, isto é, quando
se realiza o sacrifício de Cristo na Cruz, o seu mistério
pascal. A descrição de São João é concisa: "Estavam junto à
Cruz de Jesus sua mãe, a irmã de sua mãe, Maria, mulher de
Clopá, e Maria de Magdala. Jesus, então, vendo a mãe e perto
dela o discípulo que amava, disse à mãe: "Mulher, eis o teu
filho!". Depois, disse ao discípulo: "Eis a tua mãe!". E a
partir daquele momento, o discípulo levou-a para a sua casa"
(Jo 19-, 25-27).
Neste
episódio reconhece-se, sem dúvida, uma expressão do desvelo
singular do Filho para com a Mãe, que Ele ia deixar no meio
de tanto sofrimento. Todavia, quanto ao sentido deste
desvelo, o "testamento da Cruz" de Cristo diz algo mais.
Jesus põe em relevo um vínculo novo entre Mãe e Filho, do
qual confirma solenemente toda a verdade e realidade. Pode
dizer-se que, se a maternidade de Maria em relação aos
homens já tinha aflorado e se tinha delineado em
precedência, agora é claramente precisada e estabelecida:
ela emerge da maturação definitiva do mistério pascal do
Redentor. A Mãe de Cristo, encontrando-se na irradiação
directa deste mistério que abrange o homem - todos e cada um
dos homens - é dada ao homem - a todos e cada um dos homens
- como mãe. Este homem aos pés da Cruz é João, "o discípulo
que ele amava". 47 Porém não é ele como um só homem. A
Tradição e o Concílio não hesitam em chamar a Maria "Mãe de
Cristo e Mãe dos homens": ela está, efectivamente, associada
na descendência de Adão com todos os homens..., mais ainda,
é verdadeiramente mãe dos membros (de Cristo)..., porque
cooperou com o seu amor para o nascimento dos fiéis na
Igreja". 48
Esta
"nova maternidade de Maria", portanto, gerada pela fé, é
fruto do "novo" amor, que nela amadureceu definitivamente
aos pés da Cruz, mediante a sua participação no amor
redentor do Filho.
24.
Encontramo-nos assim no próprio centro do cumprimento da
promessa, contida no Proto-Evangelho: a "descendência da
mulher esmagará a cabeça da serpente" (cf. Gén 3, 15). Jesus
Cristo, de facto, com a sua morte redentora vence o mal do
pecado e da morte nas suas próprias raízes. É significativo
que, dirigindo-se à Mãe do alto da Cruz, Ele lhe chame
"mulher", ao dizer-lhe: "Mulher, eis o teu filho". Com o
mesmo termo, de resto, se tinha dirigido também a ela em
Caná (cf. Jo 2, 4). Como duvidar de que, especialmente
agora, no alto do Gólgota, esta frase atinja em profundidade
no mistério de Maria, pondo em realce o "lugar" singular que
ela tem em toda a economia da salvação? Como ensina o
Concílio, com Maria, "excelsa Filha de Sião, passada a longa
espera da promessa, completam-se os tempos e instaura-se uma
nova economia, quando o Filho de Deus assumiu dela a
natureza humana, para libertar o homem do pecado, por meio
dos mistérios da sua carne". 49
As
palavras que Jesus pronuncia do alto da Cruz significam que
a maternidade da sua Genetriz tem uma "nova" continuação na
Igreja e mediante a Igreja, simbolizada e representada por
São João. Deste modo, aquela que, como "a cheia de graça",
foi introduzida no mistério de Cristo para ser sua Mãe, isto
é, a Santa Genetriz de Deus, por meio da Igreja permanece
naquele mistério como "a mulher" indicada pelo Livro do
Génesis (cf. 3, 15), no princípio, e pelo Apocalipse (cf.
12, 1), no final da história da salvação. Segundo o eterno
desígnio da Providência, a maternidade divina de Maria deve
estender-se à Igreja, como estão a indicar certas afirmações
da Tradição, segundo as quais a maternidade de Maria para
com a Igreja é o reflexo e o prolongamento da sua
maternidade para com o Filho de Deus. 50
O
próprio momento do nascimento da Igreja e da sua plena
manifestação ao mundo, segundo o Concílio, já deixa entrever
esta continuidade da maternidade de Maria: "Tendo sido do
agrado de Deus não manifestar solenemente o mistério da
salvação humana, antes de ter derramado o Espírito prometido
por Cristo, vemos os Apóstolos, antes do dia do Pentecostes,
"assíduos e concordes na oração, com algumas mulheres e com
Maria a Mãe de Jesus e com os irmãos dele" (Act 1, 14),
implorando também Maria, com suas orações, o dom daquele
Espírito que já tinha estendido sobre ela a sua sombra, na
Anunciação". 51
Sendo
assim, na economia redentora da graça, actuada sob a acção
do Espírito Santo, existe uma correspondência singular entre
o momento da Incarnação do Verbo e o momento do nascimento
da Igreja. E a pessoa que une estes dois momentos é Maria:
Maria em Nazaré e Maria no Cenáculo de Jerusalém. Em ambos
os casos, a sua presença discreta, mas essencial, indica a
via do "nascimento do Espírito". Assim, aquela que está
presente no mistério de Cristo como Mãe, torna-se - por
vontade do Filho e por obra do Espírito Santo - presente no
mistério da Igreja. E também na Igreja continua a ser uma
presença materna, como indicam as palavras pronunciadas na
Cruz: "Mulher, eis o teu Filho"; "Eis a tua Mãe".
SEGUNDA PARTE
A MÃE DE DEUS NO CENTRO DA IGREJA QUE ESTÁ A CAMINHO
1. A
Igreja, Povo de Deus presente em todas as nações da terra
25. "A
Igreja "prossegue a sua peregrinação no meio das
perseguições do mundo e das consolações de Deus", 52
anunciando a paixão e a morte do Senhor até que ele venha
(cf. 1 Cor 11,26)". 53 "Assim como Israel segundo a carne,
que peregrinava no deserto, é já chamado Igreja de Deus (cf.
Esdr 13, 1; Núm 20, 4; Dt 23, 1 ss.), também o novo
Israel... se chama Igreja de Cristo (cf. Mt 16,18), porque
Ele a adquiriu com o seu próprio sangue (cf. Act 20, 28), a
encheu com o seu Espírito e a dotou com os meios adequados
para a unidade visível e social. A todos aqueles que olham
com fé para Jesus, como autor da salvação e princípio de
unidade e de paz, Deus convocou-os e constituiu com eles a
Igreja, a fim de que ela seja para todos e cada um
sacramento visível desta unidade salvífica". 54
O
Concílio Vaticano II fala da Igreja que ainda está a
caminho, estabelecendo uma analogia com o Israel da Antiga
Aliança em peregrinação através do deserto. A peregrinação
possui um carácter também externo, visível no tempo e no
espaço, em que ela se efectua historicamente. A Igreja, de
facto, "devendo estender-se a toda a terra", "entra na
história dos homens, mas simultaneamente transcende os
tempos e as fronteiras dos povos". 55 Porém, o carácter
essencial desta peregrinação da Igreja é interior: trata-se
de uma peregrinação mediante a fé, pela "virtude do Senhor
ressuscitado", 56 de uma peregrinação no Espírito Santo, que
foi dado à Igreja como Consolador invisível (paraklétos)
(cf. Jo 14,26; 15, 26; e 16,7): "Por entre as tentações e
tribulações que vai encontrando no seu peregrinar, a Igreja
é confortada pela força da graça de Deus, que lhe foi
prometida pelo Senhor, para que... não cesse nunca de
renovar-se, com o auxílio do Espírito Santo, até que, pela
Cruz, chegue àquela luz que não conhece ocaso". 57
Precisamente ao longo desta caminhada-peregrinação eclesial,
através do espaço e do tempo e, mais ainda, através da
história das almas, Maria está presente, como aquela que é
"feliz porque acreditou", como aquela que avançava na
peregrinação da fé, participando como nenhuma outra criatura
no mistério de Cristo. Diz ainda o Concílio que "Maria ...
pela sua participação íntima na história da salvação, reúne,
por assim dizer, e reflecte em si os imperativos mais altos
da fé". 58 Ela é, entre todos os que acreditam, como um
"espelho", em que se reflectem da maneira mais profunda e
mais límpida "as maravilhas de Deus" (Act 2, 11).
26.
Edificada por Cristo sobre os Apóstolos, a Igreja tornou-se
plenamente cônscia destas "maravilhas de Deus" no dia do
Pentecostes, quando os que estavam congregados no Cenáculo
de Jerusalém "ficaram todos cheios do Espírito Santo e
começaram a falar outras línguas, segundo o Espírito Santo
lhes concedia que se exprimissem" (Act 2, 4). A partir desse
momento começa também aquela caminhada de fé, a peregrinação
da Igreja através da história dos homens e dos povos. É
sabido que, ao iniciar-se essa caminhada, Maria se
encontrava presente; vemo-la no meio dos Apóstolos no
Cenáculo de Jerusalém, "implorando com as suas orações o dom
do Espírito". 59
A sua
caminhada de fé, em certo sentido, é mais longa. O Espírito
Santo já tinha descido sobre ela, que se tornou sua fiel
esposa na Anunciação, acolhendo o Verbo de Deus vivo,
rendendo "o obséquio pleno da inteligência e da vontade e
prestando o voluntário assentimento à Sua revelação"; ou
melhor, abandonando-se totalmente nas mãos de Deus,
"mediante a obediência de fé", 60 pelo que respondeu ao
Anjo: "Eis a serva do Senhor! Faça-se em mim segundo a tua
palavra" (Lc 1, 38). Assim, a caminhada de fé de Maria, que
vemos a orar no Cenáculo, é "mais longa" do que a dos outros
que aí se encontravam reunidos: Maria "precede-os", "vai
adiante" deles. 61 O momento do Pentecostes em Jerusalém foi
preparado pelo momento da Anunciação em Nazaré. No Cenáculo,
o "itinerário" de Maria encontra-se com a caminhada da fé da
Igreja. E de que modo?
Entre
aqueles que eram assíduos à oração no Cenáculo,
preparando-se para ir "por todo o mundo" depois de receber o
Espírito Santo, alguns tinham sido chamados por Jesus, uns
após outros, sucessivamente, desde os primórdios da sua
missão em Israel. Onze dentre eles tinham sido constituídos
Apóstolos; e a estes Jesus tinha transmitido a missão que
ele próprio recebera do Pai: "Assim como o Pai me enviou,
também eu vos envio a vós" (Jo 20, 21), tinha Ele dito aos
mesmos Apóstolos depois da Ressurreição. E, passados
quarenta dias, antes de voltar para o Pai, tinha
acrescentado ainda: "quando o Espírito Santo tiver descido
sobre vós..., sereis minhas testemunhas até às extremidades
da terra" (cf. Act 1, 8). Esta missão dos Apóstolos teve
início a partir do momento da sua saída do Cenáculo de
Jerusalém. A Igreja nasce e começa então a crescer, mediante
o testemunho que Pedro e os demais Apóstolos dão acerca de
Cristo crucificado e ressuscitado (cf. Act 2, 31-34; 3,
15-18; 4, 10-12; 5, 30-32).
Maria
não recebeu directamente esta missão apostólica. Não se
encontrava entre aqueles que Jesus enviou "por todo o mundo
para ensinar todas as gentes" (cf. Mt 28, 19), quando lhes
conferiu tal missão. Estava, porém, no Cenáculo, onde os
Apóstolos se preparavam para assumir esta sua missão com a
vinda do Espírito da Verdade: Maria estava com eles. No meio
deles ela era "assídua na oração" como Mãe de Jesus" (cf.
Act 1, 13-14), ou seja, de Cristo crucificado e
ressuscitado. E esse primeiro núcleo daqueles que se
voltavam "com fé para Jesus Cristo, autor da salvação", 62
estava consciente de que o mesmo Jesus era o Filho de Maria
e que ela era sua Mãe; e como tal desde o momento da
concepção e do nascimento, ela era uma testemunha especial
do mistério de Jesus, daquele mistério que tinha sido
expresso e confirmado diante dos seus olhos com a Cruz e a
Ressurreição. A Igreja, portanto, desde o primeiro momento,
"olhou" para Maria através de Jesus, como também "olhou"
para Jesus através de Maria. Ela foi para a Igreja de então
e de sempre uma testemunha singular dos anos da infância de
Jesus e da sua vida oculta em Nazaré, período em que ela
"conservava todas estas coisas, ponderando-as no seu
coração" (Lc 2, 19; Lc 2, 51).
Mas na
Igreja de então como na Igreja de sempre, Maria foi e é,
sobretudo, aquela que é "feliz porque acreditou": foi quem
primeiro acreditou. Desde o momento da Anunciação e da
concepção e depois do nascimento na gruta de Belém, Maria
acompanhou passo a passo Jesus, na sua materna peregrinação
de fé. Acompanhou-o ao longo dos anos da sua vida oculta em
Nazaré; acompanhou-o também durante o período da separação
externa, quando ele começou a dedicar-se às "obras e ao
ensino" (cf. Act 1, 1 ) no seio de Israel; e acompanhou-o,
sobretudo, na experiência trágica do Gólgota. E agora,
enquanto Maria se encontrava com os Apóstolos no Cenáculo de
Jerusalém, nos albores da Igreja, recebia confirmação a sua
fé, nascida das palavras da Anunciação. O Anjo tinha-lhe
dito então: "Conceberás e darás à luz um filho, ao qual
porás o nome de Jesus. Ele será grande ... e reinará
eternamente sobre a casa de Jacob e o seu reinado não terá
fim" (Lc 1, 32-33). Os acontecimentos do Calvário, havia
pouco ainda, tinham envolvido em trevas esta promessa; e
contudo, mesmo aos pés da Cruz, não tinha desfalecido a fé
de Maria. Ela, ainda ali, permanecia aquela que, como
Abraão, "acreditou, esperando contra toda a esperança" (Rom
4, 18). E assim, depois da Ressurreição, a esperança tinha
desvelado o seu verdadeiro rosto e a promessa tinha começado
a transformar-se em realidade. Com efeito, Jesus, antes de
voltar para o Pai, dissera aos Apóstolos: "Ide e ensinai
todas as gentes... Eis que eu estou convosco, todos os dias,
até ao fim do mundo" (cf. Mt 28, 19. 20). Dissera assim
aquele que, com a sua Ressurreição, se tinha revelado como o
triunfador da morte, como o detentor de um reinado "que não
terá fim", conforme o Anjo tinha anunciado.
27.
Agora, nos albores da Igreja, no princípio da sua longa
caminhada mediante a fé, que se iniciava em Jerusalém com o
Pentecostes, Maria estava com todos aqueles que então
constituíam o gérmen do "novo Israel". Estava presente no
meio deles como uma testemunha excepcional do mistério de
Cristo. E a Igreja era assídua na oração juntamente com ela
e, ao mesmo tempo, "contemplava-a à luz do Verbo feito
homem". E assim viria a ser sempre. Com efeito, sempre que a
Igreja "penetra mais profundamente no insondável mistério da
Incarnação", ela pensa na Mãe de Cristo com entranhada
veneração e piedade. 63 Maria faz parte indissoluvelmente do
mistério de Cristo; e faz parte também do mistério da Igreja
desde o princípio, desde o dia do seu nascimento. Na base
daquilo que a Igreja é desde o inicio, daquilo que ela deve
tornar-se continuamente, de geração em geração, no seio de
todas as nações da terra, encontra-se "aquela que acreditou
no cumprimento das coisas que lhe foram ditas da parte do
Senhor" (Lc 1, 45). Esta fé de Maria, precisamente, que
assinala o início da nova e eterna Aliança de Deus com a
humanidade em Jesus Cristo, esta sua fé heróica "precede" o
testemunho apostólico da Igreja e permanece no coração da
mesma Igreja, escondida como uma herança especial da
revelação de Deus. Todos aqueles que, de geração em geração,
aceitando o testemunho apostólico da Igreja, começam a
participar nessa herança misteriosa, participam, em certo
sentido, na fé de Maria.
As
palavras de Isabel "feliz daquela que acreditou", continuam
a acompanhar a Virgem Maria também no Pentecostes; seguem-na
de época para época, para onde quer que se estenda, através
do testemunho apostólico e do serviço da Igreja, o
conhecimento do mistério salvífico de Cristo. E assim se
cumpre a profecia do Magnificat: "Hão-de me chamar
bem-aventurada todas as gerações, porque fez em mim grandes
coisas o Todo-poderoso. É santo o seu nome" (Lc 1, 48-49).
Ao conhecimento do mistério de Cristo segue-se,
efectivamente, a bênção de sua Mãe, sob a forma de especial
veneração para com a Theotókos. E nessa veneração estão
incluídas sempre as palavras abençoadoras da sua fé. Com
efeito, a Virgem de Nazaré, segundo as palavras de Isabel na
altura da Visitação, tornou-se ditosa sobretudo mediante
essa sua fé. Aqueles que, de geração em geração, no seio de
diversos povos e nações, acolhem com fé o mistério de
Cristo, Verbo Incarnado e Redentor do mundo, não só se
voltam com veneração e recorrem confiadamente a Maria como a
sua Mãe, mas na sua fé procuram também o apoio para a
própria fé. E precisamente esta participação viva na fé de
Maria decide de uma sua presença especial na peregrinação da
Igreja, como novo Povo de Deus espalhado por toda a terra.
28.
Como diz o Concílio, "Maria ... pela sua participação íntima
na história da salvação... quando é exaltada e honrada,
atrai os fiéis ao seu Filho e ao sacrifício dele, bem como
ao amor do Pai" 64 Por isso, a fé de Maria, atendo-nos ao
testemunho apostólico da Igreja, torna-se, de alguma
maneira, incessantemente a fé do Povo de Deus que está a
caminho: a fé das pessoas e das comunidades, dos encontros e
das assembleias e, enfim, dos diversos grupos que existem na
Igreja. Trata-se de uma fé que se transmite mediante o
conhecimento e o coração ao mesmo tempo; de uma fé que se
adquire ou readquire continuamente mediante a oração. É por
isso que, "também na sua acção apostólica, a Igreja olha com
razão para aquela que gerou Cristo, o qual foi concebido por
obra do Espírito Santo e nasceu da Virgem precisamentepara
nascer e crescer também no coração dos fiéis, por meio da
Igreja". 65
Hoje,
quando nesta peregrinação de fé já nos aproximamos do final
do Segundo Milénio cristão, a Igreja, por intermédio do
magistério do Concílio Vaticano II, chama a atenção para
aquilo que ela reconhece ser, em si mesma: um "só Povo de
Deus ... que se encontra radicado em todas as nações do
mundo"; e, igualmente, para a verdade segundo a qual todos
os féis, embora "espalhados pelo mundo, comunicam com os
restantes por meio do Espírito Santo", 66 de sorte que pode
dizer-se que nesta união se realiza continuamente o mistério
do Pentecostes. Ao mesmo tempo, os apóstolos e os discípulos
do Senhor, em todas as nações da terra, "entregam-se
assiduamente à oração, em companhia de Maria, a mãe de
Jesus" (cf. Act 1, 14). Constituindo de geração em geração o
"sinal do Reino" que "não é deste mundo", 67 eles estão
cônscios de que no meio deste mundo devem congregar-se em
torno daquele Rei, ao qual foram dadas em posse as nações,
para seu domínio (cf. Sl 2, 8), e ao qual Deus e Senhor deu
"o trono de David, seu pai", de modo que ele "reinará
eternamente na casa de Jacob e o seu reinado não terá fim"
(cf. Lc 1, 33).
Neste
tempo de vigília, Maria, mediante a mesma fé que a tornou
feliz a ela, especialmente a partir do momento da
Anunciação, está presente na missão da Igreja, presente na
obra da Igreja que introduz no mundo do Reino do seu Filho.
68 Esta presença de Maria, nos dias de hoje, como aliás ao
longo de toda a história da Igreja, encontra múltiplos meios
de expressão. Possui também um multiforme raio de acção:
mediante a fé e a piedade dos fiéis; mediante as tradições
das famílias cristãs ou "igrejas domésticas", das
comunidades paroquiais e missionárias, dos institutos
religiosos e das dioceses; e mediante o poder de atracção e
irradiação dos grandes santuários, onde não apenas as
pessoas individualmente ou grupos locais, mas por vezes
inteiras nações e continentes procuram o encontro com a Mãe
do Senhor, com Aquela que é feliz porque acreditou, que é a
primeira entre aqueles que acreditaram e por isso se tornou
a Mãe do Emanuel. Na mesma linha se enquadra o apelo da
Terra da Palestina, pátria espiritual de todos os cristãos,
porque foi a pátria do Salvador do mundo e da sua Mãe; de
igual modo, o apelo dos numerosos templos que a fé cristã
ergueu no decorrer dos séculos em Roma e no mundo inteiro;
e, ainda, o apelo de centros como Guadalupe, Lourdes, Fátima
e os outros espalhados pelos diversos países, entre os
quais, como poderia eu deixar de recordar o da minha terra
natal, Jasna Góra? Talvez se pudesse falar de uma
"geografia" específica da fé e da piedade marianas, a qual
abrange todos estes lugares de particular peregrinação do
Povo de Deus; este busca o encontro com a Mãe de Cristo,
procurando achar no clima de especial irradiação da presença
materna "daquela que acreditou", a consolidação da própria
fé.
Com
efeito, na fé de Maria, já aquando da Anunciação e de forma
completa aos pés da Cruz, reabriu-se para o homem um certo
espaço interior, no qual o eterno Pai pode locupletar-nos
com "toda a sorte de bênçãos espirituais": o espaço da "nova
e eterna Aliança" 69 Este espaço subsiste na Igreja que, em
Cristo, é como que "um sacramento da íntima união com Deus e
da unidade de todo o género humano". 70
É pela
fé, pois, aquela fé que Maria professou na Anunciação "como
serva do Senhor" e com a qual constantemente "precede" o
Povo de Deus que está a caminho sobre a terra, que a Igreja
"tende eficaz e constantemente à recapitulação de toda a
humanidade... sob a Cabeça, Cristo, na unidade do seu
Espírito". 71
2. A
caminhada da Igreja e a unidade de todos os Cristãos
29. "O
Espírito suscita em todos os discípulos de Cristo o desejo e
a acção em vista de que todos, segundo o modo estabelecido
por Cristo, se unam pacificamente num só rebanho e sob um só
pastor". 72 A caminhada da Igreja, especialmente na nossa
época, está marcada pelo sinal do Ecumenismo: os cristãos
procuram as vias para reconstituir aquela unidade que Cristo
invocava do Pai para os seus discípulos nas vésperas da sua
paixão: "para que todos sejam uma coisa só. Assim como tu, ó
Pai, estás em mim e eu em ti, também eles sejam um em nós, a
fim de que o mundo creia que tu me enviaste" (Jo 17, 21). A
unidade dos discípulos de Cristo, portanto, é um sinal
influente para suscitar a fé do mundo; ao passo que a sua
divisão constitui um escândalo. 73
O
movimento ecuménico, com base numa consciência mais lúcida e
difundida da urgência de se chegar à unidade de todos os
cristãos, teve a sua expressão culminante, por parte da
Igreja católica, na obra do Concílio Vaticano II: é preciso
que os mesmos cristãos aprofundem em si próprios e em cada
uma das suas comunidades aquela "obediência de fé" de que
Maria Santíssima é o primeiro e o mais luminoso exemplo. E
uma vez que ela "brilha agora diante do Povo de Deus ainda
peregrinante como sinal de esperança segura e de
consolação", "é motivo de uma grande alegria e de consolação
para o sagrado Concílio o facto de não faltar entre os
irmãos desunidos quem tribute à Mãe do Senhor e Salvador a
devida honra, sobretudo entre os Orientais". 74
30. Os
cristãos sabem que a unidade entre eles só poderá ser
reencontrada verdadeiramente se estiver fundada sobre a
unidade da sua fé. Eles devem resolver discordâncias não
leves de doutrina, quanto ao mistério e ao ministério da
Igreja e quanto à função de Maria na obra da salvação. 75 Os
diálogos já entabulados pela Igreja católica com as Igrejas
orientais e com as Igrejas e Comunidades eclesiais do
Ocidente 76 vão convergindo, cada vez mais, para estes dois
aspectos inseparáveis do próprio mistério da salvação. Se o
mistério do Verbo Incarnado nos faz vislumbrar o mistério da
maternidade divina e se a contemplação da Mãe de Deus, por
sua vez, nos introduz numa compreensão mais profunda do
mistério da Incarnação, o mesmo se deve dizer do mistério da
Igreja e da função de Maria na obra da salvação. Ao
aprofundar um e outro e ao tentar esclarecer um por meio do
outro, os cristãos, desejosos de fazer - como lhes recomenda
a sua Mãe - o que Jesus lhes disser (cf. Jo 2, 5), poderão
progredir juntos naquela "peregrinação da fé" de que Maria é
sempre o exemplo e que deve conduzi-los à unidade, querida
pelo seu único Senhor e tão desejada por aqueles que estão
prontos a ouvir atentamente o que o Espírito diz hoje às
Igrejas (cf. Apoc 2, 7. 11. 17).
Entretanto, é um bom presságio que estas Igrejas e
Comunidades eclesiais estejam concordes em pontos
fundamentais da fé cristã, também pelo que diz respeito à
Virgem Maria. Elas, de facto, reconhecem-na como Mãe do
Senhor e acham que isso faz parte da nossa fé em Cristo,
verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Ademais, volvem para ela
o olhar, aceitando ser Aquela que, aos pés da Cruz, acolhe o
discípulo amado como seu filho, o qual, por sua vez, a
recebe a ela como mãe.
Por
que, então, não olhar todos conjuntamente para a nossa Mãe
comum, que intercede pela unidade da família de Deus e que a
todos "precede", à frente do longo cortejo das testemunhas
da fé no único Senhor, o Filho de Deus, concebido no seu
seio virginal por obra do Espírito Santo?
31.
Desejo realçar, por outro lado, quanto a Igreja católica, a
Igreja ortodoxa e as antigas Igrejas orientais se sentem
profundamente unidas no amor e louvor à Theotókos. Não só
"os dogmas fundamentais da fé cristã acerca da Trindade e do
Verbo de Deus, que assumiu a carne da Virgem Maria, foram
definidos nos Concílios ecuménicos celebrados no Oriente",
77 mas também no seu culto litúrgico "os Orientais exaltam
com hinos esplêndidos Maria sempre Virgem ... e Santíssima
Mãe de Deus". 78
Os
irmãos destas Igrejas passaram por vicissitudes complexas;
mas a sua história foi sempre animada por um vivo desejo de
empenhamento cristão e de irradiação apostólica, embora
muitas vezes marcada por perseguições, mesmo cruentas. É uma
história de fidelidade ao Senhor, uma autêntica
"peregrinação da fé" através dos lugares e dos tempos, nos
quais os cristãos orientais sempre se voltaram com ilimitada
confiança para a Mãe do Senhor, a celebraram com louvores e
a invocaram constantemente com orações. Nos momentos
difíceis da sua existência cristã atribulada, "eles
refugiaram-se sob a sua protecção", 79 conscientes de
encontrarem nela um poderoso auxílio. As Igrejas que
professam a doutrina de Éfeso, proclamam a Virgem Maria
"verdadeira Mãe de Deus", por isso mesmo que "nosso Senhor
Jesus Cristo, nascido do Pai antes de todos os séculos
segundo a divindade, nos últimos tempos, por nós e para
nossa salvação, foi gerado pela Virgem Maria Mãe de Deus
segundo a humanidade", 80 Os Padres gregos e a tradição
bizantina, contemplando a Virgem Santíssima à luz do Verbo
feito homem, procuraram penetrar na profundidade daquele
vínculo que une Maria, enquanto Mãe de Deus, a Cristo e à
Igreja: ela é uma presença permanente em toda a amplidão do
mistério salvífico.
As
tradições coptas e etiópicas foram introduzidas nessa
contemplação do mistério de Maria por São Cirilo de
Alexandria; e, por sua vez, celebraram-na com uma abundante
florescência poética. 81 O génio poético de Santo Efrém, o
Sirio, denominado "a cítara do Espirito Santo", cantou
infatigavelmente a Virgem Maria, deixando um rasto ainda
visível em toda a tradição da Igreja siríaca. 82 No seu
panegírico da Theotókos, São Gregório de Narek, uma das mais
fúlgidas glórias da Arménia, com vigoroso estro poético,
aprofundou os diversos aspectos do mistério da Incarnação; e
cada um destes aspectos é para ele ocasião de cantar e
exaltar a dignidade extraordinária e a beleza esplendorosa
da Virgem Maria, Mãe do Verbo Incarnado. 83
Não é
para admirar, pois, que Maria tenha um lugar privilegiado no
culto das antigas Igrejas orientais, com uma abundância
admirável de festas e de hinos.
32. Na
liturgia bizantina, em todas as horas do Ofício divino, o
louvor da Mãe anda unido ao louvor do Filho e ao louvor que,
por meio do Filho, se eleva ao Pai no Espírito Santo. Na
anáfora ou oração eucarística de São João Crisóstomo,
imediatamente depois da epiclése, a comunidade reunida canta
desta forma à Mãe de Deus: "É verdadeiramente justo
proclamar-vos bem-aventurada, ó Deípara, que sois
felicíssima, toda pura e Mãe do nosso Deus. Nós vos
magnificamos: a vós, que sois mais digna de honra do que os
querubins e incomparavelmente mais gloriosa do que os
serafins! A vós que, sem perder a vossa virgindade, destes
ao mundo o Verbo de Deus! A vós, que sois verdadeiramente a
Mãe de Deus"!
Semelhantes louvores, que em cada celebração da liturgia
eucarística se elevam a Maria Santíssima, forjaram a fé, a
piedade e a oração dos fiéis. No decorrer dos séculos tais
louvores impregnaram todas as expressões da sua
espiritualidade, suscitando neles uma devoção profunda para
com a "Santíssima Mãe de Deus".
33.
Este ano ocorre o XII centenário do segundo Concílio
Ecuménico de Niceia (a. 787), no qual, para resolução da
conhecida controvérsia acerca do culto das imagens sagradas,
foi definido que, segundo o ensino dos santos Padres e
segundo a tradição universal da Igreja, se podiam propôr à
veneração dos fiéis, conjuntamente com a Cruz, as imagens da
Mãe de Deus, dos Anjos e dos Santos, tanto nas igrejas como
nas casas ou ao longo dos caminhos. 84 Este costume foi
conservado em todo o Oriente e também no Ocidente: as
imagens da Virgem Maria têm um lugar de honra nas igrejas e
nas casas. Maria é representada: ou como trono de Deus, que
sustenta o Senhor e o doa aos homens (Theotókos); ou como
caminho que leva a Cristo e o mostra (Odigitria); ou como
orante, em atitude de intercessão e sinal da presença divina
nos caminhos dos fiéis, até ao dia do Senhor (Deisis); ou
como protectora, que estende o seu manto sobre os povos
(Pokrov); ou, enfim, como Virgem misericordiosa e cheia de
ternura (Eleousa). Ela é representada, habitualmente, com o
seu Filho, o Menino Jesus, que tem nos braços: é a relação
com o Filho que glorifica a Mãe. Algumas vezes, ela abraça-o
com ternura (Glykofilousa); outras vezes, está hiératica e
parece absorvida na contemplação daquele que é o Senhor da
história (cf. Apoc 5, 9-14). 85
Convém
também recordar a Ícone de Nossa Senhora de Vladimir, que
constantemente acompanhou a peregrinação de fé dos povos da
antiga "Rus'". Aproxima-se o primeiro Milénio da conversão
ao Cristianismo daquelas nobres terras: terras de gente
humilde, de pensadores e de santos. As Ícones são veneradas
ainda hoje na Ucrânia, na Bielo-Rússia (ou Rússia Branca) e
na Rússia, sob diversos títulos: são imagens que atestam a
fé e o espírito de oração daquele povo bondoso, que adverte
a presença e a protecção da Mãe de Deus. Nessas Ícones a
Virgem Maria resplandece como reflexo da beleza divina,
morada da eterna Sabedoria, figura da orante, protótipo da
contemplação e imagem da glória: tenta-se representar aquela
que, desde o início da sua vida terrena, possuindo a ciência
espiritual inacessível aos raciocínios humanos, com a fé
alcançou o conhecimento mais sublime. Recordo, ainda, a
Ícone da Virgem do Cenáculo, em oração com os Apóstolos,
aguardando a vinda do Espírito: não poderia ela tornar-se
sinal de esperança para todos aqueles que, no diálogo
fraterno, querem aprofundar a própria obediência da fé?
34.
Tamanha riqueza de louvores, acumulada pelas diversas formas
da grande tradição da Igreja, poderia ajudar-nos a fazer com
que a mesma Igreja torne a respirar plenamente "com os seus
dois pulmões": o Oriente e o Ocidente. Como já afirmei, por
mais de uma vez, isso é necessário mais do que nunca, nos
dias de hoje. Seria um valioso auxílio para fazer progredir
o diálogo em vias de actuação entre a Igreja católica e as
Igrejas e as Comunidades eclesiais do Ocidente. 86 E seria
também a via para a Igreja que está a caminho poder cantar e
viver de modo mais perfeito o seu "Magnificat".
3. O
"Magnificat" da Igreja que está a caminho
35. Na
fase actual da sua caminhada, a Igreja procura, pois,
reencontrar a união de todos os que professam a própria fé
em Cristo, para manifestar a obediência ao seu Senhor que
orou por esta unidade, antes do seu iminente sacrifício. Ela
vai avançando na "sua peregrinação... e anunciando a paixão
e a morte do Senhor até que ele venha". 87 "Prosseguindo
entre as tentações e tribulações da caminhada, a Igreja é
apoiada pela força da graça de Deus, que lhe foi prometida
pelo Senhor, para que não se afaste da perfeita fidelidade
por causa da fraqueza humana, mas permaneça digna esposa do
seu Senhor e, com o auxílio do Espírito Santo, não cesse de
se renovar a si própria até que, pela Cruz, chegue á luz que
não conhece ocaso". 88
A
Virgem Maria está constantemente presente nesta caminhada de
fé do Povo de Deus em direcção à luz. Demonstra-o de modo
especial o cântico do "Magnificat", que, tendo jorrado da
profundidade da fé de Maria na Visitação, não cessa de
vibrar no coração da Igreja ao longo dos séculos. Prova-o a
sua recitação quotidiana na liturgia das Vésperas e em
muitos outros momentos de devoção, quer pessoal, quer
comunitária.
"A
minha alma glorifica o Senhor,
e o
meu espírito exulta em Deus, meu Salvador,
porque
olhou para a humildade da sua serva.
De
hoje em diante todas as gerações
hão-de
me chamar bem-aventurada.
Porque
fez em mim grandes coisas o Todo-poderoso. E santo é o seu
nome:
a sua
misericórdia estende-se de geração em geração sobre aqueles
que o temem.
Manifestou o poder do seu braço
e
dispersou os soberbos com os desígnios
que
eles conceberam;
derrubou os poderosos de seus tronos
e
exaltou os humildes
encheu
de bens os famintos
e aos
ricos despediu-os de mãos vazias.
Socorreu Israel, seu servo,
recordando-se da sua misericórdia,
como
tinha prometido aos nossos pais,
a
Abraão e à sua descendência para sempre"
(Lc 1,
46-55).
36.
Quando Isabel saudou a jovem parente, que acabava de chegar
de Nazaré, Maria respondeu com o Magnificat. Na sua
saudação, Isabel tinha chamado a Maria: primeiro, "bendita"
por causa do "fruto do seu ventre"; e depois, "feliz"
(bem-aventurada) por causa da sua fé (cf. Lc 1, 42. 45 ).
Estas duas palavras abençoantes referiam-se directamente ao
momento da Anunciação. Agora, na Visitação, quando Isabel,
na sua saudação, dá um testemunho daquele momento
culminante, a fé de Maria enriquece-se de uma nova
consciência e de uma nova expressão. Aquilo que no momento
da Anunciação permanecia escondido na profundidade da
"obediência da fé" dir-se-ia que agora daí irrompe, como uma
chama clara e vivificante do espírito. As palavras usadas
por Maria, no limiar da casa de Isabel, constituem uma
profissão inspirada desta sua fé, na qual se exprime a
resposta à palavra da revelação, com a elevação religiosa e
poética de todo o seu ser no sentido de Deus. Nessas
palavras sublimes, que são ao mesmo tempo muito simples e
totalmente inspiradas nos textos sagrados do povo de Israel,
89 transparece a experiência pessoal de Maria, o êxtase do
seu coração. Resplandece nelas um clarão do mistério de
Deus, a glória da sua inefável santidade, o amor eterno que,
como um dom irrevogável, entra na história do homem.
Maria
é a primeira a participar nesta nova revelação de Deus e,
mediante ela, nesta nova "autodoação" de Deus. Por isso
proclama: "Grandes coisas fez em mim ... e santo é o seu
nome". As suas palavras reflectem a alegria do espírito,
difícil de exprimir: "O meu espírito exulta em Deus, meu
Salvador". Porque "a verdade profunda, tanto a respeito de
Deus como a respeito da salvação dos homens,
manifesta-se-nos... em Cristo, que é, simultaneamente, o
mediador e a plenitude de toda a revelação". 90 No arroubo
do seu coração, Maria confessa ter-se encontrado no próprio
âmago desta plenitude de Cristo. Está consciente de que em
si está a cumprir-se a promessa feita aos pais e, em
primeiro lugar, em favor de "Abraão e da sua descendência
para sempre": que em si, portanto, como mãe de Cristo,
converge toda a economia salvífica, na qual "de geração em
geração" se manifesta Aquele que, como Deus da Aliança, "se
recorda da sua misericórdia".
37. A
Igreja, que desde o início modela a sua caminhada terrena
pela caminhada da Mãe de Deus, repete constantemente, em
continuidade com ela, as palavras do Magnificat. Nas
profundidades da fé da Virgem Maria na Anunciação e na
Visitação, a Igreja vai haurir a verdade acerca do Deus da
Aliança; acerca de Deus que é Todo-poderoso e faz "grandes
coisas" no homem: "santo é o seu nome". No Magnificat, ela
vê debelado nas suas raízes o pecado do princípio da
história terrena do homem e da mulher: o pecado da
incredulidade e da "pouca fé" em Deus. Contra a "suspeita"
que o "pai da mentira" fez nascer no coração de Eva, a
primeira mulher, Maria, a quem a tradição costuma chamar
"nova Eva" 91 e verdadeira "mãe dos vivos", 92 proclama com
vigor a não ofuscada verdade acerca de Deus: o Deus santo e
omnipotente, que desde o princípio é a fonte de todas as
dádivas, aquele que "fez grandes coisas" nela, Maria, assim
como em todo o universo. Deus, ao criar, dá a existência a
todas as realidades; e ao criar o homem, dá-lhe a dignidade
da imagem e da semelhança consigo, de modo singular em
relação a todas as demais criaturas terrestres. E não se
detendo na sua vontade de doação, não obstante o pecado do
homem, Deus dá-se no Filho: "Amou tanto o mundo que lhe deu
o seu Filho unigénito" (Jo 3, 16) Maria é a primeira
testemunha desta verdade maravilhosa, que se actuará
plenamente mediante "as obras e os ensinamentos" (cf. Act 1,
1) do seu Filho e, definitivamente, mediante a sua Cruz e
Ressurreição.
A
Igreja, que, embora entre "tentações e tribulações", não
cessa de repetir com Maria as palavras do Magnificat,
"escora-se" na força da verdade sobre Deus, proclamada então
com tão extraordinária simplicidade; e, ao mesmo tempo,
deseja iluminar com esta mesma verdade acerca de Deus os
difíceis e por vezes intrincados caminhos da existência
terrena dos homens. A caminhada da Igreja, portanto, já
quase no final do Segundo Milénio cristão, implica um
empenhamento renovado na própria missão. Segundo Aquele que
disse de si: "(Deus) mandou-me a anunciar aos pobres a boa
nova" (cf. Lc 4, 18), a Igreja tem procurado, de geração em
geração, e procura ainda hoje cumprir esta mesma missão.
O seu
amor preferencial pelos pobres acha-se admiravelmente
inscrito no Magnificat de Maria. O Deus da Aliança, cantado
pela Virgem de Nazaré, com exultação do seu espírito, é ao
mesmo tempo aquele que "derruba os poderosos dos tronos e
exalta os humildes... enche de bens os famintos e despede os
ricos de mãos vazias ... dispersa os soberbos... e conserva
a sua misericórdia para com aqueles que o temem".
Maria
está profundamente impregnada do espírito dos "pobres de
Javé" que, segundo a oração dos Salmos, esperavam de Deus a
própria salvação, pondo nele toda a sua confiança (Sl 25;
31; 35; e 55). Ela, na verdade, proclama o advento do
mistério da salvação, a vinda do "Messias dos pobres" (cf.
Is 11, 4; 61, 1). Haurindo certeza do coração de Maria, da
profundidade da sua fé, expressa nas palavras do Magnificat,
a Igreja renova em si, sempre para melhor, essa própria
certeza de que não se pode separar a verdade a respeito de
Deus que salva, de Deus que é fonte de toda a dádiva, da
manifestação do seu amor preferencial pelos pobres e pelos
humildes, amor que, depois de cantado no Magnificat, se
encontra expresso nas palavras e nas obras de Jesus.
A
Igreja, portanto, está bem cônscia - e na nossa época esta
sua certeza reforça-se de modo particular - não só de que
não podem ser separados estes dois elementos da mensagem
contida no Magnificat, mas também de que deve outrossim ser
salvaguardada cuidadosamente a importância que têm os
"pobres" e a "opção em favor dos pobres" na palavra de Deus
vivo. Trata-se de temas e problemas organicamente conexos
com o sentido cristão da liberdade e da libertação. Maria,
"totalmente dependente de Deus e toda ela orientada para
Ele, ao lado do seu Filho, é a ícone mais perfeita da
liberdade e da libertação da humanidade e do cosmos. É para
Maria que a Igreja, da qual ela é Mãe e modelo, deve olhar,
a fim de compreender na sua integralidade o sentido da
própria missão". 93
TERCEIRA PARTE
MEDIAÇÃO MATERNA
1.
Maria, Serva do Senhor
38. A
Igreja sabe e ensina, com São Paulo, que um só é o nosso
mediador: "Não há senão um só Deus e um só é também o
mediador entre Deus e os homens, o homem Cristo Jesus, que
se entregou a si mesmo como resgate por todos" (1 Tim 2,
5-6). "A função maternal de Maria para com os homens de modo
nenhum obscurece ou diminui esta única mediação de Cristo;
mas até manifesta qual a sua eficácia" 94 é uma mediação em
Cristo.
A
Igreja sabe e ensina que "todo o influxo salutar da
Santíssima Virgem em favor dos homens se deve ao beneplácito
divino e ... dimana da superabundância dos méritos de
Cristo, funda-se na sua mediação, dela depende
absolutamente, haurindo aí toda a sua eficácia; de modo que
não impede o contacto imediato dos fiéis com Cristo, antes o
facilita". 95 Este influxo salutar é apoiado pelo Espírito
Santo, que, assim como estendeu a sua sombra sobre a Virgem
Maria, dando na sua pessoa início à maternidade divina,
assim também continuamente sustenta a sua solicitude para
com os irmãos do seu Filho.
Efectivamente, a mediação de Maria está intimamente ligada à
sua maternidade e possui um carácter especificamente
maternal, que a distingue da mediação das outras criaturas
que, de diferentes modos e sempre subordinados, participam
na única mediação de Cristo; também a mediação de Maria
permanece subordinada. 96 Se, na realidade, "nenhuma
criatura pode jamais colocar-se no mesmo plano que o Verbo
Incarnado e Redentor", também é verdade que "a mediação
única do Redentor não exclui, antes suscita nas criaturas
uma cooperação multiforme, participada duma única fonte"; e
assim, "a bondade de Deus, única, difunde-se realmente, de
diferentes modos, nas criaturas". 97
O
ensino do Concílio Vaticano II apresenta a verdade da
mediação de Maria como "participação nesta única fonte, que
é a mediação do próprio Cristo". Com efeito, lemos: "A
Igreja não hesita em reconhecer abertamente essa função
assim, subordinada; sente-a continuamente e recomenda-a ao
amor dos fiéis, para que, apoiados nesta ajuda materna, eles
estejam mais intimamente unidos ao Mediador e Salvador". 98
Tal função é, ao mesmo tempo, especial e extraordinária. Ela
promana da sua maternidade divina e pode ser comprendida e
vivida na fé somente se nos basearmos na plena verdade desta
maternidade. Sendo Maria, em virtude da eleição divina, a
Mãe do Filho consubstancial ao Pai e "cooperadora generosa"
na obra da Redenção, ela tornou-se para nós "mãe na ordem da
graça". 99 Esta função constitui uma dimensão real da sua
presença no mistério salvífico de Cristo e da Igreja.
39.
Sob este ponto de vista, temos necessidade de voltar, mais
uma vez, à consideração do acontecimento fundamental na
economia da salvação, ou seja, a Incarnação do Verbo de
Deus, no momento da Anunciação. É significativo que Maria,
reconhecendo nas palavras do mensageiro divino a vontade do
Altíssimo e submetendo-se ao seu poder, diga: "Eis a serva
do Senhor! Faça-se em mim segundo a tua palavra" (Lc 1, 38).
O primeiro momento da submissão à única mediação "entre Deus
e os homens" - a mediação de Jesus Cristo - é a aceitação da
maternidade por parte da Virgem de Nazaré. Maria consente na
escolha divina para se tornar, por obra do Espírito Santo, a
Mãe do Filho de Deus. Pode dizer-se que este consentimento
que ela dá à maternidade é fruto sobretudo da doção total a
Deus na virgindade. Maria aceitou a eleição para ser mãe do
Filho de Deus, guiada pelo amor esponsal, o amor que
"consagra" totalmente a Deus uma pessoa humana. Em virtude
desse amor, Maria desejava estar sempre e em tudo "doada a
Deus", vivendo na virgindade. As palavras: "Eis a serva do
Senhor!" comprovam o facto de ela desde o princípio ter
aceitado e entendido a própria maternidade como dom total de
si, da sua pessoa, ao serviço dos desígnios salvíficos do
Altíssimo. E toda a participação materna na vida de Jesus
Cristo, seu Filho, ela viveu-a até ao fim de um modo
correspondente à sua vocação para a virgindade.
A
maternidade de Maria, profundamente impregnada da atitude
esponsal de "serva do Senhor", constitui a dimensão primária
e fundamental daquela sua mediação que a Igreja lhe
reconhece, proclama 100 e continuamente "recomenda ao amor
dos fiéis" porque confia muito nela. Com efeito, importa
reconhecer que, primeiro do que quaisquer outros, o próprio
Deus, o Pai eterno, se confiou à Virgem de Nazaré, dando-lhe
o próprio Filho no mistério da Incarnação. Esta sua eleição
para a sublime tarefa e suprema dignidade de Mãe do Filho de
Deus, no plano ontológico, tem relação com a própria
realidade da união das duas naturezas na Pessoa do Verbo
(união hipostática). Este facto fundamental de ser Mãe do
Filho de Deus, é desde o princípio uma abertura total à
pessoa de Cristo, a toda a sua obra e a toda a sua missão.
As palavras: "Eis a serva do Senhor!" testemunham esta
abertura de espírito em Maria, que une em si, de maneira
perfeita, o amor próprio da virgindade e o amor
característico da maternidade, conjuntos e como que fundidos
num só amor.
Por
isso, Maria tornou-se não só a "mãe-nutriz" do Filho do
homem, mas também a "cooperadora generosa, de modo
absolutamente singular", 101 do Messias e Redentor. Ela -
como já foi dito - avançava na peregrinação da fé e, nessa
sua peregrinação até aos pés da Cruz, foi-se realizando, ao
mesmo tempo, com as suas acções e os seus sofrimentos, a sua
cooperação materna e esponsal em toda a missão do Salvador.
Ao longo do caminho de tal colaboração com a obra do
Filho-Redentor, a própria maternidade de Maria veio a
conhecer uma transformação singular, sendo cada vez mais
cumulada de "caridade ardente" para com todos aqueles a quem
se destinava a missão de Cristo. Mediante essa "caridade
ardente", visando cooperar, em união com Cristo, na
restauração "da vida sobrenatural nas almas", 102 Maria
entrava de modo absolutamente pessoal na única mediação
"entre Deus e os homens", que é a mediação do homem Cristo
Jesus. Se ela mesma foi quem primeiro experimentou em si os
efeitos sobrenaturais desta mediação única - já aquando da
Anunciação ela tinha sido saudada como "cheia de graça" -
então tem de se dizer que, em virtude desta plenitude da
graça e de vida sobrenatural, ela estava particularmente
predisposta para a "cooperação" com Cristo, único mediador
da salvação humana. E tal cooperação é precisamente esta
mediação subordinada à mediação de Cristo.
No
caso de Maria trata-se de uma mediação especial e
excepcional, fundada na sua "plenitude de graça", que se
traduzia na total disponibilidade da "serva do Senhor". Em
correspondência com essa disponibilidade interior da sua
Mãe, Jesus Cristo preparava-a cada vez mais para ela se
tornar para os homens "mãe na ordem da graça". Isto acha-se
indicado, pelo menos de maneira indirecta, em certos
pormenores registados pelos Sinópticos (cf. Lc 11, 28; 8,
20-21; Mc 3, 32-35; Mt 12, 47-50) e, mais ainda, pelo
Evangelho de São João (cf. 2, 1-12; 19, 25-27), como já
procurei pôr em evidência. A este propósito, são
particularmente eloquentes as palavras pronunciadas por
Jesus do alto da Cruz, referindo-se a Maria e a João.
40.
Depois dos acontecimentos da Ressurreição e da Ascensão,
Maria, entrando com os Apóstolos no Cenáculo enquanto
esperavam o Pentecostes, estava aí presente como Mãe do
Senhor glorificado. Era não só aquela que "avançou na
peregrinação da fé" e conservou fielmente a sua união com o
Filho "até à Cruz", mas também a "serva do Senhor" deixada
por seu Filho como mãe no seio da Igreja nascente: "Eis a
tua mãe". Assim começou a estabelecer-se um vínculo especial
entre esta Mãe e a Igreja. Com efeito, a Igreja nascente era
fruto da Cruz e da Ressurreição do seu Filho. Maria, que
desde o princípio se tinha entregado sem reservas à pessoa e
à obra do Filho, não podia deixar de derramar sobre a
Igreja, desde os inícios, esta sua doação materna. Depois da
"partida" do Filho a sua maternidade permanece na Igreja,
como mediação materna: intercedendo por todos os seus
filhos, a Mãe coopera na obra salvífica do Filho-Redentor do
mundo. De facto, o Concílio ensina: "a maternidade de Maria
na economia da graça perdura sem interrupção... até à
consumação perpétua de todos os eleitos". 103 Com a morte
redentora do seu Filho, a mediação materna da serva do
Senhor revestiu-se de uma dimensão universal, porque a obra
da Redenção abrange todos os homens. Assim se manifesta, de
modo singular, a eficácia da única e universal mediação de
Cristo "entre Deus e os homens". A cooperação de Maria
participa, com o seu carácter subordinado, na universalidade
da mediação do Redentor, único Mediador. Isto é claramente
indicado pelo Concílio com as palavras acima citadas.
De
facto - lemos ainda - depois de elevada ao céu, Maria não
abandonou este papel de salvação, mas com a sua múltipla
intercessão, continua a alcançar-nos os dons da salvação
eterna".104 Com este carácter de a intercessão", que se
manifestou pela primeira vez em Caná da Galileia, a mediação
de Maria continua na história da Igreja e do mundo. Lemos
que Maria, "com a sua caridade materna, cuida dos irmãos de
seu Filho, que ainda peregrinam e se debatem entre perigos e
angústias, até que sejam conduzidos à pátria
bem-aventurada". 105 Deste modo, a maternidade de Maria
perdura incessantemente na Igreja, como mediação que
intercede; e a Igreja exprime a sua fé nesta verdade
invocando-a sob os títulos de Advogada, Auxiliadora,
(Perpétuo) Socorro e Medianeira. 106
41.
Pela sua mediação, subordinada à mediação do Redentor, Maria
contribui de maneira especial para a união da Igreja
peregrina na terra com a realidade escatológica e celeste da
comunhão dos santos, tendo já sido "elevada ao Céu". 107 A
verdade da Assunção, definida por Pio XII, é reafirmada pelo
Vaticano II, que exprime a fé da Igreja nestes termos:
"Finalmente, a Virgem Imaculada, preservada imune de toda a
mancha da culpa original, terminado o curso da sua vida
terrena, foi assumida à glória celeste em corpo e alma e
exaltada pelo Senhor como Rainha do universo, para que se
conformasse mais plenamente com o seu Filho, Senhor dos
senhores (cf. Apoc 19, 16) e vencedor do pecado e da morte",
108 Com esta doutrina, Pio XII situava-se na continuidade da
Tradição, que ao longo da história da Igreja teve expressões
múltiplas, tanto no Oriente como no Ocidente.
Com o
mistério da Assunção ao Céu, actuaram-se em Maria
definitivamente todos os efeitos da única mediação de
Cristo, Redentor do mundo e Senhor ressuscitado: "Todos
receberão a vida em Cristo. Cada um, porém, na sua ordem:
primeiro Cristo, que é a primícia; depois, à sua vinda,
aqueles que pertencem a Cristo" (1 Cor 15, 22-23). No
mistério da Assunção exprime-se a fé da Igreja, segundo a
qual Maria está "unida por um vínculo estreito e
indissolúvel a Cristo", pois, se já como mãe-virgem estava a
Ele unida singulamente na sua primeira vinda, pela sua
contínua cooperação com Ele o estará também na expectativa
da segunda: "Remida dum modo mais sublime, em atenção aos
méritos de seu Filho", 109 ela tem também aquele papel,
próprio da Mãe, de medianeira de clemência, na vinda
definitiva, quando todos os que são de Cristo forem
vivificados e quando "o último inimigo a ser destruído será
a morte" (1 Cor 15, 26). 110
Com
tal exaltação da "excelsa Filha de Sião" 111 mediante a
Assunção ao Céu, está conexo o mistério da sua glória
eterna. A Mãe de Cristo, efectivamente, foi glorificada como
"Rainha do universo". 112 Ela, que na altura da Anunciação
se definiu "serva do Senhor", permaneceu fiel ao que este
nome exprime durante toda a vida terrena, confirmando desse
modo ser uma verdadeira "discípula" de Cristo, que teve
ocasião de acentuar fortemente o carácter de serviço da sua
missão: o Filho do homem "não veio para ser servido, mas
para servir e dar a sua vida como resgate de muitos" (Mt 20,
28). Por isso, Maria tornou-se a primeira entre aqueles que,
"servindo a Cristo também nos outros, conduzem os seus
irmãos, com humildade e paciência, àquele Rei, servir ao
qual é reinar"; 113 e alcançou plenamente aquele "estado de
liberdade real" que é proprio dos discípulos de Cristo:
servir quer dizer reinar!
"Cristo, tendo-se feito obediente até à morte, foi por isso
mesmo exaltado pelo Pai (cf. Flp 2, 8-9) e entrou na glória
do seu Reino; a ele estão submetidas todas as coisas, até
que ele se sujeite a si mesmo e consigo todas as criaturas
ao Pai, a fim de que Deus seja tudo em todos (cf. 1 Cor 15,
27-28)". 114 Maria, serva do Senhor, tem parte neste Reino
do Filho. 115 A glória de servir não cessa de ser a sua
exaltação real: elevada ao céu, não suspende aquele seu
serviço salvífico em que se exprime a mediação materna, "até
à consumação perpétua de todos os eleitos". 116 Assim,
aquela que, aqui na terra, "conservou fielmente a sua união
com o Filho até à Cruz", permanece ainda unida a ele, uma
vez que "tudo lhe está submetido, até que ele sujeite ao Pai
a sua pessoa e todas as criaturas". Mais, com a sua Assunção
ao Céu, Maria está como que envolvida por toda a realidade
da comunhão dos santos; e a sua própria união com o Filho na
glória está toda propendente para a plenitude definitiva do
Reino, quando a Deus for tudo em todos".
Também
nesta fase a mediação materna de Maria não deixa de estar
subordinada àquele que é o único Mediador, até à definitiva
actuação "da plenitude dos tempos": "a de em Cristo
recapitular todas as coisas" (Ef 1, 10).
2.
Maria na vida da Igreja e de cada cristão
42. O
Concílio Vaticano II, situando-se na linha da Tradição,
projectou uma nova luz sobre o papel da Mãe de Cristo na
vida da Igreja. "A bem-aventurada Virgem Maria ... pelo dom
da maternidade divina, que a une com o seu Filho Redentor, e
ainda pelas suas graças e funções singulares, encontra-se
também intimamente unida à Igreja: a Mãe de Deus é a figura
da Igreja... e isso, na ordem da fé, da caridade e da
perfeita união com Cristo". 117 Já vimos anteriormente que
Maria permanece desde o princípio com os Apóstolos, enquanto
esperam o Pentecostes, e que, sendo a "feliz porque
acreditou", de geração em geração ela está presente no meio
da Igreja que faz a sua peregrinação na fé, sendo para ela
igualmente modelo da esperança que não decepciona (cf. Rom
5, 5).
Maria
acreditou que se cumpririam aquelas coisas que lhe tinham
sido ditas da parte do Senhor. Como Virgem, acreditou que
conceberia e daria à luz um filho: o "Santo", ao qual
corresponde o nome de "Filho de Deus", o nome de "Jesus" (=
Deus que salva). Como serva do Senhor, permaneceu
perfeitamente fiel à pessoa e à missão deste seu Filho. Como
Mãe, "pela sua fé e obediência... gerou na terra o próprio
Filho de Deus, sem ter conhecido homem, mas por obra e graça
do Espírito Santo". 118
Por
estes motivos "Maria ... é com razão honrada pela Igreja com
culto especial; ... já desde os tempos mais antigos, a
Santíssima Virgem é venerada com o título de "Mãe de Deus" e
sob a sua protecção se acolhem os fiéis, que a imploram em
todos os perigos e necessidades", 119 Este culto é
absolutamente singular: contém em si e exprime aquele
vínculo profundo que existe entre a Mãe de Cristo e a
Igreja. 120 Como virgem e mãe, Maria permanece um "modelo
perene" para a Igreja. Pode, portanto, dizer-se que
sobretudo sob este aspecto, isto é, como modelo ou, melhor,
como "figura", Maria, presente no mistério de Cristo,
permanece também constantemente presente no mistério da
Igreja. Com efeito, também a Igreja "é chamada mãe e
virgem"; e estes nomes têm profunda justificação bíblica e
teológica. 121
43. A
Igreja "torna-se mãe ... pela fiel recepção da palavra de
Deus" 122 Como Maria, que foi a primeira a acreditar,
acolhendo a palavra de Deus que lhe foi revelada na
Anunciação e a ela permanecendo fiel em todas as provações
até à Cruz, assim também a Igreja se torna mãe quando,
acolhendo com fidelidade a palavra de Deus, pela pregação e
pelo baptismo, gera para uma vida nova e imortal os filhos,
concebidos por obra do Espírito Santo e nascidos de Deus".
123 Esta característica "materna" da Igreja foi expressa dum
modo particularmente vívido pelo Apóstolo das Gentes, quando
escreveu: "Meus filhinhos, por quem sofro novamente as dores
de parto, até que Cristo não se tenha formado em vós"! (Gál
4, 19). Nestas palavras de São Paulo está contida uma
indicação interessante: da consciência que tinha a Igreja
primitiva da função maternal, que andava ligada ao seu
serviço apostólico entre os homens. Tal consciência permitia
e constantemente permite à Igreja encarar o mistério da sua
vida e da sua missão à luz do exemplo da Genetriz do Filho
de Deus, que é "o primogénito entre muitos irmãos" (Rom 8,
29).
A
Igreja, em certo sentido, apreende de Maria também o que é a
própria maternidade: ela reconhece esta dimensão maternal da
própria vocação, como algo ligado essencialmente à sua
natureza sacramental, "contemplando a sua santidade
misteriosa, imitando a sua caridade e cumprindo fielmente a
vontade do Pai". 124 O facto de a Igreja ser sinal e
instrumento da íntima união com Deus tem a sua base na
maternidade que lhe é própria: porque, vivificada pelo
Espírito Santo, "gera" filhos e filhas da família humana
para uma vida nova em Cristo. Com efeito, assim como Maria
está ao serviço do mistério da Incarnação, também a Igreja
permanece ao serviço do mistério da adopção como filhos
mediante a graça.
Ao
mesmo tempo, a exemplo de Maria, a Igreja permanece a virgem
fiel ao próprio Esposo: "Também ela é virgem, que guarda
íntegra e pura a fé jurada ao Esposo", 125 A Igreja, de
facto, é a esposa de Cristo, como resulta das Cartas
paulinas (cf. Ef 5, 21-33; 2 Cor 11, 2) e da maneira como
São João a designa: "a Esposa do Cordeiro" (Apoc 21, 9). Se
a Igreja como esposa "guarda a fé jurada a Cristo", esta
fidelidade, embora no ensino do Apóstolo se tenha tornado
imagem do matrimónio (cf. Ef 5, 23-33), possui também o
valor de ser o tipo da total doação a Deus no celibato "por
amor do Reino dos céus", ou seja, da virgindade consagrada a
Deus (cf. Mt 19, 11-12; 2 Cor 11, 2). Esta virgindade
precisamente, a exemplo da Virgem de Nazaré, é fonte de uma
especial fecundidade espiritual: é fonte da maternidade no
Espírito Santo.
Mas a
Igreja guarda também a fé recebida de Cristo: a exemplo de
Maria, que guardava e meditava no seu coração (cf. Luc 2,
19. 51) tudo o que dizia respeito ao seu divino Filho, ela
está empenhada em guardar a Palavra de Deus, apurando as
suas riquezas com discernimento e prudência, para dar sempre
da mesma, ao longo dos tempos, testemunho fiel a todos os
homens. 126
44.
Existindo esta relação de exemplaridade, a Igreja
descobre-se em Maria e procura tornar-se semelhante a ela:
"A imitação da Mãe do seu Senhor e por virtude do Espírito
Santo, conserva virginalmente íntegra a fé, sólida a
esperança e sincera a caridade" 127 Maria está presente,
portanto, no mistério da Igreja como modelo. Mas o mistério
da Igreja consiste também em gerar os homens para uma vida
nova e imortal: é a sua maternidade no Espírito Santo. E
nisto, Maria não é só modelo e figura da Igreja; mas é muito
mais do que isso. Com efeito, "ela coopera com amor de mãe
para a regeneração e formação" dos filhos e filhas da mãe
Igreja. A maternidade da Igreja realiza-se não só segundo o
modelo e a figura da Mãe de Deus, mas também com a sua
"cooperação". A Igreja vai haurir copiosamente nesta
cooperação de Maria, isto é, na mediação materna que é
característica de Maria, no sentido de que já na terra ela
cooperou na regeneração e formação dos filhos e das filhas
da Igreja, sempre como Mãe daquele Filho" que Deus
constituiu o primogénito entre muitos irmãos". 128
Para
isto "cooperou - como ensina o Concílio Vaticano II - com
amor de mãe. 129 Descobre-se aqui o valor real das palavras
de Jesus, na hora da Cruz, à sua Mãe: "Mulher, eis o teu
filho", e ao discípulo: "Eis a tua mãe" (Jo 19, 26-27). São
palavras que determinam o lugar de Maria na vida dos
discípulos de Cristo e exprimem - como já disse - a sua nova
maternidade como Mãe do Redentor: a maternidade espiritual,
que nasceu do mais íntimo do mistério pascal do Redentor do
mundo. Trata-se de uma maternidade na ordem da graça, porque
invoca o dom do Espírito Santo que suscita os novos filhos
de Deus, remidos pelo sacrifício de Cristo: daquele mesmo
Espírito que, conjuntamente com a Igreja, também Maria
recebeu no dia do Pentecostes.
Esta
sua maternidade é particularmente advertida e vivida pelo
povo cristão no Banquete sagrado - celebração litúrgica do
mistério da Redenção - no qual se torna presente Cristo, no
seu verdadeiro Corpo nascido da Virgem Maria.
Com
boa razão, pois, a piedade do povo cristão vislumbrou sempre
uma ligação profunda entre a devoção à Virgem Santíssima e o
culto da Eucaristia: pode comprovar-se este facto, na
liturgia, tanto ocidental como oriental, na tradição das
Famílias religiosas, na espiritualidade dos movimentos
contemporâneos, mesmo dos movimentos juvenis, e na pastoral
dos santuários marianos. Maria conduz os fiéis à Eucaristia.
45. É
algo essencial à maternidade o facto de ela envolver a
pessoa. Ela determina sempre uma relação única e irrepetível
entre duas pessoas: da mãe com o filho e do filho com a mãe.
Mesmo quando uma só "mulher" é mãe de muitos filhos, a sua
relação pessoal com cada um deles caracteriza a maternidade
na sua própria essência. Cada um dos filhos, de facto, é
gerado de modo único e irrepetível; e isto é válido tanto
para a mãe como para o filho. Cada um dos filhos é
circundado, de modo único e irrepetível, daquele amor
materno em que se baseia a sua formação e maturação em
humanidade.
Pode
dizer-se que "a maternidade na ordem da graça" tem analogia
com o que "na ordem da natureza" caracteriza a união da mãe
com o filho. A luz disto, torna-se mais compreensível o
motivo pelo qual, no testamento de Cristo no Gólgota, esta
maternidade de sua Mãe é por Ele expressa no singular, em
relação a um só homem: "Eis o teu filho".
Pode
dizer-se, ainda, que nestas mesmas palavras está plenamente
indicado o motivo da dimensão mariana da vida dos discípulos
de Cristo: não só de São João, que naquela hora estava aos
pés da Cruz, juntamente com a Mãe do seu Mestre, mas também
de todos os demais discípulos de Cristo e de todos os
cristãos. O Redentor confia sua Mãe ao discípulo e, ao mesmo
tempo, dá-lha como mãe. A maternidade de Maria que se torna
herança do homem é um dom: um dom que o próprio Cristo faz a
cada homem pessoalmente. O Redentor confia Maria a João, na
medida em que confia João a Maria. Aos pés da Cruz teve o
seu início aquela especial entrega do homem à Mãe de Cristo,
que ao longo da história da Igreja foi posta em prática e
expressa de diversas maneiras. Quando o mesmo Apóstolo e
Evangelista, depois de ter referido as palavras dirigidas
por Jesus do alto da Cruz à Mãe e a si próprio, acrescenta:
"E, a partir daquele momento, o discípulo levou-a para sua
casa" (Jo 19, 27), esta afirmação quer dizer, certamente,
que ao discípulo foi atribuído um papel de filho e que ele
tomou ao seu cuidado a Mãe do Mestre que amava. E uma vez
que Maria lhe foi dada pessoalmente a ele como mãe, a
afirmação indica, embora indirectamente, tudo o que exprime
a relação íntima de um filho com a mãe. E tudo isto pode
encerrar-se na palavra "entrega". A entrega é a resposta ao
amor duma pessoa e, em particular, ao amor da mãe.
A
dimensão mariana da vida de um discípulo de Cristo
exprime-se, de modo especial, precisamente mediante essa
entrega filial em relação à Mãe de Cristo, iniciada com o
testamento do Redentor no alto do Gólgota. Confiando-se
filialmente a Maria, o cristão, como o Apóstolo São João,
acolhe "entre as suas coisas próprias" 130 a Mãe de Cristo e
introdu-la em todo o espaço da própria vida interior, isto
é, no seu "eu" humano e cristão: "levou-a para sua casa".
Assim procura entrar no âmbito de irradiação em que se actua
aquela "caridade materna", com que a Mãe do Redentor "cuida
dos irmãos do seu Filho", 131 para cuja regeneração e
formação ela coopera", 132 segundo a medida do dom própria
de cada um, pelo poder do Espírito de Cristo. Assim se vai
actuando também aquela maternidade segundo o Espírito, que
se tornou função de Maria aos pés da Cruz e no Cenáculo.
46.
Esta relação filial, este entregar-se de um filho à Mãe, não
só tem o seu início em Cristo, mas pode dizer-se que está
definitivamente orientado para ele. Pode dizer-se, ainda,
que Maria continua a repetir a todos as mesmas palavras, que
disse outrora em Caná da Galileia: "Fazei o que ele vos
disser". Com efeito, é ele, Cristo, o único Mediador entre
Deus e os homens; é ele "o caminho, a verdade e a vida" (Jo
14, 6); e é aquele que o Pai doou ao mundo, para que o homem
"não pereça mas tenha a vida eterna" (Jo 3, 16). A Virgem de
Nazaré tornou-se a primeira "testemunha" deste amor
salvífico do Pai e deseja também permanecer a sua humilde
serva sempre e em toda a parte. Em relação a todos e cada um
dos cristãos e a cada um dos homens, Maria é a primeira na
fé: é "aquela que acreditou"; e, precisamente com esta sua
fé de esposa e de mãe, ela quer actuar em favor de todos os
que a ela se entregam como filhos. E é sabido que quanto
mais estes filhos perseveram na atitude de entrega e mais
progridem nela, tanto mais Maria os aproxima das
"insondáveis riquezas de Cristo" (Ef 3, 8). E, de modo
análogo, também eles reconhecem cada vez mais em toda a sua
plenitude a dignidade do homem e o sentido definitivo da sua
vocação, porque "Cristo ... revela também plenamente o homem
ao homem". 133
Esta
dimensão mariana da vida cristã assume um relevo particular
no que respeita à mulher e à condição feminina. Com efeito,
a feminilidade encontra-se numa relação singular com a Mãe
do Redentor, assunto que poderá ser aprofundado num outro
contexto. Aqui desejaria somente salientar que a figura de
Maria de Nazaré projecta luz sobre a mulher enquanto tal,
pelo facto exactamente de Deus, no sublime acontecimento da
Incarnação do Filho, se ter confiado aos bons préstimos,
livres e activos da mulher. Pode, portanto, afirmar-se que a
mulher, olhando para Maria, nela encontrará o segredo para
viver dignamente a sua feminilidade e levar a efeito a sua
verdadeira promoção. A luz de Maria, a Igreja lê no rosto da
mulher os reflexos de uma beleza, que é espelho dos mais
elevados sentimentos que o coração humano pode albergar: a
totalidade do dom de si por amor; a força que é capaz de
resistir aos grandes sofrimentos; a fidelidade sem limites,
a perosidade incansável e a capacidade de conjugar a
intuição penetrante com a palavra de apoio e encorajamento.
47.
Durante o Concílio, o Papa Paulo VI afirmou solenemente que
Maria é Mãe da Igreja, "isto é, Mãe de todo o povo cristão,
tanto dos fiéis como dos Pastores". 134 Mais tarde, em 1968,
na Profissão de Fé conhecida com o nome de "Credo do Povo de
Deus", repetiu essa afirmação de forma ainda mais
compromissiva, usando as palavras: "Nós acreditamos que a
Santíssima Mãe de Deus, nova Eva, Mãe da Igreja, continua no
Céu a sua função maternal em relação aos membros de Cristo,
cooperando no nascimento e desenvolvimento da vida divina
nas almas dos remidos". 135
O
magistério do Concílio acentuou que a verdade sobre a Virgem
Santíssima, Mãe de Cristo, constitui um subsídio eficaz para
o aprofundamento da verdade sobre a Igreja. O mesmo Papa
Paulo VI, ao tomar a palavra a propósito da Constituição
Lumen Gentium, que acabava de ser aprovada pelo Concílio,
disse: "O conhecimento da verdadeira doutrina católica sobre
a Bem -aventurada Virgem Maria constituirá sempre uma chave
para a compreensão exacta do mistério de Cristo e da
Igreja", 136 Maria está presente na Igreja como Mãe de
Cristo e, ao mesmo tempo, como a Mãe que o próprio Cristo,
no mistério da Redenção, deu ao homem na pessoa do Apóstolo
São João. Por isso, Maria abraça, com a sua nova maternidade
no Espírito, todos e cada um na Igreja; e abraça também
todos e cada um mediante a Igreja. Neste sentido, Maria, Mãe
da Igreja, é também modelo da Igreja. Esta, efectivamente -
como preconiza e solicita o Papa Paulo VI - deve ir "buscar
na Virgem Mãe de Deus a forma mais autêntica da perfeita
imitação de Cristo". 137
Graças
a este vínculo especial, que une a Mãe de Cristo à Igreja,
esclarece-se melhor o mistério daquela "mulher" que, desde
os primeiros capítulos do Livro do Génesis até ao
Apocalipse, acompanha a revelação do desígnio salvífico de
Deus em relação à humanidade. Maria, de facto, presente na
Igreja como Mãe do Redentor, participa maternalmente naquele
"duro combate contra os poderes das trevas ..., que se trava
ao longo de toda a história humana", 138 E em virtude desta
sua identificação eclesial com a "mulher vestida de sol"
(Apoc 12, 1), 139 pode dizer-se que "a Igreja alcançou já na
Virgem Santíssima aquela perfeição, que faz que ela se
apresente sem mancha nem ruga"; todavia, os cristãos,
levantando os olhos com fé para Maria, ao longo da sua
peregrinação na terra "continuam ainda a esforçar-se por
crescer na santidade". 140 Maria, a excelsa filha de Sião,
ajuda a todos os seus filhos - onde quer que vivam e como
quer que vivam - a encontrar em Cristo o caminho para a casa
do Pai.
Por
conseguinte, a Igreja mantém, em toda a sua vida, uma
ligação com a Mãe de Deus que abraça, no mistério salvífico,
o passado, o presente e o futuro; e venera-a como Mãe
espiritual da humanidade e Advogada na ordem da graça.
3. O
sentido do Ano Mariano
48. O
vínculo especial da humanidade com esta Mãe foi precisamente
o que me levou a proclamar na Igreja, no período que
antecede a conclusão do Segundo Milénio do nascimento de
Cristo, um Ano Mariano. Uma iniciativa semelhante a esta já
se verificou no passado, quando o Papa Pio XII proclamou o
ano de 1954 como Ano Mariano, para dar realce à excepcional
santidade da Mãe de Cristo, expressa nos mistérios da sua
Imaculada Conceição (definida exactamente um século antes) e
da sua Assunção ao Céu. 141
Seguindo a linha do Concílio Vaticano II, anima-me o desejo
de pôr em relevo a presença especial da Mãe de Deus no
mistério de Cristo e da sua Igreja. Esta é uma dimensão
fundamental que dimana da Mariologia do Concílio, de cujo
encerramento já nos separam mais de vinte anos. O Sínodo
extraordinário dos Bispos, que se realizou em 1985, exortou
a todos a seguirem fielmente o magistério e as indicações do
Concílio. Pode dizer-se que em ambos - . no Concílio e no
Sínodo - está contido aquilo que o Espírito Santo deseja
"dizer à Igreja" (cf. Apoc 2, 7.17.29; 3, 6.13.22) na fase
presente da história.
Neste
contexto, o Ano Mariano deverá promover também uma leitura
nova e aprofundada daquilo que o Concílio disse sobre a
Bem-aventurada Virgem Maria, Mãe de Deus, no mistério de
Cristo e da Igreja, a que se referem as considerações
contidas na presente Encíclica. Com esta perspectiva,
trata-se não só da doutrina da fé, mas também da vida de fé;
e, portanto, da autêntica "espiritualidade mariana", vista à
luz da Tradição e, especialmente, daquela espiritualidade a
que nos exorta o Concílio. 142 Além disso, a espiritualidade
mariana, assim como a devoção correspondente, tem uma
riquíssima fonte na experiência histórica das pessoas e das
diversas comunidades cristãs, que vivem no seio dos vários
povos e nações, sobre toda a face da terra. A este
propósito, é-me grato recordar, dentre as muitas testemunhas
e mestres de tal espiritualidade, a figura de São Luís Maria
Grignion de Montfort, 143 o qual propõe aos cristãos a
consagração a Cristo pelas mãos de Maria, como meio eficaz
para viverem fielmente os compromissos baptismais. E registo
ainda aqui, de bom grado, que também nos nossos dias não
faltam novas manifestações desta espiritualidade e devoção.
Há,
portanto, pontos de referência seguros para os quais olhar e
aos quais ater-se, no contexto deste Ano Mariano.
49. A
celebração do mesmo Ano Mariano terá início na Solenidade do
Pentecostes no dia 7 de Junho próximo. Trata-se,
efectivamente, não apenas de recordar que Maria "precedeu" o
ingresso de Cristo Senhor na história da humanidade, mas
também de salientar, à luz de Maria, que, desde que se
realizou o mistério da Incarnação, a história da humanidade
entrou "na plenitude dos tempos" e que a Igreja é o sinal
desta plenitude. Como Povo de Deus, a Igreja vai fazendo,
mediante a fé, a peregrinação no sentido da eternidade no
meio de todos os povos e nações, peregrinação que começou no
dia do Pentecostes. A Mãe de Cristo, que esteve presente no
princípio do "tempo da Igreja" quando, durante os dias de
espera do Espírito Santo, era assídua na oração no meio dos
Apóstolos e dos discípulos do seu Filho, "precede"
constantemente a Igreja nesta sua caminhada através da
história da humanidade. Ela é também aquela que,
precisamente como serva do Senhor, coopera sem cessar na
obra da salvação realizada por Cristo, seu Filho.
Assim,
por meio deste Ano Mariano, a Igreja é chamada não só a
recordar tudo o que no seu passado testemunha a especial
cooperação materna da Mãe de Deus na obra da salvação em
Cristo Senhor, mas também a preparar para o futuro, na parte
que lhe toca, os caminhos desta cooperação salvífica, dado
que, com o final do Segundo Milénio cristão, se abre como
que uma nova perspectiva.
50.
Como já tivemos ocasião de recordar, também entre os irmãos
desunidos muitos honram e celebram a Mãe do Senhor,
especialmente entre os Orientais. É uma luz mariana
projectada sobre o Ecumenismo. Mas desejaria aqui recordar
ainda, em particular, que durante o Ano Mariano ocorrerá o
Milénio do Baptismo de São Vladimiro, Grão-Príncipe de Kiev
(a. 988), que deu início ao Cristianismo nos territórios da
"Rus'" de então e, em seguida, em todos os territórios da
Europa oriental; e que, por esta via, mediante a obra de
evangelização, o Cristianismo se estendeu também para além
da Europa, até aos territórios setentrionais do Continente
asiático. Desejaríamos, portanto, especialmente durante este
Ano, unir-nos na oração com todos aqueles que celebram o
Milénio desse Baptismo, ortodoxos e católicos, renovando e
confirmando com o Concílio, a vivência de sentimentos de
alegria e consolação, pelo facto de que "os Orientais ...
acorrem a venerar a Mãe de Deus, sempre Virgem, com fervor
ardente e ânimo devoto". 144 Embora experimentemos ainda os
efeitos dolorosos da separação, que se deu alguns decénios
depois (a. 1054), podemos dizer que diante da Mãe de Cristo
nos sentimos verdadeiros irmãos e irmãs no âmbito daquele
Povo messiânico chamado a ser uma única família de Deus
sobre a face da terra, como já tive ocasião de anunciar no
passado dia de Ano Novo: "Desejamos reconfirmar esta herança
universal de todos os filhos e filhas desta terra". 145
Ao
anunciar o Ano de Maria, eu precisava ainda que o seu
encerramento será no ano seguinte, na solenidade da Assuncão
de Nossa Senhora ao Céu, querendo realçar "o sinal grandioso
no céu" de que fala o Apocalipse. Deste modo, queremos
também pôr em prática a exortação do Concílio, que olha para
Maria como um "sinal de esperança segura e de consolação
para o Povo de Deus peregrino". E essa exortação foi
espressa pelo Concílio com as seguintes palavras: "Dirijam
todos os fiés súplicas instantes à Mãe de Deus e Mãe dos
homens, para que ela, que assistiu com suas orações aos
começos da Igreja, também agora, no Céu, exaltada acima de
todos os bem-aventurados e dos anjos, interceda junto de seu
Filho, na comunhão de todos os santos, até que todas as
famílias dos povos, quer as que ostentam o nome cristão,
quer as que ignoram ainda o seu Salvador, se reúnam
felizmente, em paz e concórdia, no único Povo de Deus, para
glória da santíssima e indivisa Trindade". 146
CONCLUSÃO
51. Ao
terminar a Liturgia das Horas quotidiana, entre outras,
eleva-se esta invocação da Igreja a Maria:
"Ó
Santa Mãe do Redentor, porta do Céu sempre aberta, estrela
do mar, socorrei o vosso povo, que cai e anela por
erguer-se. Vós que gerastes, com grande admiração de todas
as criaturas, o vosso santo Genitor"!
"Com
grande admiração de todas as criaturas"! Estas palavras da
antífona exprimem aquela admiração de fé, que acompanha o
mistério da maternidade divina de Maria. E acompanha-o, em
certo sentido, no coração de tudo o que foi criado e,
directamente, no coração de todo o Povo de Deus, no coração
da Igreja.
Quão
admiravelmente Deus, Criador e Senhor de todas as coisas, se
deixou levar longe na "revelação de si mesmo" ao homem! 147
Quanto se nos torna patente que ele traspôs todos os espaços
daquela "distancia" infinita que separa o Criador da
criatura! Se Ele, em si mesmo, per manece inefável e
imperscrutável, é ainda mais inefável e imperscrutável na
realidade da sua Incarnação, no facto de "se ter feito
homem", nascendo da Virgem de Nazaré.
Se Ele
quis chamar eternamente o homem para ser "participante da
natureza divina" (cf. 2 Pdr 1, 4), pode dizer-se que
predispôs a "divinização" do homem em função das suas
condições históricas, de modo que, mesmo depois do pecado,
está disposto a "resgatar" por elevado preço o desígnio
eterno do seu amor, mediante a "humanização" do Filho, que
lhe é consubstancial. Tudo o que foi criado e, mais
directamente, o homem não pode deixar de ficar estupefacto
diante deste dom, de que se tornou participante no Espírito
Santo: "Com efeito, Deus amou tanto o mundo que lhe deu o
seu Filho unigénito" (Jo 3, 16).
No
centro deste mistério, no mais vivo desta admiração de fé
está Maria. Santa Mãe do Redentor, ela foi a primeira a
experimentá-la: "Vós que gerastes, com grande admiração de
todas as criaturas, o vosso santo Genitor"!
52.
Nas palavras desta antífona litúrgica está expressa também a
verdade da "grande mudança de situação" para o homem,
determinada pelo mistério da Incarnação. Trata-se de uma
autêntica reviravolta, que afecta toda a sua história, desde
aquele princípio que nos é revelado nos primeiros capítulos
do Génesis, até ao termo derradeiro, na perspectiva do fim
do mundo, de que Jesus não nos revelou "o dia nem a hora"
(cf. Mt 25, 13). É uma mudança de situação incessante e
contínua, entre o cair e o erguer-se, entre o homem do
pecado e o homem da graça e da justiça. A liturgia,
especialmente no Advento, coloca-se no ponto nevrálgico
desta reviravolta e alude ao seu incessante "aqui e agora",
ao mesmo tempo que exclama: "Socorrei o vosso povo, que cai
e anela por erguer-se"!
Estas
palavras referem-se a cada um dos homens, a todas as
comunidades humanas, às nações e aos povos, às gerações e às
épocas da história humana: referem-se à nossa época, a estes
anos do Milénio que está a caminhar para o fim: Socorrei,
sim, socorrei o vosso povo que cai"!
É esta
a invocação dirigida a Maria, "Santa Mãe do Redentor"; é a
invocação dirigida a Cristo, que por meio de Maria entrou na
história da humanidade. De ano para ano, a antífona é
elevada ao Céu, em louvor de Maria, evocando o momento em
que se realizou esta essencial reviravolta histórica, que
perdura irreversivelmente: a mudança de situação entre "o
cair" e "o erguer-se".
A
humanidade fez descobertas admiráveis e alcançou resultados
portentosos, no campo da ciência e da técnica; realizou
grandes obras nos caminhos do progresso e da civilização; e,
nos tempos mais recentes, dir-se-ia que conseguiu acelerar o
curso da história; mas a transformação fundamental, a
reviravolta que pode dizer-se "original", essa acompanha
sempre a caminhada do homem e, através das diversas
vicissitudes históricas, acompanha a todos e a cada um dos
homens. É a mudança de situação entre "o cair" e "o
erguer-se", entre a morte e a vida. Tal reviravolta
constitui também um desafio incessante às consciências
humanas, um desafio a toda a consciência histórica do homem:
o desafio para seguir os caminhos do "não cair", com os
recursos sempre antigos e sempre novos, e do "ressurgir", se
caiu.
À
medida que a Igreja se vai aproximando, juntamente com toda
a humanidade, da fronteira entre os dois Milénios, ela por
sua parte, com toda a comunidade dos que acreditam em Deus e
em comunhão com todos os homens de boa vontade, aceita o
grande desafio que se encerra nas palavras da antífona sobre
"o povo que cai e anela por erguer-se"; e, conjuntamente,
dirige-se ao Redentor e à sua Mãe com a invocação:
"Socorrei"! Com efeito, a mesma Igreja vê - e atesta-o esta
oração litúrgica - a Bem-aventurada Mãe de Deus no mistério
salvífico de Cristo e no seu próprio mistério; vê-a radicada
profundamente na história da humanidade, na eterna vocação
do homem, segundo o desígnio providencial que Deus predispôs
eternamente para ele; vê-a presente como mãe e a participar
nos múltiplos e complexos problemas que hoje acompanham a
vida das pessoas individualmente, das famílias e das nações;
vê-a como auxílio do povo cristão, na luta incessante entre
o bem e o mal, para que "não caia" ou, se caiu, para que "se
erga".
Faço
ardentes votos de que também as reflexões contidas na
presente Encíclica aproveitem, para que se renove esta visão
no coração de todos os que acreditam.
Como
Bispo de Roma, eu envio a todos aqueles a quem estas
considerações são destinadas, o ósculo da paz, com saudações
e a bênção em nosso Senhor Jesus Cristo. Amen!
Dado
em Roma, junto de São Pedro, no dia 25 de Março - Solenidade
da Anunciação do Senhor - do ano de 1987, nono do meu
Pontificado.
IOANNES PAULUS PP. II
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